Raio X da educação
Raio X da educação: o que mostram o Censo Escolar, o Ideb e o Saeb, divulgados nesta sexta
Dados colhidos durante a pandemia não refletem a realidade das escolas, por limitações estatísticas. Redes que aprovaram automaticamente os alunos, por exemplo, terão índices artificialmente mais altos.
Por g1
Conheça os problemas que afetaram os dados do Ideb 2021
Saeb
O Saeb é uma prova de português e de matemática feita a cada dois anos por alunos do 2º, 5º e 9º ano do ensino fundamental e por estudantes do 3º do ensino médio. No caso do 9º ano, para uma amostra específica, houve também questões de ciências da natureza e ciências humanas.
Segundo especialistas, a situação pode ser ainda mais preocupante do que a exposta nesta sexta-feira, já que, quando o Saeb foi aplicado (em novembro e dezembro do ano passado), muitas escolas ainda não haviam voltado para o formato 100% presencial.
Provavelmente, no caso delas, a adesão ao exame foi menor do que a registrada nos colégios que já estavam funcionando normalmente.
"Não sabemos, por exemplo, se os alunos que não fizeram a prova foram aqueles que eram mais vulneráveis, porque não tinham acesso à tecnologia ou porque estavam no ensino médio e faltavam às aulas por estarem trabalhando", afirma Ricardo Henriques, do Instituto Unibanco.
Por isso, como dito no início da reportagem, comparações devem ser evitadas, levando em conta a fragilidade dos dados atuais.
A seguir, veja os principais dados relativos ao desempenho dos estudantes nessa avaliação.
2º ano do ensino fundamental
- Alfabetização: A porcentagem de crianças do 2º ano do ensino fundamental que ainda não sabem ler e escrever nem mesmo palavras isoladas (como "mesa" e "vovô") mais do que dobrou de 2019 a 2021. Pelas diretrizes do MEC, elas deveriam ter sido alfabetizadas desde o 1º ano.
- Matemática: No 2º ano do ensino fundamental, 22% das crianças não conseguiam fazer operações básicas, como soma e subtração, em 2021. Em 2019, antes da pandemia, eram 16%.
5º ano do ensino fundamental
- Língua portuguesa: De 2019 para 2021, a parcela de alunos com conhecimentos insuficientes subiu de 23% para 28%. São crianças que sabem localizar informações explícitas em textos curtos, mas não conseguem interpretar sentidos de palavras e expressões.
- Matemática: Houve um crescimento discreto de 21% para 23% no grupo de alunos que conseguem resolver problemas simples, mas que não são capazes de nomear figuras geométricas (quadrado, retângulo etc.).
Ensino médio
- Língua portuguesa: Há um aumento de 45% para 48% no número de alunos que ocupam os níveis iniciais de conhecimento da área, de 2019 a 2021.}
- Matemática: O levantamento mostra um salto de 48% para 54% do grupo que domina apenas as noções básicas da disciplina.
Ideb
O Ideb, em uma escala de 1 a 10, cruza duas informações:
- taxa de aprovação/fluxo escolar (a porcentagem de alunos que não repetiram de ano em uma escola ou rede de ensino);
- notas do Saeb (explicadas anteriormente nesta reportagem).
Só que, neste ano, esses dois “ingredientes” foram comprometidos, porque:
- Parte das redes de ensino adotou a aprovação automática na pandemia (e terá, portanto, um Ideb artificialmente mais alto).
- Pela primeira vez, também por causa da Covid-19, a porcentagem de alunos que fizeram a avaliação (Saeb) foi muito mais baixa em alguns estados, fornecendo dados estatisticamente pouco confiáveis.
Por isso, os destaques abaixo não estabelecerão comparações entre as redes.
- Anos iniciais do ensino fundamental: Na etapa em que as crianças enfrentaram dificuldades nos processos de alfabetização à distância, o Ideb nacional foi de 5,8 em 2021 (uma flutuação muito discreta em relação aos 5,9 de antes da pandemia, por causa da fragilidade dos dados explicada acima).
- Anos finais do ensino fundamental: A variação também foi pequena (de 4,9 para 5,1) nesses dois anos.
- Ensino médio: O Ideb ficou estacionado em 4,2 -- mais uma vez, evidenciando que os números não indicam necessariamente o que aconteceu com o desempenho dos alunos neste período.
Censo Escolar
- Evasão escolar: Comparando os números preliminares de 2021 e de 2022, o número de jovens matriculados no ensino médio caiu de 6.564.625 para 6.217.486 -- uma redução de 5,3%. Embora os dados ainda sejam preliminares, há o indício de um aumento na evasão escolar na última etapa de ensino, justamente quando o risco de abandonar os estudos para ingressar precocemente no mercado de trabalho é maior.
- Reflexos do novo ensino médio: Mesmo com a redução no número total de matrículas, o número de alunos de ensino médio em tempo integral aumentou 10,5% – esse é justamente um dos pilares da reforma implementada nessa etapa escolar desde o começo de 2022.
Ideb 2021, índice que mede a qualidade da educação brasileira, varia pouco em relação a 2019, mas dados são 'enganosos'
É preciso ter cautela ao interpretar esta edição, porque estados que adotaram a aprovação automática dos alunos na pandemia podem ter índices artificialmente mais altos. Participação menor dos estudantes no Saeb (prova de português e matemática) também inviabiliza comparações.
Por Luiza Tenente, g1 -
Nesta sexta-feira (16), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgou os resultados do Ideb – Índice de Desenvolvimento da Educação Brasileira –, um termômetro criado em 2007 para medir a qualidade do ensino público e privado no país.
