Rejeitado pelas urnas
Bolsonaro foi rejeitado pelas urnas
É a hora do PSOL! Fora Bolsonaro! Uma bandeira necessária para superar a dispersão e enterrar a ultradireita!
Por Berna Menezes
Introdução
As eleições municipais desse ano devem ser analisadas levando em conta um pressuposto determinante que foi o golpe de 2016, quando os partidos da burguesia tradicional articularam o impeachment de Dilma. Sem esse pressuposto, toda e qualquer análise do processo eleitoral fica distorcida e tende ao erro e/ou ao exagero nas conclusões.
Esse ponto de partida para a avaliação do processo eleitoral de 2020 deve levar em conta a crise econômica de 2008, que chega ao Brasil na metade do primeiro governo de Dilma e que irrompe nas grandes manifestações de 2013. Sem esses aspectos da realidade, fica impossível entendermos o ascenso do bolsonarismo na sociedade e a eleição de Bolsonaro em 2018, com a perda de mais de 60% da base eleitoral do PT entre 2012 e 2016, que possibilitou o golpe, o impeachment, a instrumentalização da Lava Jato e a prisão de Lula, sem que houvesse uma resistência dos movimentos sociais que revertesse esse quadro.
Obviamente, a ausência de respostas aos manifestantes de 2013 e posteriormente as opções de economia política de Dilma no início do segundo mandato foram determinantes para que Bolsonaro chegasse à Presidência da República. Neste sentido, erra quem pensa que Bolsonaro é um fenômeno anacrônico; ele é fruto de seu tempo. É a pior expressão do avanço da barbárie nessa etapa de crise do capitalismo, destruição da natureza e dos valores civilizatórios.
Nesse sentido, o resultado eleitoral de 2020 é diretamente proporcional ao que o movimento social e a atuação da esquerda conseguiu realizar nesse processo tão desfavorável em que nos encontrávamos. Assim como está diretamente ligado às políticas que Bolsonaro implementou ou deixou de implementar nesses dois anos de governo. As escolhas de Bolsonaro foram determinantes para que o resultado eleitoral de seus afilhados políticos mais próximos tenham tido um desempenho tão ruim.
2020 iniciou com uma crise econômica sem uma resposta adequada por parte do governo Bolsonaro. Já em fevereiro, o mundo entrou em alerta com o anúncio do Coronavirus-Covid-19. Uma pandemia que impôs o isolamento social, o uso de máscaras e um esforço conjunto da OMS - Organização Mundial de Saúde, dos governos, das universidades, dos laboratórios e principalmente do conjunto da sociedade para evitar um genocídio em massa, e na busca desesperada por um tratamento adequado que mitigasse os efeitos dessa pandemia.
Bolsonaro e seus generais de pijama, “especialistas” em negar a ciência e as recomendações da OMS, operaram políticas que devem ser tratadas como genocidas, porque foram contra o uso de máscaras, contra o isolamento social, apresentaram a hidroxicloroquina como remédio contra a Covid-19, comprovadamente sem efeito algum no tratamento nem na prevenção. Bolsonaro, em plena primeira onda da pandemia, substituiu três vezes o ministro da saúde e atualmente está com um general que, além de não ter conhecimento algum na área de saúde pública, se mostrou um adepto da política negacionista de Bolsonaro.
Todos esses fatos fizeram com que Bolsonaro fosse o maior perdedor desse processo eleitoral, ao ponto de seus aliados pedirem para que ele não se envolvesse em suas campanhas. Os dois maiores símbolos desta derrota e aliados de Bolsonaro foram Marcelo Crivella do Rio de Janeiro e Celso Russomanno de São Paulo.
Novos ventos no mundo
Além dos pressupostos já levantados, não podemos entender essas eleições sem localizarmos o Brasil na turbulência internacional que vivemos. Uma combinação de crise econômica aprofundada pela pandemia, mas também da resistência dos povos às políticas ultraliberais que estão levando milhões a miséria absoluta, inclusive no centro do capitalismo mundial, que é os Estados Unidos.
