Confinamento e o Mercado
(O que eu publico agora, é destinado ao Clube Atlântico de Rio Grande, ao MBL, ao DEM, aos aloprados de Bolsonaro, e a todos aqueles que insistem em defender o deus Mercado e ao "Movimento cívico de 64". Se você é meu amigo, ou acompanha o que tenho publicado, peço que tenho paciência, mas é para eles mesmos que escrevo neste 1º de abril).
A OMC (Organização Mundial do Comércio) divulgou uma nota nesta terça dia 30, alarmante por sinal, onde afirma que 85 milhões dos empregos do Mundo já sumiram desde que a Pandemia de COVID 19 começou. O FMI (Fundo Monetário Internacional) também divulgou estudo, e disse que nos últimos 2 meses, cerca de 4 trilhões de dólares foram retirados da economia global.
É nisto que o Governo Bolsonaro e o empresariado brasileiro, em sua maioria, se apoiam para exigir o fim do regime de confinamento social: o agravamento da Crise econômica global. Nisto, Paulo Guedes afirma que o governo precisa contingenciar gastos para extrair 18 bilhões de reais e bancar o Auxílio Social que irá ser oferecido aos pobres do país, sem renda fixa, e que precisarão se manter. Segundo Jair Bolsonaro, o governo ofertou inicialmente 200 reais por família justamente por este rombo no orçamento.
Mas vejamos: segundo informação da EBC "De acordo com o PAF (Plano Anual de Financiamento), que apresenta metas para a dívida pública para este ano, o governo criou um espaço para aumentar a fatia de títulos corrigidos por taxas flutuantes como a Selic (juros básicos da economia) e de papéis corrigidos pelo câmbio, caso a instabilidade no mercado financeiro se intensifique". Isto quer dizer que o Governo Bolsonaro não construiu metas para suportar 18 bilhões a mais no orçamento, mas já em janeiro, criou elasticidade na previsão orçamentária para realizar os pagamentos da Dívida Pública. Segundo previsão do Tesouro Nacional, estas parcelas da Dívida, corrigidas pela SELIC, levarão de 26 a 31% do PIB nacional, que deverá estar em 7 trilhões de reais, em 2020.
Traduzindo: 2 trilhões do PIB sairão do país através do trafico legalizado de juros da Dívida pública. É uma evasão maior do que aquela que as multinacionais realizam legalmente, através da remessa sem limite de lucros. Os poucos títulos que ficarão aqui, estarão na mão dos agiotas e rentistas do Mercado financeiro, parasitas do Estado, que juntos são apenas 144 mil ricos no país. Num universo de 210 milhões de habitantes, existem apenas 144 mil ricos, frente a impressionantes 23 milhões de mendigos, 13 milhões de desempregados e quase 14 milhões de miseráveis - aqueles que vivem na "Extrema pobreza" ou em condições Sub humanas.
O país tem instrumentos de transferência de renda, muitos deles, assegurados pela constituição Cidadã e Liberal de 1988, e programas de subsídio à alimentação. Mesmo assim, Bolsonaro, "O patriota", que é o leão da pradaria com feministas e professores de História, mas que na frente dos ricos e da Classe média alta vira gatinho manhoso, sequer menciona tarifar as grandes heranças e cobrar impostos progressivos dos grandes proprietários. São estes parasitas, que deveriam agora custear a crise e o desemprego. O governo, tão solidário com eles, não deveria ficar sozinho. Amigos são amigos. Sempre. Bolsonaro deveria fazer como fez o coitado Luis XVI: desesperado e que tanto deu aos ricos, por último, apelou para deles receber.
(Um lembrete: Luis XVI era um rei. E mesmo assim, caiu. Não era apenas um bobo da corte na mão do Mercado financeiro, e que acompanhado por um espantalho verde oliva, se achava imperador).
Levando em conta que o PIB está em torno de 7 trilhões, que a dívida bruta (todos os pagamentos e despesas do governo) se fixe em 80% do PIB, e que a Dívida pública, com títulos sob a SELIC e demais cheguem a 47%, a pergunta é: Quais e o que são despesas e quais e o que são investimentos? O país, somados Saúde, Educação e Saneamento, não "gastou" 10% do PIB entre 2018 e 2019. Estes são investimentos. Pagamento de insumos e mão de obra da Educação em âmbito federal, além do funcionalismo público federal são investimentos e necessidades estruturais. Portanto, investimentos. Mas, títulos da Dívida, pagos a credores internacionais, e que somam quase 47% do PIB, não são investimentos. São gastos. Ainda mais quando se calcula que a imensa maioria das parcelas, são de juros da dívida e não dos títulos em si.
E por que é oportuno falar disto logo hoje? Há exatos 56 anos, o presidente João Goulart era deposto pelas forças de Direita, orientadas pelo presidente norte-americano Lyndon Johnson. Goulart, havia previsto nas Reformas de Base, uma reforma tributária que previa que as multinacionais e os bancos internacionais deixassem 20% do seu lucro obtido aqui, dentro do Brasil. As forças que tramaram o Golpe dentro do país, foram sugestivamente chamadas por Johnson, de "Amigos brasileiros".
Segundo Vernon Walters, adido militar americano no Brasil entre 62 e 67, estas forças (militares, empresários, latifundiários, religiosos) entenderam desde cedo que os interesses americanos estavam ameaçados na região, e que Goulart precisava ser derrubado. Para tal, Walters garantiu que foi entre os militares que receberam maior apoio. No dia 1º de abril de 1964, dava-se a vacância do cargo e a junta militar assumia. Exatos 14 dias depois, Castello Branco, que viajara todo o país tramando o Golpe (segundo Magalhães Pinto), recebia o prêmio merecido: assumia a presidência com reconhecimento dos Estados Unidos.
Este mesmo Golpe, que fez a festa do empresariado norte-americano, e portanto fez o país perder trilhões em divisas, que financiariam as áreas essenciais para melhorar e fundamentar a superestrutura nacional, foi ontem festejado oficialmente pelo vice-presidente Hamilton Mourão. O mesmo Mourão, que afirmou estar de acordo com a Renda mínima de 200 reais para cada brasileiro proposta por Bolsonaro e Guedes inicialmente. O mesmo Mourão que defendeu a Reforma da Previdência para por as contas em dia, mas não abriu mão de seu salário de General da Reserva, que orbita em torno de 26 mil mensais (um coronel da reserva, recebe hoje, em torno de 20 mil). Como se percebe, os líderes do movimento de aloprados que segue Bolsonaro não são nada burros quando se trata dos seus próprios interesses.
O presidente, cada vez mais isolado, ontem apelou mais uma vez, que a massa volte ao trabalho - trabalho precarizado, sem direitos trabalhistas e com parcas garantias previdenciárias. Citou os caminhoneiros, numa tentativa clara de tumultuar a complexa relação entre abastecimento e consumo, em tempos de pouca circulação de pessoas. Reafirmou a sua preocupação com a economia e com a manutenção das contas públicas. Resta saber quais das contas um despreparado como ele conseguirá fazer: a dos 18 bilhões que o governo vai ter de colocar na economia, ou a dos milhares de mortos que a epidemia fará no Brasil. Afinal, a dos trilhões que os especuladores e rentistas vão sugar do Estado, ele parece não querer saber.
Fabiano da Costa -Professor da Rede Pública do Rio Grande (Rio Grande do Sul)