Reencantar quem está no chão da escola

Reencantar quem está no chão da escola

Temos que tentar reencantar quem está no chão da escola’, diz nova presidente do Cpers

Rosane Zan fala dos desafios de conduzir uma das maiores categorias de trabalhadores do RS em meio a tantas mudanças no mercado profissional

Por Luciano Velleda - lucianovelleda@sul21.com.br

 

'Temos que tentar reencantar quem está no chão da escola', diz nova presidente do Cpers

Rosane Zan é a nova presidente do Cpers. Foto: Joana Berwanger/CPERS



Com 71,1% dos votos válidos, Rosane Zan é a nova presidente do Cpers, eleita nessa quinta-feira (7). Em segundo lugar ficou Regis Ethur, que somou 27,5% dos votos válidos. Rosane comandará um dos maiores sindicatos do Rio Grande do Sul na gestão 2024/2027, sucedendo Helenir Aguiar Schürer, que preside o Cpers desde 2014.

Rosane ingressou no magistério estadual em 1997 e, desde então, começou a construir sua jornada no movimento sindical. Diretora-geral em duas ocasiões em São Luiz Gonzaga, na região das Missões, ela chega agora na presidência do Cpers com muitos e grandes desafios pela frente.

Nessa entrevista exclusiva ao Sul21, a presidente recém eleita em diversos momento destaca a importância de construir a unidade da categoria dos professores estaduais. O cenário não é fácil, considerando que, como ela mesma destaca, atualmente 59% dos professores em atuação na rede estadual de ensino trabalham com contratos emergências.

Fazer o Cpers se aproximar desses professores e, mais do que isso, conquistar corações e mentes para atraí-los à luta sindical, é um dos objetivos mais importantes que Rosane vislumbra para sua gestão. “Ele tem que enxergar que existe a política e que somos seres políticos. Essa construção nós vamos ter que voltar a fazer em formação política sindical. Não fazer formação política sindical para nós mesmos, que já temos uma construção, mas ir atrás dos jovens, parece que eles também não entendem a importância do sindicato”, analisa a nova presidente.

Ciente de que o trabalhador brasileiro mudou e que a escola também não é mais a mesma de décadas atrás, Rosane vislumbra que um novo caminho precisa ser trilhado e que ele passa, necessariamente, por “voltar ao chão da escola” para alcançar a almejada unidade da categoria.

“Precisamos construir uma nova narrativa e fazer o enfrentamento para trazer novos trabalhadores e trabalhadoras para o movimento. Nós mesmos temos que voltar mais para o chão da escola”, afirma.

Leia a entrevista na íntegra:

Sul21: Como você avalia o processo eleitoral e a responsabilidade de, a partir de agora, ser a nova presidente do Cpers?

Rosane: Eu não entrei ontem no movimento sindical. Fui diretora-geral por duas gestões, em São Luiz Gonzaga, e desde que entrei em 1997 na rede estadual, uma das coisas que sempre buscamos e principalmente eu, enquanto classista, foi levar em conta a nossa unidade. No último período, viemos resistindo bravamente para não perder direitos. A própria conjuntura nacional, estadual e mundial vem trazendo esse recuo por parte da classe trabalhadora em relação as suas pautas, a diminuição cada vez maior da mobilização, não por culpa da direção estadual ou das direções dos núcleos, mas porque é um processo que vem acontecendo.

Acho que os ataques que nós sofremos, no último período, na educação, principalmente quando nos tiraram a nossa dignidade. Nosso poder de compra mexe com a economia local em qualquer dos 497 municípios do estado, temos um papel importante na sociedade como educadores e educadoras, mas no último período a gente vem cada vez mais perdendo nossa identidade e principalmente nossa dignidade. Sempre me reconheci como uma trabalhadora em educação e é esse passo que precisamos construir, a consciência de classe na nossa categoria, a unidade de juntarmos as diferentes forças. As forças diferentes entenderam que o momento é de unidade, porque cada vez que nós nos esfacelarmos para pensar que temos formas diferente de condução de luta, quem ganha com isso são os governos.

