Regulamentação do FUNDEB

Regulamentação do FUNDEB

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 Foto: Uanderson Fernandes/Seedc-RJ


A aprovação do Fundeb permanente, através da Emenda Constitucional nº 108, foi uma conquista extremamente importante para a educação básica pública brasileira, em meio a um cenário de extremo arrocho fiscal imposto pelas Emendas 95 e 109 (teto de gastos), com consequências danosas para o conjunto das políticas sociais, inclusive a educação. O Fundeb possui salvaguardas que permitem investir na qualidade da educação básica e na valorização de seus profissionais, e não podemos retroceder nessas conquistas, seja durante a regulamentação complementar do Fundo, prevista no art. 43 da Lei 14.113/20, mas, sobretudo, rejeitando a PEC 32/2020 (reforma administrativa).

A Lei 14.113 foi sancionada em 25 de dezembro de 2020, e esse atraso na regulamentação não permitiu que o novo Fundo entrasse em vigor a partir de 1º de janeiro de 2021, fato que só aconteceu em abril deste ano. Também em razão do tempo, várias questões importantes do Fundeb permanente ficaram para ser regulamentadas até 31.10.2021. Contudo, o prazo já extrapolou sem que as adequações ocorressem há tempo.

Além das pendências listadas no art. 43 da Lei 14.113, o Fundeb permanente prevê outras regulamentações importantes, como o repasse da cota-municipal do ICMS à luz de indicadores pautados na aprendizagem, na equidade e no nível socioeconômico dos estudantes (prazo até 2023, em cada Assembleia Legislativa); o piso salarial profissional nacional do magistério (sem data definida em razão da vigência da Lei 11.738) e o Custo Aluno Qualidade (CAQ) junto com a Lei que deverá regulamentar o Sistema Nacional de Educação.
Neste momento, há três projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional (PL 3.418/21 e PL 3.339/21, na Câmara dos Deputados, e PL 2.751/21, no Senado), que visam prorrogar os prazos das moras legislativas, mas que também tratam de outros assuntos, alguns importantes e outros bastante preocupantes. Em relação aos prazos pendentes, a CNTE tem acordo com o adiamento, dado que os debates social e institucional não ocorreram em 2021, inviabilizando as referidas regulamentações. Porém, há outros pontos que merecem maiores reflexões e sobre os quais, antecipadamente, a CNTE se manifesta contrária. São eles:

1. O PL 3.418/21 prevê incorporar indicadores para a regulamentação do VAAR consubstanciados em testes de proficiência (Saeb), na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e na Reforma do Ensino Médio, o que não dialoga com a própria razão do projeto, que se pauta em prever mais tempo para aprofundar os mecanismos de composição dos fatores de distribuição de recursos do novo Fundeb (VAAF, VAAT e VAAR). Por isso, a CNTE é contra as inclusões sugeridas nos artigos 14, 43-A e 43-B da referida proposição parlamentar, uma vez que elas deverão ser submetidas ao debate no momento oportuno da regulamentação do VAAR (até 2023).

2. Na esteira do argumento anterior, nos parece injustificada a supressão do critério de indicadores socioeconômicos para atendimento das matrículas da educação infantil, prevista no PL 3.418/21 (art. 28, II da Lei 14.113), uma vez que esse assunto também será regulamentado somente em 2023. Já a exclusão de transferências decorrentes dos programas de distribuição universal geridos pelo Ministério da Educação do cálculo de distribuição do VAAT, prevista nos PLs 3.339/21 e 2.751/21 (art. 13, § 3º, inciso V e § 6º da Lei 14.113), poderá criar distorções imediatas na distribuição do VAAT, o que não é recomendado.