Houve pouca variação em relação à edição anterior, de 2019, mas isso não significa que não houve perdas na aprendizagem na pandemia ou que as desigualdades regionais não se acentuaram no período.
Os novos dados, coletados em 2021 , devem ser interpretados com muita cautela para não levarem a conclusões enganosas. São números distorcidos, explicam especialistas ouvidos pelo g1: foram colhidos em condições que acabaram “mascarando”, de forma não intencional, o verdadeiro retrato da educação brasileira na pandemia (veja mais abaixo).
Nos anos iniciais do ensino fundamental, por exemplo, justamente na etapa em que as crianças enfrentaram dificuldades nos processos de alfabetização à distância, o Ideb nacional foi de 5,8 (uma flutuação muito discreta em relação aos 5,9 de antes da pandemia).
Nos anos finais do ensino fundamental, a variação também foi pequena (de 4,9 para 5,1), e no ensino médio, o Ideb ficou estacionado em 4,2 -- mais uma vez, evidenciando que os números não indicam necessariamente o que aconteceu com o desempenho dos alunos neste período.
"A comparação entre os resultados deve ser evitada", afirma Maria Helena Guimarães de Castro, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE).
Mas por que os dados podem dar essa impressão "enganosa" de que não houve retrocessos na educação?
Primeiramente, é preciso saber como o Ideb é calculado. Em uma escala de 1 a 10, ele cruza duas informações:
- taxa de aprovação/fluxo escolar (a porcentagem de alunos que não repetiram de ano em uma escola ou rede de ensino);
- notas do Saeb, uma prova de português e de matemática feita por alunos do 2º, 5º e 9º ano do ensino fundamental e por estudantes do 3º do ensino médio. No caso do 9º ano, para uma amostra específica, houve também questões de ciências da natureza e ciências humanas.
Só que, neste ano, esses dois “ingredientes” foram comprometidos, porque:
- Parte das redes de ensino adotou a aprovação automática na pandemia (e terá, portanto, um Ideb artificialmente mais alto).
- Pela primeira vez, também por causa da Covid-19, a porcentagem de alunos que fizeram a avaliação (Saeb) foi muito mais baixa em alguns estados, fornecendo dados estatisticamente pouco confiáveis. Comparações e rankings não serão fiéis à realidade.
Na coletiva de imprensa, Victor Godoy Veiga, ministro da Educação, afirmou que estratégias adotadas pelo governo federal, juntamente aos estados e municípios, pretendem levar a uma educação de qualidade, reparando as perdas de aprendizagem decorrentes da pandemia.
Quais são as metas? Por que a comparação não deve ser feita?
O índice é divulgado a cada dois anos, em várias escalas: nacional (em cada etapa escolar), por rede (dos municípios e dos estados) e por escola.
O Inep sempre define metas individuais e gerais, levando em conta o contexto de cada região. Confira abaixo os resultados das últimas edições:
As metas traçadas inicialmente para 2021 não serão consideradas, por causa da pandemia e de todos os fatores que alteraram (não intencionalmente) os cálculos.
Sem reprovar ninguém, o Ideb aumenta
Na pandemia, por recomendação do Conselho Nacional de Educação (CNE), algumas redes adotaram a política de não reprovar ninguém. No caso delas, a taxa de aprovação será, portanto, de 100% (todo mundo passou de ano).
Consequentemente, o Ideb aumentará de forma artificial em relação à série histórica, sem necessariamente indicar uma melhora na educação.
“Outras redes não seguiram a mesma conduta [de aprovar todos], porque já tinham retomado as aulas presenciais. Fica, portanto, mais complicado fazer uma comparação entre estados ou de um ano para o outro”, explica Gabriel Corrêa, líder de políticas educacionais da ONG Todos Pela Educação.
Vitor de Angelo, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), reforça que essas distorções não são intencionais, mas “sujam as amostras estatisticamente”.
“Estados que reabriram as escolas mais cedo, como Pernambuco, São Paulo, Mato Grosso e Espírito Santo, já haviam voltado ao normal nas práticas de reter alunos. As taxas de aprovação deles vão puxar o Ideb para baixo. Não dá para compará-los com aqueles que tiveram aprovação automática”, diz.
Alunos que ficaram de fora do Saeb podem interferir nos resultados
Outro fator que interfere no Ideb 2021 é a quantidade de alunos que prestaram o Saeb.
O Inep já divulgou que, na média nacional, 71,3% dos alunos-alvo fizeram a prova em 2021 – em 2019, a taxa foi de 80,99%.
Quando a prova foi aplicada, em novembro e dezembro do ano passado, muitas escolas ainda não haviam voltado para o formato 100% presencial. Provavelmente, no caso delas, a adesão ao exame foi menor do que a registrada nos colégios que já estavam funcionando normalmente.
Roraima, por exemplo, não teve nenhum município atendendo aos critérios mínimos (50% de adesão ao Saeb) no ensino médio. Há 2 anos, 93% haviam feito a prova. Mato Grosso (18%), Rio Grande do Norte (23%) e Bahia (28%) também não atingiram o patamar necessário para entrar nos cálculos nacionais.
“É complicado comparar uma rede em que 95% dos alunos fizeram a prova com outra em que 50% prestaram o exame. Aqueles alunos que não compareceram tendem a ser os que estavam em maior vulnerabilidade, afastados da escola. Mesmo que de forma não proposital, isso seleciona os alunos participantes e interfere na nota”, explica Gabriel Corrêa.
Ele afirma que, em contextos pré-pandêmicos, os estados registravam porcentagens parecidas de participação, o que facilitava as comparações. Não é o caso de 2021.