Renúncias fiscais no RS
RS abriu mão de R$9,5 bi em renúncias fiscais para beneficiar mais ricos
Para desonerar cesta básica, governo estadual favorece quem ganha acima de 25 salários. Entre as 280 mil empresas beneficiadas estão Zaffari, Havan, Panvel, Gerdau e Restaurante Madero
Para César Fraga / Publicado em 24 de setembro de 2021
Foto: Mateus Raugust/PMPA
Informe divulgado pelo Departamento Intersindical de Economia e Estatística (Dieese) alerta para uso exagerado do mecanismo da renúncia fiscal no estado do Rio Grande do Sul.
De acordo com dados da Secretaria da Fazenda estadual, em 2020, o montante de renúncias dos quais o Estado possui influência legislativa chegou a 9,3 bilhões. O que equivale a 18,9% do que poderia ter sido arrecadado.
Na avaliação dos técnicos do Dieese, o uso generalizado de incentivos fiscais pode ter consequências desastrosas para as finanças públicas. Distorcem a alocação de recursos, interferem na concorrência e criam oportunidade de corrupção e sem a devida transparência são uma ameaça constante.
A renúncia apenas do ICMS, que representa 87,3% do total, com outros estados, nota-se que segue sendo um percentual significativamente superior ao praticado por São Paulo, por exemplo, onde o peso da renúncia é de aproximadamente 10% da arrecadação potencial de ICMS ou em Minas Gerais que é de 11,9%. A comparação é da economista Anelise Manganelli, do Dieese, responsável pelo estudo.
Na comparação de 2015 e 2020, do montante das estimativas de desonerações que incluem ICMS, IPVA e ITCD, verifica-se crescimento de 13,7%.
Mesmo com o importante avanço que trouxe à sociedade, a Lei de Acesso à Informação de 2011, que prevê que informações de interesse público sejam divulgadas pelo governo, a Receita Estadual se recusa a prestar as informações sobre essas renúncias respaldada no artigo 198 do Código Tributário Nacional de 1966, que diz que: não é permitido divulgar qualquer informação sobre “a situação econômica ou financeira” de empresas.
Nesse sentido, o governo se limitou a informar que entregou, há dois anos – em 18 de setembro de 2019), toda a base de informações de renúncias ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) para que revisões e estudos fossem realizados – até a presente é desconhecida qualquer avaliação detalhada feita pelo TCE sobre o tema.
Boa parte dos benefícios são concedidos via crédito presumido, em 2020, representou 46,2% (R$ 3,8 bilhões). Se comparado com o ano de 2015 (R$ 2,5 bilhões) o montante de crédito presumido cresceu 50,7%.
Opacidade da política
“Existem alguns pontos a se destacar. Um é a opacidade deste tipo de política e a magnitude dos valores. Sobre a opacidade, temos previsão na Lei de Responsabilidade de que o governo faça a compensação de receita. A obrigação do Estado é arrecadar para fazer política pública, para reduzir desigualdade, para garantir democracia. Se o Governo não faz isso, é como se ele cometesse um crime de responsabilidade. E, normalmente essas compensações de renúncia fiscal, não são apresentadas. E, muito pelo contrário, este é um tipo de política que é muito difícil medir os impactos”, garante Anelise.
Ela recorda que em meio a toda discussão da reforma tributária apresentada pelo governo Leite, no ano passado, o governo chegou a apresentar um extenso e detalhado estudo sobre os benefícios. Porém, sem nenhuma evidência de que tenham gerado empregos, por exemplo. Então, esta falta de transparência e a dificuldade de avaliação dos efeitos é um ponto crucial, para determinar abrir mão desse tipo de política me benefício de outras que possam ser melhor avaliadas.
