Reforma Agrária é pela vida
Nosso projeto da Reforma Agrária é pela vida
"A partir da conquista dos primeiros assentamentos, fomos avançando na organização das comunidades,
com base naquilo que era a demanda da vida das famílias." - Fotografia: Maicon Verick
Lutar pela vida é também defender a natureza, os animais, de todo o ambiente do qual somos parte
Abril marca a Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária e Internacional de Luta pela Terra, e traz sempre a lembrança do dia 17 de abril de 1996. Esta data ficou marcada para o nosso Movimento, e também para o nosso país, pelo massacre ocorrido em Eldorado do Carajás, no Pará.
Recuperando um pouco os fatos, naquele dia as famílias Sem Terra marchavam para Belém, capital do estado, com o objetivo de cobrar a efetivação da Reforma Agrária, com a desapropriação de áreas para o assentamento das famílias naquele estado, como prevê a Constituição. A marcha legítima, que também é um direito da classe trabalhadora, como forma de expressão e de pauta, foi interrompida pela Polícia Militar de forma violenta e mortal. Dezenove pessoas foram assassinadas na hora e mais duas vieram a falecer nos dias seguintes, em decorrência dos ferimentos.
A partir de toda a comoção nacional e internacional, e também da mobilização da sociedade, o então presidente Fernando Henrique Cardoso instituiu o dia 17 de abril como Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. A Via Campesina Internacional instituiu a mesma data como Dia Internacional da Luta Camponesa.
E o nosso movimento tem o compromisso de fazer luta todo 17 de abril, mas, para além da data, transformar todo mês de abril, a cada ano, em um momento especial de lutas. Mês onde acontecem várias formas de mobilização, de luta, de pauta, de diálogo com a sociedade, para evidenciar a necessidade da Reforma Agrária no nosso país. A necessidade de lutar pela efetivação da Reforma Agrária, pelo acesso à terra, precisa ser pautada e construída o ano todo.
Nosso movimento foi fundado em 1984, em janeiro de 2024 completou 40 anos, sendo herdeiro dos tantos movimentos camponeses que vieram antes, que carregaram, historicamente, essa pauta da luta pela terra e pela Reforma Agrária. Podemos citar alguns no nosso estado como a Guerra do Contestado, a Revolta de Porecatu, a Revolta dos Colonos, além da resistência do povo indígena e quilombola. Foram vários os movimentos que lutaram anteriormente pela efetivação da reforma agrária, e o nosso movimento segue nessa luta todos os dias.
Durante os 40 anos do nosso movimento se construíram várias formas de luta e várias experiências. A partir da conquista dos primeiros assentamentos, fomos avançando na organização das comunidades, com base naquilo que era a demanda da vida das famílias, da vida concreta das famílias. Avançamos sempre olhando para duas dimensões, a primeira com relação ao acesso em si, e a segunda levando em conta a forma desse acesso. Nesse entendimento, avançamos na prática e nos debates, nas dimensões da saúde, para que seja também garantido fomento e espaço para a saúde popular; na educação, com viés da educação no campo para nossas crianças e adolescentes do campo.
Avançamos também na produção, com prioridade na produção de alimentos e de forma cooperada, desenvolvendo a agroindustrialização. Nossa linha política é para a produção de alimentos para combater a fome, em harmonia com a natureza. Atualmente, no Paraná, existem 329 assentamentos, onde vivem 21 mil famílias assentadas, e mais 7 mil famílias que ainda estão buscando a concretização dos assentamentos, em 81 áreas. Todos estes territórios estão consolidados, as 25 cooperativas, nas diferentes regiões do estado, e mais de 100 associações. Nesses espaços, também temos aproximadamente 62 agroindústrias, para edificar mais de 100 produtos diferentes.
No campo da educação, nós temos 9 escolas itinerantes, que são as escolas dos acampamentos, que garantem o acesso às nossas crianças e adolescentes que ainda moram nos acampamentos. E temos também mais e tem escolas municipais e 25 colégios estaduais.
Todas essas experiências são muito ricas, muito bonitas, e somam na nossa luta. Além delas, temos fortalecido ações no campo da cultura, da saúde, da comunicação, e em todas as dimensões da vida camponesa.
A Reforma Agrária beneficia diretamente as famílias assentadas e acampadas, possibilitando a elas o acesso à terra, e assim a melhoria das condições de vida, de alimentação, de geração de renda. Mas os benefícios são para toda a sociedade. Nos municípios onde são consolidados as comunidades, movimenta a economia local, na compra, na venda, e dinamiza toda a economia, principalmente dos municípios de pequeno e médio portes. Nossos territórios também fortalecem o vínculo com comunidades próximas, e relações de parceria e solidariedade ganham força.
Nossa produção de alimentos também chega aos trabalhadores urbanos, e tem ganhado maior escala a cada ano, especialmente agora com a retomada de políticas públicas neste terceiro governo Lula. Combater a fome é nosso compromisso, e este é o grande potencial da Reforma Agrária.
Somado à garantia de vida digna para o povo camponês e produção de comida boa para o povo urbano, a preservação do ambiente é um grande pilar da construção das nossas comunidades. Dados do Instituto Água e Terra – IAT sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR) mostram que as áreas de Reforma Agrária tem a média de cobertura vegetal nativa do total de 29,51%. Pouco mais da metade das áreas possuem superfícies cobertas por vegetação nativa que variam de 20 a 40%. O percentual mínimo de reserva legal é de 20% para todos os imóveis rurais. Estes dados comprovam que a Reforma Agrária é grande aliada no cuidado com o planeta, na contramão do que faz a maior parte do agronegócio.
Neste período em que lembramos a brutalidade cometida pela Polícia Militar e pelo estado em 1996, reafirmamos que a centralidade da nossa luta, neste abril e durante todo o ano, é a vida das mulheres, homens, crianças, LGBTs, idosos e de todos os sujeitos que fazem parte das nossas comunidades e do povo urbano. Lutar pela vida é também defender a natureza, os animais, de todo o ambiente do qual somos parte.
*Bruna Zimpel é acampada na comunidade Terra Livre, em Clevelândia, e integrante da Direção Nacional do MST.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Lucas Botelho
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