Três fatos mundiais marcam essa nova etapa de resistência dos povos e que ajudam a explicar a derrota de Bolsonaro:
1- A disputa geopolítica pela hegemonia no sistema capitalista, entre EUA e China, que envolve aliados de um lado e de outro, cada um com seus interesses. E, principalmente, a cobiça das nações centrais pelas riquezas naturais e pelos mercados dos países periféricos, como o Brasil. Isso tudo nos marcos de uma crise iniciada em 2008 e aprofundada pela crise epidemiológica;
2- A pandemia dividiu as lideranças burguesas internacionais em dois blocos. Um setor seguindo as orientações da OMS, e outro, como Trump, Bolsonaro, Boris Johnson e outros, que negavam estas orientações;
3- A novidade nessa etapa é a onda progressista antinegacionismo, antimperialista, antiracista e, fundamentalmente, contra os governos que aplicam as receitas ultraliberais. Isso ficou evidente nas manifestações contra os policiais racistas que mataram George Floyd nos EUA. Esse movimento levou à derrota da candidatura de Trump. Assim como o enterro da constituição pinochetista no Chile. A derrota do golpe na Bolívia, via grandes mobilizações, que culminaram na vitória eleitoral do MAS e o retorno de Evo Morales. No Peru, na Guatemala, em Porto Rico, e principalmente na Argentina, onde foi aprovado o imposto sobre grandes fortunas, são os novos ventos progressistas que se fazem presentes na América Latina e atingem nosso país.
Derrota de Bolsonaro abre um novo momento no Brasil
Bolsonaro é o grande derrotado nestas eleições, e isso abre uma possibilidade concreta de resultado positivo para a esquerda em 2022. O bolsonarismo, como expressão da ultradireita ou do protofascismo, obteve vitórias medíocres e, em alguns casos, fragorosa derrota, como nos casos das 13 candidaturas às prefeituras que tiveram apoio direto de Bolsonaro por meio de vídeos e declarações.
Outras duas vertentes da extrema-direita também sofreram derrotas: as candidaturas vinculadas a ala militar ou da segurança pública, que tiveram vitórias muito pequenas. Dos mais de 8 mil candidatos que se identificavam com esse setor, menos de 10% se elegeram e poucas figuras ganharam em municípios relevantes. A ala dos evangélicos ligada a Igreja Universal também sai derrotada, com seus dois maiores expoentes, Russomanno e Crivella, que amargaram fragorosa derrota.
Quem ocupa parte do espaço de Bolsonaro é a direita tradicional, viúva do golpe de 2016 e que em 2018 saiu derrotada do processo eleitoral. Mas esse setor está conseguindo se rearticular e avançar sobre posições das bases eleitorais de Bolsonaro, inclusive as vinculadas à segurança pública. Dessa maneira, MDB, PP, PSD, PSDB e DEM apresentaram as maiores vitórias nos municípios brasileiros e, somados, vão dirigir mais de 3 mil municípios, sendo que PSDB dirigirá São Paulo, o PSD ficou com Belo Horizonte e Porto Alegre com MDB. Desses, o maior vencedor é o DEM, que ganhou no Rio de Janeiro, Florianópolis, Curitiba e segue dirigindo Salvador. Mas a matemática formal em política não serve para muita coisa. Os resultados acima são insuficientes para fecharmos um balanço dessas eleições. Por exemplo, o PSDB e o MDB, que ganharam a maior quantidade de municípios, são também os que mais perderam em relação ao último pleito municipal de 2016. Ao contrário do que os “analistas” da Globo alardeiam, a vitória da direita foi, em sua maior parte, uma redistribuição de votos entre os próprios partidos da direita e suas legendas de aluguel.
É necessário entendermos a mudança de localização de setores da população que estavam radicalizadas à direita no espectro político em 2018, e que agora fazem uma inflexão à centro-direita, abandonando as posições mais extremadas dos setores bolsonaristas e da extrema-direita.
Nesse sentido, para fazermos uma avaliação mais precisa, não podemos isolar um caso da realidade, porque a situação é muito mais complexa e contraditória. Primeiro, temos que levar em conta de onde partimos, e podemos recuar até o início do governo Bolsonaro quando, desde o começo, defendíamos que era necessário enfrentá-lo em todas as frentes de combate.
Por isso, diante de tal realidade, propusemos que o partido assumisse o Fora Bolsonaro como bandeira articuladora e organizadora de amplos setores insatisfeitos com a gestão presidencial. E podemos trazer aqui movimentos como o #15M e o #30M, em 2019, quando a juventude e os servidores públicos saíram em massa às ruas, em mais de 200 cidades, para defender a educação, a ciência e a universidade pública, e contra o corte de 30% das verbas do Ministério da Educação, que atingia a pesquisa e extensão nas universidades. Ainda em junho, tivemos a primeira Greve Geral contra Bolsonaro e seu plano ultraliberal, e, em pelo menos 18 capitais, ocorreram paralisações dos transportes públicos, além de dezenas de categorias que se somaram a luta contra a reforma da Previdência. Essa foi a primeira greve que unificou amplos setores sociais como o MST, MTST, Terra Livre e movimento sindical. Ocorreram paralisações de diversas atividades e o trancamento de dezenas de rodovias, levando ao recuo do ministro Paulo Guedes em seu projeto de regime de capitalização da Previdência.