Beneficiados são os melhores salários e empresas
“O argumento de que boa parte desta desoneração seria de produtos da cesta básica. Mas o próprio governo, no estudo que fez, aponta que no caso dos alimentos, o benefício per capita alcançado com as medidas chegava R$ 103,00 para as populações mais pobres (que ganham até 2 salários mínimos) e quatro vezes mais para as famílias mais ricas, (que ganham acima de 25 salários). O que demonstra mais um motivo para fazer as revisões”, destaca a economista.
Segundo ela, o levantamento do Dieese propõe ser necessário que o governo defina as prioridades no momento de rever políticas. “Num momento em que se está com uma inflação de alimentos gigantesca, perda massiva de renda dos trabalhadores, se beneficia justamente a população que não necessita ser beneficiada. Isso não é o mais indicado”, argumenta Anelise.
De acordo com a economista, esse contingente de R$ 9,3 bi atinge mais de 280 mil empresas, muitas delas em segmentos que não passam por tanta dificuldade, com lucros recorrentes, como Dimed (da Rede Panvel), Zaffari, Gerdau, Havan, Renner, Randon, Restaurante Madero, a vinícola do Galvão Bueno e por aí vai. “Quantos empregos essas empresas conseguiram gerar a partir do incentivo? Melhorou o desenvolvimento dos territórios da economia? São perguntas que o governo não consegue responder”, questiona.
Não é de hoje
Manganelli cita, inclusive, um estudo do economista e professor da PUCRs Alfredo Meneguetti Neto, que também trabalhou na extinta Fundação de Economia e Estatística (FEE). No estudo, publicado há alguns alguns anos (2015/2016), Meneguetti avaliava as renuncias ficais gaúchas e o Fundopem, que recebeu de recursos R$ 4 bi com a promessa de gerar 11 mil empregos. Gerou apenas mil empregos, na ocasião.
Na opinião de Anelise, o governo teria de promover mudanças bruscas nos contratos firmados para investimentos nos programas de fomento do estado, incluindo metas, penalidades e tendo como principal ponto a geração de empregos. “Que é a questão mais dramática hoje. Estamos vendo a questão da economia. Temos uma pressão inflacionaria que diminui a renda dos mais pobres e um aumento do desemprego. Esse paradoxo no crescimento da economia e da melhoria do PIB está pesando nos trabalhadores por conta da alta taxa de desemprego”.
Ela recorda, que no governo Sartori, incentivos fiscais para o setor da carne, dentro do programa Agregar, que permanece por 14 anos. “Temos analistas de economia experientes no mercado que não conseguem prever as variáveis básicas para a economia do ano seguinte e que legitimidade tem um governador para comprometer compromete a arrecadação por anos?”, indaga.
Manganelli destaca que esses R$ 9,3 bi se referem apenas ao que o estado tem influência legislativa. Uma vez que existem vários outros tipos de renúncia além dessas. As próprias perdas com exportação de produtos industrializados. Em torno de 5,5 bi por ano, a lei Kandir em torno de 4,8 bi por ano, além de vários Refaz que o governo faz para as empresas. Este montante ultrapassa R$ 20 bi ao ano.
“É preciso ter muito rigor no controle e na avaliação de impacto. A sociedade precisa conhecer os números. A sociedade está tendo de conviver com uma depreciação dos serviços por conta de uma altíssima perda de reposição de servidores, que é quem entrega serviço. Se pegarmos esse período das desonerações que está no informe, o número de trabalhadores de trabalhadores diminuiu 19,7%, cerca de 30 mil pessoas a menos entregando serviço público aos gaúchos. E aqueles que ainda seguem, não tem reposição da inflação desde 2014. Sofreram redução de 46% dos seus salários. Neste mesmo período as desonerações cresceram 13% – só nas áreas em que o estado tem autonomia de conceder a concessão”, afirma.
Existe um consenso entre especialistas, de que a renúncia fiscal é uma política que necessita de adequação. Existem várias legislações federais recentes que preveem que tenha uma redução desses benefícios: Lei Complementar 178/2021, PEC 109/2021 e ouras. No RS essa revisão é mais urgente. De 2015 a 2019 houve crescimento anual nas isenções.