Racismo na escola
Racismo na escola: acusados podem ser expulsos? Quais as consequências para os envolvidos?
Especialistas explicam que a instituição precisa investigar as denúncias e tomar as medidas cabíveis, que vão de suspensão a expulsão. Adolescentes e pais podem responder na Justiça.
Por Emily Santos, g1
Colégio Vera Cruz, na Zona Oeste de SP, onde estudam as filhas da atriz Samara Felippo
e do jogador Leandrinho. — Foto: Montagem/g1/Reprodução/Instagram
A atriz Samara Felippo denunciou, no fim de semana, que a filha de 14 anos foi vítima de racismo em uma escola particular de alto padrão na cidade de São Paulo. Samara diz que as agressoras são duas alunas da mesma escola, que escreveram ofensas de cunho racista no caderno da adolescente. A escola suspendeu por tempo indeterminado as alunas.
O caso não é isolado. Em março, uma aluna da rede municipal de Novo Horizonte, no interior de São Paulo, foi agredida física e verbalmente por cinco alunos que a chamaram de "macaca", "cabelo de bombril" e "capacete de astronauta".
Em 2023, mais 3 mil denúncias de racismo foram registradas apenas em escolas estaduais de São Paulo. No Brasil, a cada 10 pessoas que sofreram racismo, 4 foram vítimas da violência em escolas, faculdades ou universidades.
Abaixo, entenda quais os direitos e deveres das vítimas, da escola e dos agressores diante de casos como estes:
Racismo é diferente de bullying
Bullying é um tipo de violência que é praticado no ambiente escolar (da educação básica ao pós-doutorado), em clubes ou em agremiações recreativas. Bullying não é o termo usado para definir a agressão física ou psicológica, xingamento, violência, ameaça ou exclusão contínuos que acontecem no trabalho.
Em contrapartida, o racismo é uma agressão (física e/ou psicológica, recorrente ou não) com base em características de cor, raça ou etnia da vítima, que pode acontecer em qualquer lugar e ser praticado por qualquer pessoa.
Segundo Elisa Cruz, professora da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV Rio), o racismo é um mecanismo de poder que pressupõe a inferiorização das vítimas, e, portanto, quem pertence a grupos majoritários de poder não podem ser vítimas desse mecanismo — o que inviabiliza a existência de um “racismo reverso”.
Desde janeiro deste ano, a Lei 14.811 acrescentou ao Código Penal o crime de bullying e cyberbullying (quando o crime acontece no ambiente virtual), que prevê penas de reclusão de 2 a 4 anos, e multa.
Já o racismo é um crime inafiançável previsto pela Lei 7.716, de 1989, e prevê pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa.
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Quando o racismo acontece na escola
Atualmente, não existe uma lei específica que pode ser aplicada quando os casos de racismo ocorrem no ambiente escolar. Nestes casos, segundo Elisa Cruz, podem ser usados o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
“Esses dois mecanismos legais dispõem tanto sobre o direito das crianças quanto sobre o sentido da educação e para que ela serve”, explica a especialista.
A partir do momento em que esses direitos são desrespeitados e o racismo acontece dentro da escola, o primeiro mecanismo de defesa deve ser da própria escola.
“A administração escolar precisa entender o que está acontecendo e agir rapidamente para recompor o ambiente saudável para todos os alunos", explica Ana Paula Siqueira, doutoranda em direito pela PUC São Paulo.
Neste caso, uma medida de precaução imediata pode ser a suspensão do estudante ou do grupo discente apontado como infrator. No entanto, essa não deve ser a única atitude tomada pela escola.
No processo de decisão, segundo Elisa Cruz, a escola precisa refletir sobre três perguntas fundamentais:
1. O que foi praticado viola o código ético da própria escola?
2. Favorece o processo educacional das pessoas envolvidas e do conjunto de alunos manter todo mundo na mesma escola?
3. Como a vítima vai se sentir se tiver que conviver com seus agressores?
As respostas para essas perguntas podem nortear a decisão da escola, que pode ser tanto pela reintegração dos alunos suspensos quanto pela expulsão dos infratores.
No caso de uma ocorrência registrada em escola pública na qual a decisão da gestão seja pela expulsão do aluno agressor, deve ser mantido o direito do estudante à educação. Portanto, deve ser garantida a ele uma vaga em outra escola da rede.
Racismo em ambiente escolar pode ser judicializado?
Além de ser necessário que haja uma investigação e uma decisão pela administração escolar, os interessados no caso, sejam os pais da vítima ou a própria escola, podem fazer um registro de ocorrência na polícia ou uma denúncia no Ministério Público em razão do racismo.
Caso os infratores tenham entre 12 e 18 anos, podem ser encaminhados para a delegacia de polícia para o registro de ato infracional análogo ao crime de racismo, ou análogo ao crime de injúria racial, a depender da conduta.
- Quando é racismo? Quando a violação é objetiva, ou seja, quando características de raça são utilizadas para causar violência em outra pessoa.
- Quando é injúria racial? Sempre que o elemento é subjetivo, quando a honra da vítima é ofendida.
Em ambos os casos, se o Ministério Público entender que a denúncia é procedente, os infratores podem ser responsabilizados penalmente. O processo corre na Vara da Infância e Juventude, e os próprios infratores, mesmo que menores de idade, são responsabilizados.
Os infratores ficam sujeitos a medidas socioeducativas como advertência, liberdade assistida, podendo chegar até mesmo em internação, que é uma versão penal [de reclusão] para adolescentes da Justiça Criminal dos adultos.
— Elisa Cruz, professora da Escola de Direito da FGV Rio.
O caso também pode ser processado no âmbito civil, cabendo a responsabilização dos pais, na ocasião de os infratores serem menores de 18 anos, podendo resultar na decisão de indenizar financeiramente a vítima.