Regimes autoritários em O Grande Ditador

Regimes autoritários em O Grande Ditador

 

No dia 15/10 a mordaz sátira completará 83 anos desde seu lançamento em Nova York; apesar da idade, o filme possui uma temática atual e valiosa — infelizmente não compreendida por muitos.

Reflexões sobre fanatismo, intolerância, e regimes autoritários em 'O Grande Ditador'

POR  11/10/2023

 

Cena do filme "O Grande Ditador". /Foto: Wikimedia Commons

 

 

Em meio à turbulência do mundo em 1940, um dos maiores gênios do cinema, Charles Chaplin (Tempos Modernos, Luzes da Ribalta), presenteou o público com uma obra-prima que transcende gerações: O Grande Ditador, seu primeiro filme com voz - ele era famoso por seus filmes mudos - que em 1941 foi indicado à 5 Oscars, mas não recebeu nenhum. 

O longa dirigido, escrito, produzido e estrelado por Chaplin é um desses filmes extraordinários, que brilha como uma crítica incisiva à idolatria, ao comportamento de manada, e à necessidade urgente de abraçar a nossa humanidade - principalmente nessa época de guerras e fanatismo ideológico.

Chaplin ergueu sua voz, não apenas como artista, mas como um visionário que compreendia as raízes do totalitarismo e da tirania que assolavam o mundo. E na época na qual vivemos, com o crescimento e popularização de extremistas, fundamentalistas e neonazistas, é delicioso vê-los serem tratados da forma apropriada: como palhaços - são perigosos, mas não deixam de ser palhaços ignorantes e preconceituosos. 

Para quem acaso ainda não assistiu O Grande Ditador (disponível no Telecine Premium, e no YouTube), o filme apresenta duas figuras opostas: o barbeiro judeu - que retorna após anos internado em um hospital, onde estava se curando de ferimentos de guerra; e Adenoid Hynkel, um ditador que personifica as ameaças autoritárias que pairavam sobre o cenário global - claramente uma sátira à Hitler. A semelhança física entre o barbeiro e Hynkel desencadeia uma série de eventos cômicos e dramáticos, revelando o absurdo do autoritarismo e da opressão.

A mensagem central do filme é universal e transcende fronteiras culturais e temporais. Ela ressalta a importância da compaixão, da justiça e da resistência ao autoritarismo, temas que continuam a ressoar em todo o mundo.

As lições perenes 

Em 2023, o legado de O Grande Ditador permanece mais relevante do que nunca. O filme oferece lições profundas e urgentes que ainda não internalizamos completamente. Ele nos alerta sobre a terrível capacidade destrutiva do autoritarismo e da idolatria, independentemente de sua roupagem política ou ideológica. A humanidade continua a testemunhar regimes opressivos e atos de discriminação, mostrando que ainda não absorvemos o impacto devastador dessas forças.

O filme nos adverte sobre a fragilidade da democracia e da liberdade. A história recente é testemunha de ameaças crescentes a esses valores em todo o mundo, a complacência e a falta de vigilância podem permitir que o totalitarismo e a intolerância floresçam.

Além disso, Chaplin também nos alerta sobre a urgência de defender e proteger os direitos humanos e a liberdade de expressão. Em um momento em que testemunhamos o recrudescimento de regimes que silenciam a dissidência e restringem as vozes críticas, O Grande Ditador nos recorda da importância de resistir à supressão da verdade e à opressão de ideias.

Os perigos da idolatria 

Falando nos perigos de regimes autoritários e idolatria, não podemos deixar de lembrar das eras Trump e Bolsonaro. 

O filme do Chaplin oferece uma crítica perspicaz ao comportamento de manada, algo que tem sido evidente nos seguidores fervorosos dos ex-presidentes dos EUA e Brasil - uma devoção cega, sem questionar as ações de seus governantes. Chaplin nos advertiu sobre o perigo de sucumbir à conformidade, a aceitar a retórica sem crítica, e a idolatrar líderes políticos - uma pena que não o ouvimos. 

Esta lição é um lembrete doloroso de quão importante é a vigilância contra a manipulação e a propaganda enganosa - principalmente em época de proliferação de fake news.

A escalada global de conflitos e preconceitos 

Continuamos a testemunhar conflitos alimentados pela intolerância e pela divisão - o mais recente deles sendo a escalada da guerra entre Israel e a Palestina - que muitos parecem ter um "time", sem conhecer as profundas raízes do conflito.

