Reforma administrativa poupa militares
Reforma administrativa, que poupa militares, juízes e promotores, fragiliza o Estado para permitir “negócios” e amplia chance de apadrinhamento; entenda
Um arsenal de mentiras é jogado sobre a população quando o assunto são os serviços e os servidores e servidoras públicos.
Instituições renomadas, outras nem tanto, e a própria imprensa embaralham as informações para esconder a verdade.
At ática da confusão serve para iludir até mesmo os trabalhadores e as trabalhadoras do serviço público.
A “propaganda oficial” diz que a reforma administrativa de Bolsonaro e Paulo Guedes vai melhorar os serviços públicos, combater privilégios e ampliar o atendimento à população. E que ela só atingirá os novos servidores e servidoras: tudo mentira.
Essa reforma atinge atuais e futuros, ativos e aposentados das três esferas e dos três poderes.
Ficam de fora só os juízes, promotores e militares. Antes de tudo, ela é um duro golpe naqueles que buscam seus direitos mais básicos, como a saúde, a educação e a justiça. Esta cartilha, de livre uso parcial ou total, serve para restabelecer a verdade e preparar melhor a luta pela derrota desse projeto.
O governo justifica que a reforma administrativa é necessária para o Brasil voltar a crescer e que a reforma vai corrigir injustiças. Isso é verdade?
Não. O que o governo propõe, na PEC 32/2020, é a destruição do serviço público, tirando do Estado atribuições fundamentais no atendimento à população e abrindo espaço a privatizações de áreas essenciais, entrega da saúde e da educação para Organizações Sociais, fim dos concursos públicos para grande parte dos cargos, apadrinhamento no preenchimento das vagas e quebra da estabilidade, facilitando a perseguição política e a pressão das chefias para cumprimento de ordens indevidas ou ilegais.
A reforma é mais uma disputa pelo orçamento público, a exemplo da Emenda Constitucional (EC) 95/2016, que congelou o orçamento para os serviços públicos por 20 anos.
Entre atender à população – com um projeto de ampliação e melhoria da educação, pesquisa e saúde – e destinar uma parcela maior do dinheiro público para empresários e bancos, o governo escolheu a segunda opção. C
om o golpe de 2016, o governo de Michel Temer (MDB) e depois Jair Bolsonaro (sem partido) aprovaram medidas que, segundo eles, fariam o Brasil voltar a crescer: teto de gastos (EC 95/2016); terceirização geral; reforma trabalhista; reforma da Previdência.
Nenhuma delas resolveu; pelo contrário, aumentaram os ganhos dos mais ricos e empobreceram a grande maioria da população.
É certo que várias distorções foram criadas para acomodar os interesses das cúpulas dos poderes; não são poucos os casos de remunerações que ultrapassam em muito o teto do funcionalismo, mas essa reforma não mexe em nada disso.
Ao contrário, tende a aumentar ainda mais a diferença entre os menores e os maiores salários.
Com a PEC 32/2020, serviços públicos como saúde e educação seguem sendo obrigação do Estado e direito da população? A reforma se aplica apenas aos servidores federais?
Não. A PEC 32/2020, de Bolsonaro e Paulo Guedes, introduz, entre os princípios da administração direta e indireta descritos no art. 37 da Constituição Federal, o da subsidiariedade.
Ou seja, o Estado passa a ser complementar ao que o setor privado não pode ou não quer atender.
Mesmo que seja apenas um princípio constitucional, nos planos do governo para a reforma já constam mais duas etapas para sua implementação, em que essa mudança pode ser realmente aplicada.
Portanto, esse princípio antecipa o objetivo de substituição de escolas, universidades, hospitais e postos de saúde públicos pela entrega de vouchers ou mesmo a entrega da administração, de contratações e compras para organizações sociais lucrarem em cima do que deveria ser direito do povo.
A população precisa de mais e melhores serviços públicos, e não menos.
Não. A reforma se aplica a todo o serviço público do país: à “administração pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (art. 37 da PEC 32/2020). Todos os servidores e servidoras serão atingidos.
De acordo com o IBGE, o Brasil possui cerca de 10,7 milhões de servidores públicos civis ativos e sua maior parte é constituída de servidores municipais, quase 6 milhões (62,4%), seguida de 3 milhões de servidores estaduais (30,8%)
O governo e a imprensa falam que somente os novos servidores e servidoras serão atingidos, ficando fora os atuais da ativa, além de aposentados, aposentadas e pensionistas. Isso é verdade?
Não. A reforma atinge todos, novos e futuros. Ativos e aposentados e aposentadas. Mesmo que, num primeiro momento, somente os novos não teriam direito à estabilidade, os atuais seriam submetidos a avaliações de desempenho.
