Militares mandam recado anacrônico através do Estadão
21 de agosto de 2023
Hoje vou dar uma pausa de falar sobre os problemas da vida digital e da tecnopolítica para comentar um recadinho dos miliares, um evento pontual mas eloquente sobre a situação da nossa frágil democracia.
Na semana passada, a jornalista Monica Gugliano publicou no jornal O Estado de São Paulo uma coluna intitulada “Militares veem Justiça esticando a corda e gerando instabilidade e insegurança nas Forças Armadas”. Tive que ler duas vezes para certificar-me que não era algo dos idos anos de 2021 ou 2022; não era.
No texto, militares “graduados” diziam que a prisão de membros da cúpula da PM do Distrito Federal, incluindo o comandante Klepter Rosa Gonçalves, estaria “criando instabilidade e insegurança nas Forças Armadas” e que, se a Justiça ultrapassar um certo “limite”, não explicado, “não seria fácil acalmar nem o oficialato e nem tampouco os militares abaixo da linha de comando.”
O contexto disso tudo é que a delação de Walter Delgatti, o hacker do fim do mundo, implicou os militares diretamente com seu depoimento à CPI; primeiro, disse que foi cinco vezes ao Ministério da Defesa, tendo inclusive se reunido com o ex-ministro, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Depois, que tem suas digitais no infame relatório sobre as urnas eletrônicas feito pelas Forças Armadas, que diz que não encontrou nenhuma prova de fraude, mas que isso não importa.
A prisão do comandante da PM-DF parece ter assustado o Alto Comando, que vê a Polícia Federal chegar cada vez mais à porta dos seus altos oficiais que se envolveram em mutretas, como o general Lourena Cid, pai de Mauro Cid, – que “só chora”, segundo a mesma coluna –, e o comandante militar do planalto, que fez de tudo pra proteger os acampados e impedir a desmobilização dos acampamentos, mesmo sabendo que de lá partiram atentados terroristas e a marcha que rumou para invadir os prédios dos três poderes no dia 8 de janeiro.
O recado, anônimo, em off, intempestivo, parece ter sido uma antessala da reunião que Lula manteve com militares no sábado, em um encontro fora da agenda com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica no Palácio da Alvorada. Lula ouviu do ministro da Defesa, José Múcio, e dos comandantes o compromisso de que as três Forças estão identificando nomes que tenham cometido eventuais irregularidades durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Mas, como demonstra a tacanha ameaça enviada através do Estadão, o buraco é mais embaixo. Os militares se acostumaram a fazer ameaças aos poderes civis – como a justiça – durante o período Bolsonaro. Era assim que pressionavam por atenção, verbas, mudança de rumos, reuniões com membros do governo. O uso da expressão “esticando a corda”, criada por Bolsonaro, só demonstra que, na sua cabeça, nada mudou.
|