Somos lembrados das lições impactantes de O Grande Ditador; onde é retratado um mundo à beira da Segunda Guerra Mundial, um período de agitação e perigo global - estaríamos vivenciando o início da Terceira Guerra Mundial, com as guerras na Ucrânia e em Israel?

A história do filme do Chaplin nos remete às terríveis consequências da intolerância e da busca pelo poder, exatamente o que testemunhamos em conflitos como o da Faixa de Gaza. A perseguição aos judeus, no filme, ecoa com a perseguição de quaisquer grupos étnicos em conflitos contemporâneos.

A filosofia presente no filme 

O filme é muito mais do que uma comédia brilhante - é uma obra profundamente filosófica que aborda questões cruciais da natureza humana, da política e da moral. Chaplin, através deste filme, nos convida a refletir sobre o poder da comédia para criticar a sociedade, assim como sobre a necessidade de resistência e compaixão em face à opressão.

Um aspecto importante do filme é a crítica à alienação do indivíduo dentro de uma sociedade conformista e autoritária. Essa ideia ressoa com as teorias de pensadores como Karl Marx, que abordam a alienação no contexto do trabalho, bem como com as ideias de Theodor Adorno e Max Horkheimer, sobre a indústria cultural e a manipulação das massas.

Além disso, O Grande Ditador explora a necessidade de resistência à opressão e a importância de lutar pelos ideais de liberdade e igualdade. Isso se conecta com a filosofia do pensador político John Locke, que defende o direito à revolução contra governos tirânicos, bem como com os conceitos de desobediência civil de Henry David Thoreau.

Em suma, é uma obra rica em pensamentos filosóficos, explorando temas como moralidade, identidade, comunicação, pacifismo e resistência. Através de seu humor e sátira, o filme convida os espectadores à refletir sobre questões profundas e atemporais da condição humana, e da sociedade.

As consequências e a coragem de criar O Grande Ditador

Chaplin enfrentou inúmeras críticas e desafios ao criar O Grande Ditador. A obra foi lançada em um momento em que a neutralidade dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial era uma questão delicada, e muitos temiam que o filme pudesse ofender o regime de Hitler - e com razão, o filme tem essa intenção - e prejudicar as relações internacionais. Alguém surpreso?! Chaplin, no entanto, recusou-se a ceder à pressão - inclusive do presidente Roosevelt - e prosseguiu com sua visão corajosa.

À medida que as nuvens de guerra se tornavam densas, o público e a crítica ficaram polarizados. Enquanto alguns viam o filme como um grito de alerta vital contra o totalitarismo, outros o interpretavam como uma provocação perigosa em um momento delicado.

A cena final do filme, na qual o barbeiro judeu (que trocou de posição com o ditador) faz um discurso apaixonado pela paz e compreensão, é o coração da mensagem da obra. Esta é uma lição eterna que ecoa até hoje: a necessidade urgente de abraçar a nossa humanidade, de reconhecer a humanidade no outro, e de trabalhar juntos pela paz e pela justiça - no entanto, mesmo após oito décadas, nossa sociedade frequentemente fracassa em seguir esse sábio conselho. 

Por causa dessa cena, Chaplin foi acusado de ser comunista e impedindo de voltar a morar nos Estados Unidos - ele não contestou a decisão e foi morar na Suíça. 

Legado Duradouro

O Grande Ditador é uma obra-prima que continua a inspirar diretores, artistas e o público em todo o mundo. É um exemplo de como o cinema pode ser uma forma poderosa de contar histórias e provocar reflexões profundas, através da sátira. 

O Grande Ditador deve ser assistido por todos - por sua capacidade singular de transmitir mensagens relevantes, com sua sátira perspicaz que nos faz gargalhar, e sua capacidade de tocar os corações e mentes das pessoas até hoje. É um testemunho da eterna força dessa obra em cativar, e educar - uma obra que continua a inspirar e provocar reflexões em um público diversificado - independentemente de sua idade ou origem.

Chaplin, com sua sagacidade afiada e sua visão profunda, nos deixou uma herança preciosa, e é nossa responsabilidade garantir que essa mensagem - ser contra regimes autoritários, idolatria, fanatismo e preconceito - seja compreendida pelas gerações futuras.

FONTE:

https://revistaforum.com.br/opiniao/2023/10/11/reflexes-sobre-fanatismo-intolerncia-regimes-autoritarios-em-o-grande-ditador-145708.html 




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