Na medida em que os novos estariam submetidos a todo tipo de pressão, pois não teriam estabilidade, os atuais poderiam ter sua avaliação de desempenho negativada por participação em greves ou perseguições políticas.
A atual legislação já prevê a demissão dos servidores estáveis, mas o que o governo busca, na verdade, é um instrumento de pressão e ameaça permanente.
Aposentados e pensionistas também seriam atingidos pelo fim da paridade e da integralidade (os que têm direito), pois a paridade seria vinculada a carreiras em extinção.
Da mesma forma, a remuneração ligada à premiação por produtividade, por definição, tira a possibilidade dos aposentados de receberem e aumentará a diferença salarial entre ativos e aposentados e aposentadas.
Os atuais servidores e servidoras ainda serão atingidos em vários aspectos, uma vez que a reforma:
i) Facilita a quebra da estabilidade no emprego;
ii) Proíbe a progressão e a promoção com base apenas em tempo de serviço e torna obrigatória a vinculação com a avaliação de desempenho;
iii) Proíbe licença-assiduidade ou por tempo de serviço;
iv) Elimina as cotas de cargos em comissão e funções comissionadas que deveriam ser ocupados apenas por servidor e servidora de carreira;
v) Permite que, por motivação político-partidária, comissionadas e comissionados sejam destituídos, mesmo que tenham ingressado via concurso;
vi) Amplia a atuação dos cargos de livre provimento em funções estratégicas, técnicas e gerenciais;
vii) Acaba com o Regime Jurídico Único;
viii) Dá ao presidente da República plenos poderes para extinguir, por decreto, cargos, planos de carreiras, colocar servidor em disponibilidade e extinguir órgãos, inclusive autarquias;
ix) Coloca como referência o salário dos novos servidores e servidoras. Como o salário de ingresso será reduzido, legitima o congelamento salarial em longo prazo, sob alegação de disparidade salarial;
x) Veda a redução de jornada sem a correspondente redução de remuneração, exceto se decorrente de limitação de saúde.
Se a PEC for aprovada, quais carreiras teriam direito à estabilidade?
O que a PEC faz é instituir cinco modalidades de contratação. Somente uma teria direito a estabilidade, todas as demais – a esmagadora maioria – perdem esse direito.
O texto da reforma recria o entendimento de “cargo típico de Estado”, para diferenciar servidores e servidoras que continuariam a ter estabilidade.
Os critérios para determinar o que são ”cargos típicos de Estado” seriam estabelecidos por lei complementar.
Tal medida pode significar o desmonte da estrutura de serviços públicos essenciais, como saúde e educação, que não estarão protegidos.
Modalidades de contratação:
Cargo típico de Estado:
i) terá direito à estabilidade somente após 3 anos;
ii) lei complementar disciplinará quais as atividades e as categorias serão contempladas;
iii) não poderá ser dispensado após alcançar a estabilidade, salvo em caso de sentença judicial, infração disciplinar ou por insuficiência de desempenho;
iv) será admitido via concurso público; e
v) será vinculado ao RPPS.
Vínculo por prazo determinado:
i) não terá estabilidade, podendo ser dispensado conforme necessidade da administração pública;
ii) será admitido via concurso público;
iii) deverá ocupar cargos administrativos; e
iv) será vinculado ao RPPS, mas lei complementar dos Estados, DF e municípios pode vinculá-los ao RGPS (INSS)
Vínculo de experiência:
i) período dentro do processo seletivo do concurso público;
ii) para cargo típico de Estado, a duração será de dois anos;
iii) para cargo de prazo indeterminado, será de um ano;
iv) por fazer parte do concurso público, os mais bem avaliados nos critérios estabelecidos serão efetivados no serviço público; e
v) não goza dos direitos e das garantias dos servidores.
Vínculo por prazo determinado:
i) não terá estabilidade, podendo ser dispensado conforme necessidade da administração pública;
ii) será admitido mediante processo seletivo simplificado;
iii) deverá ocupar cargos para atividades específicas e em casos de urgência; e
iv) será vinculado ao RGPS (INSS).
Cargo de liderança e assessoramento:
i) não terá estabilidade, podendo ser dispensado conforme necessidade da administração pública;
ii) será admitido via seleção simplificada;
iii) deverá ocupar cargos de natureza política e de comissão; e
iv) será vinculado ao RGPS (INSS).
Magistratura, promotores e procuradores serão atingidos? A reforma atinge da mesma forma servidoras e servidores civis e militares?
Não. A reforma não atinge magistratura, procuradores e promotores, cujas “vantagens” são mais recorrentes, maiores e servem para assegurar pagamentos acima do teto do funcionalismo.
Guedes já anunciou seus planos para a cúpula dos poderes.
