Resposta à Rosane de Oliveira

Resposta à Rosane de Oliveira

Minha tréplica à jornalista:

16/04/21

Prezada Srª. Rosane Oliveira,


Folgo em saber que defende o retorno gradual e após a mudança de bandeira. No entanto, permito-me inverter a situação que apresentou, ao mencionar o desejo pungente de sua cunhada retornar à escola. Creio que alguém que deseje retornar na atual situação, como alega que sua cunhada o faz, está equivocado. Viva a Justiça que a impediu de correr riscos muito sérios! Por sua cunhada e pelos alunos dela, Viva a Justiça!

Devido à azáfama dos dias, não a tenho lido com a devida assiduidade. Aliás, permita-me corrigir-me. Dada a emoção com a qual lhe escrevi ontem, esqueci que ainda não há vacinas para crianças. Cabe consultarmos epidemiologistas e infectologistas sobre a segurança quando no retorno em que todos os professores estarão, oxalá, imunizados, se as crianças não poderão ser infectadas. Ainda assim, lembre-se de que nem todos os alunos das escolas são crianças e jovens, na EJA muitos já são adultos e, portanto, vulneráveis à peste.

Além disso, vale notar que apliquei uma leitura textualista, sincrônica, de sua coluna da quarta-feira. Ao lê-la, não se lhe depreende, imediatamente, essa posição que a senhora diz defender. O que ressuma de seu texto é um tom um tanto que impositivo e oracular, que faz pensar que a fala provém de profundo conhecimento de causa, tanto de pedagogia quanto de medicina.

Cara Srª Rosane, ao contrário dos médicos e demais profissionais da saúde, muitos dos quais trabalham em situações de calamidade, nós, professores, não nos vocacionamos a uma profissão em que o risco de infecção e morte seja presente. No entanto, e a senhora bem deve saber, as condições em que os professores trabalham em muitas de nossas escolas públicas revestem sua profissão com o caráter de um verdadeiro juramento de morte. Morte à mingua.

Ademais, a senhora alega não ter influência para apresentar pautas de ordem econômica ou sanitária, no que parcialmente acredito. Mas, no entanto, não se furta de escrever, inúmeras e reiteradas vezes, como disse, sobre a necessidade do retorno às aulas mesmo sem todos os professores estarem vacinados, mesmo depois de alegar defender a vacinação dos professores como grupo prioritário. Veja só, eis uma pauta que tem implicações pedagógicas e sanitárias, quiçá econômicas.

O que não deixa de me causar tristeza é ver como, com frequência, os professores são responsabilizados pela calamidade educacional que assola nosso país desde sempre. É ver como, sistematicamente, a lógica das coisas é invertida e, como verdadeiro bode expiatório, a figura do professor é alçada para mais uma vez servir de “Geni". E, além disso, o tom veladamente acusatório, que reitera, sub-repticiamente, o senso comum de que os professores são infensos ao trabalho. Antes nas greves por salários justos, pelo piso, hoje na luta pela manutenção das aulas virtuais enquanto a morte espreita com sua afiada gadanha. Nunca se vai ao cerne da questão. Onde está o jornalismo combativo que se dirige aos poderosos?

Mas, não falemos de ilusões. Não seria razoável esperar que alguns jornalistas investissem contra o seu ganha-pão. Questão de sobrevivência, de novo. Giordano Bruno apercebeu-se somente no patíbulo de sua toleima: “Que tolo fui eu em pedir aos poderosos que mudassem o poder.” No entanto, por um ato se não de honra, ao menos de bom-senso, esses mesmos jornalistas poderiam refrear sua verve acusatória e não direcioná-la para os trabalhadores que sempre deram e dão duro, e que quando lutam, o fazem respaldados por direito e com a indignação justa de quem se sabe pisoteado.

Se me permite, devo dizer-lhe que poderia ampliar seu conhecimento sociológico da realidade que circunda uma escola pública periférica. Os alunos, mesmo em tempos pré-pandêmicos, evadem e não raro caem nas tentações do tráfico e na violência. A senhora espantar-se-ia com tanta precariedade. Asseguro-lhe de que não são muitas as escolas particulares que podem voltar ao presencial numa possível bandeira vermelha ou laranja. Eu mesmo fi-lo, em novembro passado. É um protocolo rigorosíssimo, que requer infraestutura poderosa e muito investimento. No caso das escolas públicas, carece muito além do voluntarismo das comunidades. Equipar bem as escolas públicas para seguir protocolos sanitários talvez custe mais tempo do que aguardar que nossos bravos professores sejam imunizados.

Aliás, as escolas públicas estão em ruínas já vai tempo. Só agora que vejo surgirem alguns paladinos da qualidade do ensino. Causa-me estranheza. Por tudo isso, pergunto: seria razoável retornarmos às aulas nas escolas públicas para arcarmos com o risco adicional da infecção e mesmo a morte potencial de alunos, professores e familiares?

Não, cara Srª. Rosane, os corredores de muitas de nossas escolas públicas já são demasiado lúgubres para fazermos neles circular o medo adicional da morte por asfixia.

Ainda é mister que diga: nossa triste Porto Alegre saiu no New York Times como epicentro da pandemia.