O governo Leite, de forma muito ardilosa, mexeu no nosso plano de carreira histórico. Não perdemos o nosso plano, mas houve um achatamento do nosso plano de carreira. Temos que pensar em governos que entendam e que a gente possa avançar nas nossas faltas, ao contrário da nossa resistência. O processo agora é construir a consciência de classe da nossa categoria e, principalmente, podermos fazer uma luta mais de igual para igual e avançar nas nossas pautas.

Sul21: Sua eleição com uma votação grande é um indicativo dessa unidade?

Rosane: Acredito que essa unidade que aconteceu e a votação expressiva que tivemos, com 71,1%, mostrou que a categoria quer essa unidade. Em todos os lugares em que passei nas últimas semanas, foi muito bom. Não teve escola que nós não fomos bem recebidos e, principalmente, o que temos hoje na escola, com muitos contratos emergenciais, 59% da nossa categoria são contratos. Vamos procurar criar uma política para os contratos emergenciais. Em todos os espaços, disse que não vamos vender a ilusão de efetivação dos contratos, mas sim a nossa luta diária por concurso público, que é o caminho que está na Constituição.

Para entrar no serviço público precisa fazer concurso, mas também precisamos pensar em políticas para os contratos. A questão do confisco previdenciários também diminuiu o poder de compra, tirou a dignidade de muitos aposentados que trabalharam uma vida para a educação, além da questão da valorização, a nossa luta diária pelo piso salarial profissional para que realmente os governos cumpram a lei, e também nossa luta pelo piso nacional para os funcionários de escolas, que também foram enquadrados no novo projeto do Governo do Estado, é uma categoria que vai precisar de muita unidade. Essa é uma das minhas incumbências, um dos desafios, manter essa categoria unida.

Sul21: As mudanças da classe trabalhadora, do mercado de trabalho e do modo dos sindicatos se relacionarem com seu público tem sido um tema muito debatido. Como você analisa as atuais relações entre os dirigentes sindicais e os professores que estão em sala de aula e como alcançar a unidades com eles?

Rosane: As escolas também mudaram, né? Hoje, 59% da nossa categorias são contratos. Existe muita pressão, há um acúmulo de trabalho nas escolas. A escola mudou e vai ter que ser construída uma nova narrativa. O Lula foi um grande sindicalista e a gente vê que no próprio ABC (Santo André, São Bernardo e São Caetano, cidades da região metropolitana de São Paulo e berço do sindicalismo no Brasil) há um recuo. Hoje, a maior classe que ainda continua em termos de mobilização é a educação.

Temos sindicatos grandiosos na América Latina e tanto a APEOESP (Sindicato dos Professores de SP) quanto o Cpers são dois dos maiores sindicatos da América Latina e sempre tivemos o perfil de grandes mobilizações, grandes enfrentamentos a governos, e acho que vamos ter que pensar novas narrativas e mobilização. E tem um ponto que parece que se perdeu no meio do caminho que é o descrédito do trabalhador em se reconhecer como trabalhador. Ele achar que ganha pelo trabalho dele… ele tem que entender que, por trás de tudo, tem um contexto, uma política e tem uma conjuntura.

Sul21: Como conseguir isso?

Rosane: Ele tem que enxergar que existe a política e que somos seres políticos. Essa construção nós vamos ter que voltar a fazer em formação política sindical. Não fazer formação política sindical para nós mesmos, que já temos uma construção, mas ir atrás dos jovens, parece que eles também não entendem a importância do sindicato. A gente precisa construir isso. Não tem uma varinha de condão, como uma grande bruxa para mudar o fato, mas acho sim que precisamos de muita formação política sindical. Precisamos construir uma nova narrativa e fazer o enfrentamento para trazer novos trabalhadores e trabalhadores para o movimento. Nós mesmos temos que voltar mais para o chão da escola.

Nós temos 42 núcleos que fazem mobilização em suas bases, não é só aqui em Porto Alegre, e vemos nos 42 núcleos a dificuldade de mobilização. A nossa categoria envelheceu muito. A maioria dos nossos sócios são aposentados e quem faz a pressão, é quem está no chão da escola. Temos que tentar reencantar quem está no chão da escola.

 

FONTE:

https://sul21.com.br/noticias/educacao/2024/11/temos-que-tentar-reencantar-quem-esta-no-chao-da-escola-diz-nova-presidente-do-cpers/ 




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