Relatório sobre liberdade de expressão
Relatório sobre liberdade de expressão rejeita tese de ‘ditadura do Judiciário’
Por: Fred Santana
27 de dezembro de 2025

democrático previsto na Constituição (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
MANAUS (AM) – O Relatório Especial sobre a Situação da Liberdade de Expressão no Brasil (2025), da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), concluiu que o Brasil não vive sob uma “ditadura do Judiciário”, como alegam apoiadores e simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022). O documento, divulgado nessa sexta-feira, 26, aponta que as instituições democráticas brasileiras continuam funcionando e preservando a liberdade de expressão, mesmo diante de desafios e tensões políticas recentes.
A expressão “ditadura do Judiciário” foi repetida publicamente por figuras do entorno de Bolsonaro e associadas à extrema direita, como o seu filho, senador e pré-candidato à Presidência Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Em agosto de 2025, o parlamentar criticou uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre homologação de decisões estrangeiras e afirmou que o País estaria sob uma “ditadura do Judiciário”, relacionando a medida a um suposto estrangulamento financeiro e isolamento internacional.
Alertas sobre riscos de excessos judiciais
O relatório da CIDH reafirma que o Estado brasileiro continua organizado sob o regime democrático previsto na Constituição, com separação de poderes, eleições regulares e respeito à pluralidade de ideias. Ele reconhece que o Brasil manteve o funcionamento das instituições democráticas diante de ameaças ao Estado de Direito, inclusive após tentativas de ruptura constitucional manifestadas nos ataques de 8 de janeiro de 2023. O documento, no entanto, faz alertas claros sobre riscos de excessos judiciais, concentração de poder e impactos negativos ao debate público.
de Janeiro (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Para o advogado André de Carvalho Matheus, que atua na defesa de jornalistas e integra comissões voltadas ao combate ao “lawfare”, o documento traz um diagnóstico cuidadoso e evita leituras simplistas do cenário institucional brasileiro. “O relatório apresenta um diagnóstico complexo do cenário pós-8 de janeiro e reconhece a solidez das instituições democráticas brasileiras ao enfrentar tentativas de ruptura constitucional, mas alerta para os riscos de excessos nas medidas judiciais e investigativas, que podem gerar concentração de poder e incerteza jurídica”, explicou.
Ele destacou que o texto não ignora o contexto de ataques à democracia, mas chama atenção para o ambiente de polarização que dificulta o diálogo público. “A Relatoria destaca a tensão entre a necessidade de combater a desinformação deliberada e o discurso de ódio e a imperativa preservação do debate público, apontando que a polarização política tem inibido a diversidade de perspectivas e consolidado posições imutáveis que dificultam o diálogo democrático”, afirmou.
Críticas à criminalização da opinião
Entre os pontos centrais do relatório estão recomendações para reformas estruturais na legislação brasileira relacionadas à liberdade de expressão. A CIDH defende a descriminalização dos crimes contra a honra, como calúnia, injúria e difamação, além do crime de desacato, indicando que esses conflitos sejam tratados prioritariamente na esfera civil, sobretudo quando envolvem agentes públicos ou temas de interesse coletivo.
De acordo com André Matheus, essa orientação representa uma inflexão importante frente a práticas consideradas incompatíveis com padrões democráticos modernos. “O texto é incisivo ao recomendar a descriminalização dos crimes contra a honra e do desacato, sugerindo sua conversão para a esfera civil, especialmente quando envolvem funcionários públicos ou interesse público”, comentou.
Outro eixo relevante do relatório é o alerta sobre o uso do sistema de justiça como instrumento de intimidação contra jornalistas, comunicadores e ativistas. A CIDH recomenda a adoção de normas processuais preventivas contra o Litígio Estratégico contra a Participação Pública (SLAPP), prática caracterizada por ações judiciais em massa ou prolongadas com o objetivo de silenciar críticas.
“A Relatoria enfatiza a urgência de adotar normas processuais preventivas contra o litígio estratégico contra a participação pública, alinhando-se aos melhores padrões internacionais para proteger jornalistas e ativistas de assédio judicial”, disse o advogado.
Relatório como referência internacional e impacto jurídico
O documento também trata da regulação das plataformas digitais, defendendo um modelo que evite a responsabilização objetiva genérica das empresas pelo conteúdo de terceiros. A proposta prioriza deveres de cuidado, transparência e garantias processuais, com o objetivo de impedir que o combate a conteúdos ilegais resulte em censura privada ou restrições desproporcionais à liberdade de expressão.
Na avaliação de André Matheus, o relatório ultrapassa o campo diplomático e passa a ter efeitos concretos no debate jurídico brasileiro. “A publicação deste relatório não é apenas um marco diplomático, mas uma ferramenta jurídica de potência imediata para a defesa das garantias fundamentais no Brasil”, afirmou.
Ele sustenta que o texto internacionaliza discussões já presentes no País sobre o uso abusivo do sistema de justiça. “O relatório valida a tese de que o sistema de justiça, quando instrumentalizado para perseguir críticos e jornalistas, torna-se ele próprio um vetor de violação de direitos humanos”, explicou.
Segundo o advogado, as recomendações da CIDH funcionam como parâmetro interpretativo para tribunais e órgãos legislativos. “Para o Estado brasileiro, o relatório funciona como um espelho de constrangimento, exigindo que o Legislativo e o Judiciário abandonem arcaísmos autoritários, como a tipificação criminal da opinião jornalística”, afirmou.
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