Rede social, a lógica do pior
Rede social, a lógica do pior
Certas hipóteses sobre fenômenos sociais podem ser tão verdadeiras que se tornam inverossímeis. Por que personagens escrotos, mentirosos, escancaradamente salafrários, enfim, fazem sucesso em redes sociais e conquistam eleitores? Por uma razão bem simples: parte das pessoas gosta do pior, identifica-se com o pior, vinga-se do mundo apoiando o pior, escoa a sua mediocridade transbordante louvando o que constrange o restante da humanidade. É a hipótese das redes sociais. Umberto Eco não errou: a internet deu voz aos imbecis. Não só a eles, mas a eles sobretudo, pois antes da internet eles não tinham meios para difundir a imbecilidade que os caracteriza. Eram obrigados a expelir doses de estupidez sem repercussão.
As redes sociais para engajar exigem uma pegada forte. Cada lance precisa ser dobrado, cada aposta necessita ser mais radical do que a anterior, cada provocação tem de suplantar a precedente. Essa busca desesperada pelo diferencial extremo favorece a estética do grotesco, a dinâmica do absurdo, a lógica do sensacionalismo, a retórica da violência. Talvez por isso o jornalismo tenha tão pouco êxito na internet. Jornalismo se faz com moderação, ponderação, racionalidade, verificação das informações, contemplando sempre o outro lado, o contraditório, a pluralidade, todos os lados, em busca do melhor argumento e da evidência. Nada mais broxante para o ser típico das redes sociais do que essa recusa da militância cega ou da busca do efeito total, a chamada lacração.
Não queremos admitir, certamente por elegância ética, que parte da humanidade goste de chafurdar na lama da mentira, da falsificação e do engodo. Tentamos encontrar explicações supostamente mais complexas. Não podemos aceitar que um senhorzinho pacato se convença mais facilmente do irreal do que de descrições sustentadas. A mentira parece mais verdadeira do que a verdade numa época em que toda verdade foi declarada impossível. O sujeito diz que tudo depende do ponto de vista e depois se espanta que o vizinho acredite que a Terra é plana. A pessoa garante que a imparcialidade é impossível e depois espera imparcialidade dos juízes e da mídia. A única verdade absoluta aceita pelos relativistas é de que tudo é relativo.
As redes sociais radicalizam essa lógica relativista de modo paradoxal: cada um grita a sua verdade e se impõe pelo “convencimento”, cujas consequências dispensam qualquer prova da prova ou exercício de demonstração por evidências. Não há qualquer coisa de novo na estrutura de disseminação das redes sociais. Trata-se exclusivamente de aceleração da mais antiga tendência do ressentido: saudar o pior como sua mais legítima expressão. Pelo pior o ressentimento nivela o mundo. Fim de qualquer hierarquia da inteligência, do talento e da sensibilidade. A hipótese da rede social não diz nada além de o que agride impressiona, o que impressiona deve ser difundido como uma retaliação contra o lugar do agressor na escala social do mundo dos argumentos e da racionalidade.
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