3. O controle social e a preservação do interesse público sobre os recursos do Fundeb estão em risco com as propostas de alterações do artigo 21 da Lei 14.113. O PL 3.418/21 pretende flexibilizar a execução dos recursos em conta única autorizando o pagamento de salários dos servidores da educação, inclusive por meio de instituições privadas. Trata-se de um antigo e poderoso lobby dos bancos privados, que além de controlarem parte significativa dos recursos do Fundeb, contarão com enorme efeito multiplicador para potencializar ganhos financeiros com inúmeros produtos a serem disponibilizados aos servidores, especialmente empréstimos consignados. Esta é mais uma forma de mercantilização dos recursos da educação, contrária, inclusive, aos interesses de fomento nacional e regional das instituições financeiras públicas que administram os recursos do Fundeb (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil). Por sua vez, os PLs 3.339/21 e 2.751/21, embora prevejam manter os recursos do Fundeb sob a administração de instituições públicas, acabam com o princípio de conta única para depósitos e pagamentos, dificultando o controle social e institucional sobre os recursos da educação. Ambas as propostas tratam de temas caros à boa gestão dos recursos públicos e merecem amplo debate com a sociedade e os órgãos de controle interno e externo do Fundeb. Porém, desde já, a CNTE se posiciona contra as duas proposições e reitera sua bandeira de luta histórica pela gestão pública dos recursos da educação pelo órgão gestor educacional, no caso as secretarias de educação, nos termos do art. 69, § 5º da Lei 9.394/96 (LDB).

Por fim, destacamos brevemente outro tema de grande relevância do Fundeb e que é tratado nos três projetos de regulamentação: a alteração do art. 26, inciso II, da Lei 14.113, que trata da destinação de parcela do Fundo para pagamento de salários. A EC 108 (art. 212-A, XI da CF) é clara ao destinar proporção não inferior a 70% para “pagamento dos profissionais da educação básica em efetivo exercício”. O que nos remete a duas considerações conceituais que os projetos precisam observar:

a. Profissionais da educação: são aqueles relacionados na Lei 12.014, e posteriormente acrescentados pela Lei 13.415, legislações essas que discriminam categoricamente os trabalhadores que se devem considerar profissionais da educação. E a remuneração de psicólogos e assistentes sociais na Lei 14.113 – embora sejam profissionais que contribuam com trabalhos intersetoriais nas escolas – não pode ocorrer através do Fundeb, por duas razões: i) esses profissionais não integram o rol legislativo dos profissionais da educação, discriminado no art. 61 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; e ii) a EC 108 é silente em relação a inclusão desses profissionais no cômputo do Fundo contábil. A Lei 13.935, que dispõe sobre a regulamentação de parte das atribuições de psicólogos e profissionais do serviço social, não os qualificou como profissionais da educação, tendo apenas considerado a prestação do trabalho desses profissionais nas redes públicas de educação básica, à luz das “necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais”. E isso deixa claro o caráter de intersetorialidade e a distinção entre profissionais da educação, psicólogos e assistentes sociais. Ademais, essa legislação mantém coerência com o art. 71, IV da LDB, que proíbe expressamente a remuneração de psicólogos e assistentes sociais com recursos de manutenção e desenvolvimento do ensino.

b. Efetivo exercício: legislações educacionais e jurisprudências de diversos tribunais consideram efetivo exercício as atividades desempenhadas diretamente nas unidades escolas. Inovar nesse quesito, além de prejudicar as políticas de valorização dos profissionais da educação em efetivo exercício, levará a lei a questionamentos judiciais.

O PL 3.418/21 abre a possibilidade para que quaisquer profissionais lotados nas escolas (seja da educação ou de funções de apoio técnico, administrativo ou operacional, incluindo não apenas psicólogos e assistentes sociais, mas fonoaudiólogos, músicos, artistas, educadores sociais etc, sem a devida qualificação profissional exigida pelo art. 61 da LDB), sejam pagos com a rubrica mínima de 70% do Fundeb. Por outro lado, os PLs 3.339/21 e 2.751/21 permitem que além desses acima discriminados, todos os demais trabalhadores lotados na rede de ensino (secretarias, fundações etc) também sejam remunerados através dos 70% do Fundo. Verdadeira desqualificação do princípio da valorização dos profissionais da educação!

Ante o exposto, a CNTE requer a máxima atenção dos/as senhores/as parlamentares no sentido de fazerem os ajustes necessários nos PLs 2.751 (Senado), 3.339 e 3.418 (Câmara), a fim de adequar os prazos das regulamentações pendentes, preservando as conquistas do novo Fundeb permanente e corrigindo o que de fato é importante, urgente e legalmente viável neste momento.

>> Clique aqui para acessar a análise integral dos PLs 3.418/21 e 3.339/21.

Brasília, 4 de novembro de 2021
Diretoria da CNTE

 

https://www.cnte.org.br/index.php/menu/comunicacao/posts/notas-publicas/74426-regulamentacao-do-fundeb-cuidados-e-correcoes-a-serem-observados-pelo-parlamento 




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