Sob o argumento de que “temos que ser mais meritocráticos”, o ministro da Economia afirmou, referindo-se a casos como o da Presidência da República e do Supremo Tribunal Federal (STF), que “é evidente que eles têm que receber muito mais do que recebem hoje”.
Atualmente, os ministros do STF recebem o teto de R$ 39,2 mil por mês, mais penduricalhos.
Em sua fala, Guedes disse que é preciso existir uma “enorme” diferença entre os salários dos ministros e dos demais servidores.
Ele citou como exemplo um dos ministros do Tribunal de Contas da União (TCU): “O Bruno Dantas, em qualquer banco, vai ganhar 4 milhões de dólares por ano. É difícil convencer o Bruno a ficar no TCU porque ele vai receber várias propostas do setor privado”, declarou.
Não. Enquanto determina várias vedações e perdas de direitos para o pessoal civil, a reforma amplia, por exemplo, a possibilidade de acumulação de cargos civis por militares (aí incluídos policiais militares e bombeiros militares), notadamente no magistério.
Os militares já foram poupados na reforma da Previdência e não param de acumular vantagens no governo Bolsonaro.
O que mais a reforma proibiria? A imprensa repete todo dia que”o Estado está inchado”. É verdade que há muitos servidores públicos no Brasil?
Pela PEC 32/2020, ficam vedados:
i) aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos;
ii) adicionais referentes a tempo de serviço ou indenização por substituição,
iii) progressão ou promoção baseada, exclusivamente, em tempo de serviço;
iv) parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e valores em lei;
v) incorporação da remuneração de cargo em comissão, função de confiança ou cargo de liderança e assessoramento ao cargo efetivo ou emprego permanente;
vi) recebimento de retribuição de posto comissionado, gratificações de exercício, bônus, honorários, parcelas indenizatórias, entre outras, para quem se licenciar para estudar, acompanhar parente doente ou exercer mandato sindical e político.
Não. O funcionalismo (federal, estadual e municipal) no Brasil corresponde a 12,5% da população empregada. Esse número fica abaixo da média de países tidos como liberais, como Estados Unidos (15,89%), e da América Latina e Caribe, cuja média é de 17,88%. Saúde e educação concentram o maior número de servidores e servidoras. Cerca de 35% do funcionalismo no país está empregado nessas duas áreas.
A ameaça de redução de salários continua? Quais os riscos de tirar da Constituição artigos relativos aos serviços públicos e ao funcionalismo?
Ao vedar a redução de jornada sem a correspondente redução de remuneração “exceto se decorrente de limitação de saúde”, a PEC 32/2020 sugere que poderá haver redução de jornada com redução de remuneração, de forma compulsória.
O texto também afirma que “É vedada a redução da jornada e da remuneração para os cargos típicos de Estado”. No entanto, deixa sem essa garantia todos os demais; lembrando que as PECs 186 e 188, em tramitação no Congresso Nacional, admitem a redução salarial a pretexto de “redução de despesas”.
Ainda, é bom lembrar que o salário de ingresso será reduzido.
Portanto, ao colocar como referência o salário dos novos servidores e servidoras, a reforma legitima o congelamento salarial em longo prazo, sob alegação de disparidade salarial.
Para mudar a Constituição, são necessárias votações em dois turnos no Senado e na Câmara, com garantia de três quintos dos votos em cada uma dessas casas legislativas.
Se as obrigações do Estado em garantir a prestação de serviços e o atendimento de necessidades da população em áreas fundamentais
como saúde, educação e saneamento não estiverem na Carta Magna, fica muito mais fácil para os governos de plantão simplesmente não destinarem verbas.
Diminuir a presença do Estado no fornecimento de bens e na prestação de serviços e programas sociais e reduzir o número de servidores, atribuindo à iniciativa privada que atenda a essas necessidades, desregula a prestação dos serviços, diminui a possibilidade de fiscalização e, futuramente, pode fazer com que um direito fundamental não seja mais reconhecido enquanto tal.
A reforma diminui os cargos em comissão e a possibilidade de indicações políticas para exercício de funções nos serviços públicos?
Pelo contrário. As funções de confiança, os cargos em comissão e as gratificações de caráter não permanente, que atualmente podem ser exercidos, em quase sua totalidade, por servidoras e servidores efetivos, serão gradualmente substituídos pelos “cargos de liderança e assessoramento”.
Esses cargos, cujos critérios de acesso serão determinados pelo chefe de cada Poder (ou seja, abre-se totalmente espaço para concepções pessoais, políticas, religiosas, etc., em vez de critérios técnicos), poderão ser destinados a “atribuições estratégicas” ou “técnicas”; significa que essas funções deixam de ser exercidas, exclusivamente, pelo pessoal concursado.
Cartilha reforma de Luiz Carlos Azenha