O enrijecimento das restrições foi recomendado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Publicado no ano passado, o Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023 elenca estudos que evidenciam prejuízos no desempenho dos estudantes por conta do uso excessivo das tecnologias.
A Secretaria Educação do RS (Seduc) informa que, no Rio Grande do Sul, “não há uma proibição do uso, mas, sim, a restrição do uso de algumas funcionalidades da internet a partir do acesso do aluno pelo aplicativo Escola RS”, app voltado para estudantes da rede estadual.
Conforme a pasta, que se manifestou por nota, ferramentas como chromebooks e celulares para acesso às plataformas de leitura e do Google Classroom fazem parte da estrutura de apoio pedagógico. A secretaria acrescenta que o uso dos equipamentos “é realizado com acompanhamento e orientação dos professores, que indicam as atividades dos componentes curriculares que serão desenvolvidas ao longo do ano letivo”.
Em Porto Alegre, desde 2011, existe a lei nº 11.067, que determina a proibição do uso de aparelhos de celular durante as aulas nas escolas da rede municipal. Segundo a Secretaria Municipal de Educação (Smed), até o momento, não há intenção de modificar a regra.
Mudanças que vão além da sala de aula
No colégio Dom Feliciano, em Gravataí, o ano de 2024 começou de um jeito diferente – a partir de 21 de fevereiro, quando as aulas foram retomadas na escola, os alunos tiveram que deixar o celular de lado. A instituição implementou a Política de Uso dos Celulares no Ambiente Escolar, que busca regular o uso dos dispositivos na instituição.
Para os pequenos, da Educação Infantil até os anos iniciais do Ensino Fundamental, a regra é não levar o celular para a escola. Caso os pais achem necessário, as crianças podem levar o dispositivo, mas a recomendação é que fique guardado e desligado, mesmo nos intervalos.
Já no caso dos estudantes dos anos finais do Fundamental, do Ensino Médio e dos cursos profissionalizantes, o uso do celular é permitido para fins pedagógicos, quando autorizado pelos professores. Caso contrário, o dispositivo deve ficar guardado em uma caixa, podendo ser acessado nos momentos de intervalo. Todas as salas de aula ganharam espaços que servem especialmente para os alunos depositarem os smartphones.
— Tentamos conscientizá-los em sala de aula, ensinar os alunos para saberem os momentos adequados de usar o celular. Mas não deu certo, a maioria deles continuou usando o celular de forma excessiva. Então, resolvemos criar a política, para também nos responsabilizarmos por este processo — explica Jane Segaspini, diretora da escola, que integra a rede ICM de educação.
Depois de uma semana de aulas com as novas medidas, a instituição já sentiu impactos positivos. Mesmo no recreio, alguns estudantes costumam deixar o smartphone guardado na sala de aula, priorizando as interações com os colegas, segundo a diretora.
— No começo era difícil deixar o celular na caixa, porque se tornou um hábito ficar olhando a tela, eu ficava conferindo a hora. O celular é como se fosse uma parte do corpo. Mas, aí, temos que pensar nos nossos objetivos. O que é mais importante, priorizar os estudos ou as redes sociais? É difícil, mas acho que a longo prazo vai ser algo benéfico pra gente — relata Letícia Montim Orlandi, 17 anos, estudante do 3º ano do Ensino Médio.
A experiência foi parecida para Eduarda de Oliveira Braun, 17, colega de Letícia. Ela conta que levou alguns dias para se acostumar com a mudança, e que os colegas reclamaram bastante no começo. Mas, aos poucos, deixaram de lado a vontade de olhar o celular a todo momento.
A adesão dos estudantes foi uma surpresa para a escola e para os pais. Para Ana Cristina Orlandi, mãe de Letícia e presidente do Conselho de Pais, a iniciativa foi muito positiva.
— O celular é uma ferramenta que todo mundo usa hoje em dia, não adianta proibir totalmente. Mas também não adianta se for algo para atrapalhar a aula. Muitas vezes, acontecia de o professor dar uma explicação e só metade da turma prestar atenção. A escola percebeu que os celulares estavam atrapalhando, e concluímos que seria uma boa medida.
Atualmente, a escola conta com cerca de 2 mil alunos. Antes de implementar a política, o colégio Dom Feliciano realizou um levantamento com os pais, alunos e funcionários para entender se a comunidade escolar era favorável às mudanças. A instituição também formou um grupo de trabalho para analisar os resultados da pesquisa e estudar sobre o tema, observando exemplos de outros países que adotaram medidas semelhantes.
Segundo a presidente do Instituto Singularidades, Cláudia Costin, é fundamental envolver toda a comunidade escolar neste debate, incluindo as famílias. Um dos papeis que a escola pode desempenhar, nesse sentido, é conscientizar os pais sobre os riscos do uso excessivo dos dispositivos eletrônicos na infância, para além dos já conhecidos impactos cognitivos.
Usar o celular de modo excessivo afasta as crianças da socialização, que é um elemento tão importante da escola.
CLÁUDIA COSTIN - Presidente do Instituto Singularidades
— Precisamos dar orientações para as famílias, uma vez que sabemos desses riscos, desses prejuízos tão grandes, que já foram evidenciados por diversos estudos. Usar o celular de modo excessivo afasta as crianças da socialização, que é um elemento tão importante da escola. Elas também precisam aprender a navegar com segurança na internet, isso precisa ser ensinado. É muito importante que se promova a educação midiática. E, ao mesmo tempo, temos que priorizar períodos de atividades longe das telas — diz a pesquisadora.
O colégio Monteiro Lobato, em Porto Alegre, tem promovido ações para conscientizar pais e alunos sobre os malefícios do uso das telas. No ano passado, foi realizado o projeto Diálogos com Sentido, com palestras de especialistas e participação das famílias dos estudantes. Na ocasião, foram abordados assuntos como os impactos psicológicos do abuso das redes sociais e das telas. Neste ano, a escola pretende debater com os estudantes sobre a necessidade de uma restrição do uso dos smartphones, segundo a diretora educacional, Ana Lobato.
— Temos vários recursos para fins pedagógicos na escola. A tecnologia ajuda muito nos processos de aprendizagem, mas o celular traz essas distrações, com coisas que não têm a ver com a escola. O smartphone se tornou uma ferramenta importante, mas também vem atrapalhando a rotina dos alunos. Independentemente de virem medidas mais restritivas para o Estado, acreditamos que precisamos mudar — afirma.
No colégio Mauá, em Santa Cruz do Sul, foi lançada normativa que amplia as restrições de uso de aparelhos celulares. A escola já proibia o uso dos celulares em sala de aula até o 4º ano do Ensino Fundamental. Agora, a regra vale para todas as turmas da Educação Infantil até o 5º ano, e não só em sala de aula. O documento determina que os alunos não devem utilizar os dispositivos nem mesmo nos intervalos, corredores e demais espaços da escola.
Conforme o diretor, o professor Nestor Raschen, a instituição realizou um levantamento no ano passado, constatando que 50% dos alunos de 5º ano faziam uso de telas por mais de três horas por dia.
— Isto nos preocupou. Daí a razão de cuidarmos da saúde de nossos alunos, com medidas que possam ajudá-los nesta fase tão importante de suas vidas. O retorno que tivemos das famílias foi muito positivo — relata o diretor. A escola também vem promovendo palestras para orientar os pais sobre os riscos do uso demasiado das telas.
FONTE:
https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao/educacao-basica/noticia/2024/02/escolas-do-rs-adotam-medidas-para-regular-o-uso-de-celular-nas-salas-de-aula-clt4qu595008n0191ak7ltnzv.html