Reinventar a escola

Reinventar a escola

 

Pessoa Negra Desenhando Com O Celular Ao Lado – Tamarcus Brown – Unsplash

Direito à Educação e direito de reinventar a escola em tempos de pandemia

Fabiana Vilas Boas Borges*

 

Em função das medidas preventivas de isolamento do Covid-19 que já se aproxima do 100° dia, vivemos na Educação como em todas as outras áreas, momento histórico absolutamente inusitado, complexo e muito desafiador, enfrentamos cada um numa proporção e contexto, dificuldades diversas para atravessá-lo, preservando minimamente nossa saúde física e emocional, na busca por mudanças e adaptações necessárias para tocarmos o barco e oferecer, mesmo que na lógica da escolha pelo “menor dano” apoio educacional aos nossos estudantes que já carregam consequências e defasagens severas do sistema desigual e desestruturado que acessam. Nessa perspectiva, compartilho aqui algumas reflexões sobre o profundo desafio de construir oferta educacional remota/virtual para alunos e famílias nesse contexto, ainda maior para aqueles em situação socioeconômico muito precarizada. Não pretendo me ater aqui às questões legais e equívocos já manifestos das gestões educacionais (Educação pública e privada), pelo dilema do cumprimento a qualquer custo do “ano letivo” e do “conteúdo programático”, falaremos disso em outro texto.

Gostaria de chamar atenção, por hora, aos aspectos ligados à compreensão das necessidades prioritárias das famílias e estudantes para essa interlocução com a escola, com o “conteúdo educacional” e com os educadores. Estamos falando nesse momento de educação, mas acima de tudo da manutenção e preservação da vida, falamos de emoções, de saúde mental, sustento básico, dignidade e humanidade. E para mim não poderia haver momento mais oportuno para quebrarmos e superarmos paradigmas e crenças limitantes no campo educacional também. Precisamos aceitar o convite de repensar o modelo educacional vigente há séculos, sistema entre todos o mais resiste a evolução. Me coloco a desejar mais do que nunca mudanças que façam sentido e justiça e não o contrário, ampliando desigualdades e consolidando automatismos e o modelo conservador.

Há alguns meses estávamos dentro da escola tentando nos reinventar todos os dias para promover Educação que realmente faça sentido e desperte o desejo e motivação nesses estudantes que muitas vezes negam e resistem à esses formatos e abordagens formais, por várias exclusões e violências sofridas pessoalmente também. E agora nos vemos nesse dilema de fazer o mesmo, contudo a      distância, oferecendo para os alunos dentro das suas casas: conteúdos, atividades pedagógicas, ocupação mental, desenvolvimento intelectual, sem poder contar efetivamente com recursos tecnológicos mínimos necessários, apoio e intervenção familiar sistematizados (também por todas as carências e necessidades prioritárias existentes), tudo isso agravado ainda por um cenário político caótico desmoronando…

É de fato angustiante o contato com a consciência dessa realidade.

Mas, e sempre existe um mas, podemos pensar juntos alternativas paliativas para minimizar os danos previstos. E para isso é fundamental reduzir as expectativas dentro do que era previsto e com humildade e resiliência transitar dentro do possível e necessário.

Sinto dizer que não tenho também respostas e soluções prontas. Estamos partindo de um novo ponto zero e aprendendo um novo fazer e pensar educacional.

O que posso elencar e compartilhar fraternalmente são possibilidades pelas quais também me auto-responsabilizo, contudo, penso que para esse movimento, é inexorável o diálogo e integração dos profissionais da educação com as comunidades escolares.

Para melhor contextualizar esses argumentos, vou apresentar resumidamente o trabalho que desenvolvo numa escola pública de Betim, porque por meio da interlocução com alunos e mães participantes desse projeto durante o período de isolamento até aqui, posso tecer algumas observações conclusivas.

Desde 2018 desenvolvo um projeto pedagógico/social na escola Aristides, nomeado “Mude sua mente, mude o mundo”. Esse trabalho já foi apresentado na coluna dessa jornal na edição de 25 de outubro de 2019.

O trabalho propõe o atendimento a adolescentes em situação de alta vulnerabilidade moradores da região do Teresópolis/Betim, com o objetivo de desenvolver em período de extensão de jornada, atividades integrativas e terapêuticas integradas aos conteúdos transversais para auxiliá-los na superação de traumas pessoais por violências diversas sofridas, manifestos em transtornos psicológicos como depressão e ansiedade principalmente, que na maioria das vezes também geram altíssimos índices de defasagem de aprendizagem e reprovação.      Essa experiência, especialmente em meio a uma jornada de 25 horas de trabalho educacional em periferia, me trouxe um choque de realidade e fez perceber como somos muitas vezes arrogantes e ingênuos na crença de que os valores da educação formal são caros para esses jovens como são para nós, e no automatismo da lógica da meritocracia tendemos a julgá-los como “folgados”, “preguiçosos”, “incapazes”, “atrasados”, “indisciplinados”, etc.

Conto essa experiência, porque essa leitura tem me sido inspiradora e libertadora de crenças limitantes. E também para argumentar sobre a importância de se disponibilizar apoio emocional e estrutural no atendimento às comunidades escolares em tempos de Pandemia, especialmente das periferias.

Nos últimos trinta dias venho buscando voluntariamente, estabelecer um canal de interlocução com os alunos e familiares participantes do projeto que mantenho contato. Organizei de forma improvisada uma metodologia com agendamento de duas interações por semana com horário marcado pelo aplicativo “zoom” e envio diário de conteúdos interativos. Enviei também um questionário para os alunos e familiares responderem com o intuito de obter mais elementos para a construção desse trabalho dentro das perspectivas acima mencionadas, estou aguardando retorno para compilação dos dados que poderei disponibilizar aqui posteriormente.

Contudo, posso já dizer que o processo experimentado até aqui, está muito prejudicado, principalmente pela falta de recursos tecnológicos adequados para o acesso remoto dos estudantes. A maioria deles para fazer a interação, usa o celular da mãe que muitas vezes não tem memória suficiente para rodar o aplicativo e/ou internet com velocidade mínima para o mesmo, além disso eu também tenho limitação de recursos para acessar uma plataforma adequada à demanda, tudo isso associado a pouca motivação e outras necessidades e agendas priorizadas, produz pouca adesão ao modelo proposto.

Nesse sentido concluo sugerindo que o responsáveis gestores, invistam efetivamente na melhoria desses recursos tecnológicos e humanos para se adequar a esse momento histórico, que invistam essencialmente na comunicação direta com os estudantes apresentando apoio e alternativas para fazermos juntos essa jornada.Penso que toda interlocução estabelecida precisa priorizar o fortalecimento dos vínculos afetivos de confiança com os estudantes e famílias, de forma a oferecer apoio para caminhar juntos e não mais cobranças e demandas que não têm condições emocionais e materiais de corresponder.

E por isso reitero, por mim, por nós, pelos nossos, por todos, não podemos soltar a mão de ninguém.

Agradeço imensamente sua leitura e me coloco a disposição para continuar a conversa pensando juntos em como seguir de mãos dadas nessa jornada. Um abraço fraterno e desejo de que possamos evoluir com toda essa experiência.

*Professora e pedagoga. Coordenadora do Projeto Mude sua mente, mude o mundo.

 

https://pensaraeducacao.com.br/pensaraeducacaoempauta/direito-a-educacao-e-direito-de-reinventar-a-escola-em-tempos-de-pandemia/




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