No mês de setembro, a crise econômica dá os primeiros sinais de aprofundamento, e chegamos em outubro no turbilhão da crise ambiental, com o Brasil pegando fogo, período no qual as queimadas na Amazônia chegaram à Avenida Paulista em forma de fumaça e chuva negra. Abrimos o ano político de 2020 com a pandemia de COVID-19 e as emblemáticas manifestações antifascistas e antirracistas. Nesse contexto, o bolsonarismo chega ao auge de sua crise, quando ocorre a aterradora reunião ministerial de abril de 2020, que desmascara as intenções do governo e expõe a desqualificação de todo o 1º escalão em plena pandemia. Esses fatos aprofundaram a crise do governo e do regime, estourando o número de pedidos de impeachment.
Não menos importante, e somando-se a isso, as relações perigosas do presidente e sua família são expostas com a morte do miliciano Adriano, chefe do Escritório do Crime. Além disso, a CPI e as investigações das Fake News que apontaram os computadores de dentro do governo, a crise e a demissão de Moro levaram a um enorme desgaste da figura de Bolsonaro. Ainda que, contraditoriamente, o governo tenha tido um suspiro de popularidade durante a vigência do auxílio emergencial, isso durou pouco. Todavia, é importante que se tenha clareza de que o bolsonarismo não está morto, pelo contrário, ele fará de tudo para disputar e consolidar uma fatia do povo brasileiro para seu projeto protofascista de guerra aos pobres, aos negros, às mulheres, à população LGBTQI+, aos movimentos sociais e na destruição da natureza, para manter os lucros dos grandes capitalistas.
O PSOL e reorganização da esquerda
As eleições de 2020 foram a antessala de uma guerra anunciada para 2022. Neste sentido, no campo da esquerda, o PT perde o protagonismo, mesmo que tenha tido um modesto crescimento de 2% em relação as eleições de 2016. Após o tombo de 2016, no qual reduziu seu eleitorado em mais 60% entre 2012 e 2016, o PT vem numa dinâmica de estagnação e retrocesso nos grandes centros. Lula, sua figura principal, não participou do processo eleitoral, e onde esteve presente, como no caso de São Paulo, amargou uma grande derrota com a candidatura de Tatto, que ficou em 6º lugar.
O que fica evidente é que o PT deixou de ser o polo dinâmico do bloco progressista nas disputas eleitorais, depois de muitas décadas. Demonstrando que está desconectado de sua base eleitoral, em particular da juventude, abrindo espaço para novos atores pela direita e pela esquerda. O PCdoB, com exceção de Manuela Dávila, que surge como uma nova figura da esquerda nacional, sofreu um duro golpe, com encolhimento de 38% de sua antiga base eleitoral. E foi derrotado na sua política de construção de um campo com Maia e a “centro-esquerda”. Golpe semelhante sofreu o PSB (redução de 37% do seu eleitorado) e em menor medida, o PDT.
O resultado eleitoral do PSOL e os dados acima sobre o desempenho dos demais partidos considerados da esquerda democrática abrem um debate na vanguarda sobre a necessidade de se constituir uma frente ampla para derrotar Bolsonaro e a direita em 2022. Essa política deve ser precedida de dois pressupostos: a necessária frente social e parlamentar para responder ao conjunto dos ataques aos direitos e conquistas do povo trabalhador e da Nação brasileira, que estão ocorrendo nesse exato momento, por parte de Bolsonaro, Maia, Rede Globo e o conjunto dos partidos da direita tradicional e da extrema-direita; e o segundo pressuposto é o debate programático.
Uma vitória em 2022 não significa a soma do potencial de cada partido, mas sim, depende da capacidade de responder à crise social, econômica, política e ambiental que a sociedade atravessa, e que a maioria do povo se sinta representada nesse programa. Um programa anticapitalista, antiimperialista, que também combata o machismo, o racismo, a homofobia e a xenofobia. E que enfrente o capital financeiro. Não podemos cometer os mesmos erros do passado recente, que nos levaram a essa situação desastrosa que estamos vivendo. É verdade: há uma tendência importante da esquerda internacional de constituir frentes ou políticas de unidade. Como vimos na França, com Melenchon, com o Podemos e a IU-Esquerda Unida, na Espanha, o PCP, com o Bloco de Esquerda em Portugal, ou ainda a Frente Ampla no Uruguai. Mas, em sua maioria, em torno de exigências e/ou unidade programática. A necessidade de acordos programáticos firmes e claros é para evitar rupturas como da unidade no Chile, da frente dos partidos e movimentos sociais sobre a proposta de composição e funcionamento da constituinte.
