Regredir duas décadas na evasão escolar
Fechamento de escolas durante pandemia fez Brasil regredir duas décadas em matéria de evasão escolar, diz Unicef
Ainda hoje, 18 estados mantém o ensino apenas de maneira remota. País está entre os que ficaram mais tempo sem aulas presenciais durante a pandemia.
Por RFI
Começa nesta segunda-feira (01), a volta as aulas presenciais nas escolas particulares, seguindo as regras de proteção contra a Covid-19 e com 35% dos alunos em sala. Nas escolas estaduais o retorno será na próxima semana. Na foto, alunas se cumprimentam com toque nos pés. — Foto: Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Uma das primeiras medidas tomadas por governos de todo o mundo no começo da pandemia de Covid-19, em março de 2020, foi o fechamento das escolas. Após um ano, em 73 países os alunos ainda estão fisicamente longe das salas de aula. O Brasil foi um dos países onde as escolas ficaram fechadas por mais tempo e, ainda hoje, 18 estados mantém o ensino apenas de maneira remota, enquanto os outros tentam equilibrar uma forma híbrida entre o presencial e o ensino a distância.
"Isso tem um impacto muito profundo para as crianças e adolescentes", diz Florence Bauer, representante do Unicef no Brasil. Ela lembra que apesar de não ser a faixa etária mais afetada pela doença é a que mais sofre com os efeitos indiretos da Covid-19.
"Antes da pandemia, 1,3 milhão de crianças e adolescentes em idade escolar já estavam fora da escola no Brasil. Com a pandemia, os dados mostram uma evasão de aproximadamente 4 milhões de meninos e meninas, ou seja, um total de mais 5 milhões de crianças e adolescentes desvinculados da escola, que não estão participando de maneira regular", diz a especialista citando dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2020.
O risco, de acordo com Bauer, é que os números da evasão escolar não mudem com o fim da pandemia e a reabertura das instituições, já que, uma vez desvinculadas, as crianças acabam se envolvendo em atividades de trabalho infantil, o que dificulta o retorno. "Isso está nos levando para trás. Já calculamos que isso nos fez regredir duas décadas em número de crianças e adolescentes desvinculados da escola", afirma.
Bauer defende que a educação remota funciona como uma saída em períodos de pico - como o enfrentado pelo Brasil atualmente - mas não substitui a presencial. "O que essa crise mostra é como a educação presencial é fundamental", defende, lembrando os meios limitados que dificultam a educação a distância no Brasil. "Tem a barreira da falta de acesso à internet, da falta de equipamentos, da falta de privacidade", diz.
Movimentação de estudantes na retomada das aulas presenciais na Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) São Paulo, na Vila Clementino, zona sul da capital paulista, na manhã desta segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021, em meio à pandemia de coronavírus (covid-19). — Foto: Bruno Rocha/Enquadrar/Estadão Conteúdo
Atividade essencial
Uma proposta das deputadas Adriana Ventura (Novo-SP), Paula Belmonte (Cidadania-DF) e Aline Sleutjes (PSL-PR) para colocar a educação entre os serviços essenciais durante a quarentena está em tramitação na Câmara dos deputados. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), se adiantou e assinou em março um decreto no mesmo sentido, para a retomada das aulas presenciais, o que acabou gerando pressão para a reabertura das escolas em um momento crítico da pandemia.
Para Bauer, a educação tem que ser realmente considerada como uma atividade essencial. "Por isso dizemos que as escolas devem ser as últimas a fechar e as primeiras a reabrir", afirma. Um pico como o que atravessamos justificaria o fechamento das escolas. "Você pode fechar uma vez que todas as medidas foram tomadas. Fecham-se os transportes, as praias, escritórios, restaurantes, bares, e todo o resto. Se tudo isso não der certo, então talvez seja necessário suspender por um período as atividades presenciais", explica.
Não foi o caso no Brasil, onde, durante o ano passado e começo deste ano, a maioria dos estados abriu mão de confinamentos rígidos, mas manteve os alunos longe das salas de aula. A expectativa era de uma volta gradual a partir de janeiro, mas o agravamento da pandemia e a lentidão na vacinação impediram a reabertura das escolas.
Protocolo
Bauer também sublinha que reabrir as escolas requer o cumprimento de medidas que garantam segurança. "As escolas devem funcionar com protocolos que incluem distanciamento físico, ventilação, lavagem de mãos, uso de máscaras em todos os momentos. Estas medidas devem ser adaptadas à realidade local e à situação epidemiológica."
Para isso, a coordenação e o diálogo entre professores, alunos, famílias e os outros adultos que trabalham na escola e as autoridades de saúde e educação do município é fundamental. "Para sentar juntos e decidir quais são as melhores opções, adaptadas à realidade do lugar", explica.
Todos os países do mundo, em algum momento, fecharam suas instituições de ensino. Mas a América Latina foi a região com o período mais longo de fechamento. "A média no mundo, segundo dados de janeiro, é de duas semanas; na América Latina essa média é de 30 semanas", afirma.