O PSOL sai fortalecido, nossa responsabilidade aumenta
No final de 2019, defendíamos um artigo sob o título “É a hora do PSOL! Fora Bolsonaro! Uma bandeira necessária para superar a dispersão”, e essa orientação segue muito atual. Em primeiro lugar, acreditamos que o PSOL está se tornando o embrião de uma nova reorganização dos setores democráticos e de esquerda. Não é à toa que o PSOL chega ao segundo turno na cidade de São Paulo, com a dupla Boulos/Erundina, que saem maiores neste processo. Em São Paulo, o PSOL mostrou sua cara consequente no enfrentamento ao bolsonarismo e luta programática anti-sistêmica. E no segundo turno, a vitória com a conquista da capital Belém, com Edmilson, um reconhecido quadro do PSOL.
Milhões de pessoas veem no PSOL o novo, o partido necessário, uma esquerda renovada. Neste sentido, Marcelo Freixo, a principal figura de oposição de esquerda, na segunda maior cidade do país (Rio de Janeiro), perdeu uma oportunidade ímpar de reproduzir o processo de São Paulo.
Dessa forma, comparativamente entre o PT e o PSOL, tivemos um crescimento mais robusto nas Câmaras de Vereadores das Capitais da região Sul e Sudeste, em que o PT em 2016 tinha 19 vereadores e o PSOL 16, e agora o PT alcançou 22 vereadores e o PSOL 23. Em todas as capitais o partido teve um crescimento de 50% de uma eleição para outra. Só em São Paulo, a bancada de vereadores triplicou suas cadeiras, demonstrando uma dinâmica de crescimento muito importante e superior aos demais partidos da esquerda e progressistas. É importante salientar que o fenômeno que garantiu o fortalecimento do PSOL em nível nacional, como a expressão do novo e de uma esquerda renovada, está diretamente conectado ao enfraquecimento do PT como alternativa real de poder. O “reformismo de baixa intensidade” e a conciliação de classes sem reformas estruturantes no sistema abriram espaço para uma nova geração de lutadores sociais. Para isso, não seremos anti-PT e nem adesistas, nem auto-proclamação, nem sectarismo ou submissão. Vamos reafirmando nosso Partido e programa, revolucionando nossos métodos de ação e funcionamento, formando novos quadros militantes e aprendendo com nossa classe.
Nesse sentido, acertamos desde o início do governo Bolsonaro, quando fomos às ruas na semana seguinte a sua vitória, e quando defendemos no Encontro Nacional de Mulheres do PSOL, em setembro de 2019, a consigna de Fora Bolsonaro como política de reorganização dos setores sociais que estavam dispersos. As manifestações antifascistas e antirracistas, assim como a greve dos aplicativos, demonstraram o acerto dessa linha política e colocaram os bolsonaristas na defensiva, pois como afirmávamos, as ruas têm que ser nossas e não dos fascistas.
Portanto, esse fortalecimento do PSOL, essa vitória do partido, está também diretamente condicionado à leitura que fazemos dessa etapa da luta de classe no Brasil e no mundo. Um cenário no qual os povos no mundo reagem (e vem reagindo) ao protofascismo e ao ultraliberalismo. Com isso, o Bolsonaro está morto ou o fantasma da ultradireita está afastado da América Latina? Não, pois a etapa de resolução da confluência de crises é de maior polarização, se não houver experiências exitosas à esquerda, a direita volta com mais força.
Essas eleições confirmaram algumas tendências, tendo em vista que foram nacionalizadas, anti-sistêmicas e polarizadas. A confluência das crises econômica, ambiental, política, étnica e social foram a tônica expressa nessa realidade e vão seguir. Assim, o novo nessas eleições não foi a direita, mas sim o PSOL, e dentro dessa perspectiva, reconhecemos nossas debilidades e erros, mas acertamos no fundamental: nos destacamos por sermos os maiores opositores de Bolsonaro e seu desgoverno, e por ocupar a política junto aos setores mais explorados e/ou marginalizados de nossa classe como as mulheres, os povos originários, os negros e negras e a população LGBTQI+. Nessa conjuntura, Bolsonaro e seus militares saem mais fracos para a corrida presidencial de 2022, que já começou!
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