Talvez porque mantivemos tudo funcionando, vivendo num mundo de negacionismo e desobediência às recomendações dos epidemiologistas. Na cidade de Porto Alegre age-se tal como a personagem “Winnie” da peça “Happy Days” de Samuel Beckett, que, soterrada até o pescoço, abre um largo sorriso e repete, até à náusea, que “Tudo está bem! Como antigamente! Ó, que belo dia!”. Vida que segue, morte que vem. Talvez os professores, com a “teimosia” em manter o sensato distanciamento, tenham sido os únicos certos neste covidário do mundo que virou o Brasil.

Não é honesto cobrar dos professores a salvação da colheita perdida. Há muito nossas escolas são impotentes frente à realidade do tráfico, da evasão, do desamparo, mas isso por conta de um descaso estrutural para com a educação, relegada sempre, com gáudio, ao último plano de prioridade. Agora, esse afã sistemático de cobrar dos professores, já não bastassem seus flagícios diários, a submissão a uma situação de risco de morte me parece revelar uma certa visão ressentida, de quem não se conforma que nós, professores, não nos formamos para enfrentar risco de morte iminente. De morte por falta de ar.

Cara Srª Rosane, ao final desse curto diálogo, fico me perguntando: por que não se dedicou ao magistério?

Talvez, se o tivesse feito, poderia entender e sentir um pouco mais do que tão desarrazoadamente fala.

Sobre o que a senhora insinua em sua réplica, tem razão. Meu coração é um pote até aqui de mágoa, e sua desatenção foi a gota d’água.

Quanto à minha desejada paz de espírito, sei que a reencontrarei quando vir todos os brasileiros vacinados.

Ex corde,

Guy Barcellos, professor de Biologia   

https://www.facebook.com/guy.barcellos 

 

Resposta à Rosane de Oliveira

Meu desabafo à senhora Rosane de Oliveira, após ler sua coluna em ZH em que ataca meus colegas e, portanto, à mim.

Prezada Senhora Rosane,

A senhora vai bem?

Hoje pela manhã li sua coluna e, após, chorei muito.

Chorei por meus colegas professores que morreram de covid-19. Chorei por não termos vacina, leitos e vagas de UTI.

Senti-me muito magoado com suas palavras impiedosas e as conseqüências do que disse.

Sou educador há 11 anos, sempre achei a severidade um agasalho dos medíocres. Neste momento tão macabro que vivemos, a severidade é a armadura dos cruéis. Não acha?

Gostaria de perguntar-lhe: Se a senhora fosse professora, voltaria a lecionar sem estar imunizada? Sem que todos seus colegas e alunos estivessem? Justifique sua resposta...

Faço-lhe um apelo urgente: Ajude-nos, Srª. Rosane!

Em vez de pedir que voltemos para escola sem vacina (para morrer), use seu espaço tão relevante para lutar que sejamos TODOS vacinados.

Para pedir um lockdown rigoroso (conforme recomendam os cientistas) e um auxílio substancial aos mais pobres. Assim venceremos a pandemia. Caso contrário, voltaremos para as escolas para morrer.

Estamos trabalhando duro no ensino virtual e, cá pra nós, é um ótimo trabalho. Sabemos que não é o ideal. Nada substitui o presencial. Adoraríamos voltar a escola rever nossos queridos alunos. Mas amamos nossas vidas.

Outra questão: se voltássemos ao presencial, além da extrema insegurança, teríamos um problema crucial: o que realmente importa, que é a interação humana, o afeto, o acolhimento, estaria quase que totalmente suprimido. Ninguém se aproxima, todos mascarados, todos seguindo protocolos duros e que pouco garantem. É uma dupla perda.

Não nos abandone neste momento. A senhora é uma grande jornalista, muito educada. A senhora teve bons professores? Lembra deles? O que será que pensaram do que disse de nós hoje? A senhora tem amigos professores? O que lhe disseram desta coluna?

Por que não ouvem os professores? Os cientistas? Por que ao se tratar de educação tantos profissionais de fora se consideram aptos a opinar?

Reitero minha pergunta inicial: A senhora está bem? Confesso que texto também deixou-me preocupado. A senhora se ressente dos professores?

Desculpe o desabafo. Perdoe tantas perguntas. Estou exausto. Ainda choro pelos meus colegas que partiram. Choro pelos 350 mil que morreram.

Cordialmente,

Guy Barcellos

Ex-professor do Estado do RS, que trabalha numa escola que cuida de seus professores mas que tem empatia por seus colegas servidores

https://www.facebook.com/guy.barcellos 

 

Minha carta à Marta Gleich, Diretora de Jornalismo da ZH

Prezada Marta,

Boa noite.

Terça-feira retomei a assinatura de ZH, após algum tempo, pois tinha cancelado devido às declarações do Rodrigo Constantino, muitas das quais me pareciam ofensivas aos direitos humanos e ao bom-senso. Gosto do trabalho de vocês, admiro e leio inclusive aqueles com os quais não concordo. São jornalistas de gabarito, sérios e comprometidos com os fatos.

Divergência epistêmica faz parte do bom debate, da vida política. É salutar. Além disso, gosto de saber do que se passa em nossa cidade e vocês cuidam disso muito bem. Por tudo isso, parabenizo ZH por este bom trabalho que há tanto tempo tempo vêm fazendo.

Hoje, contudo, ao receber meu jornal e abri-lo, pelas 7h da manhã, tive um dissabor enorme.

Inicialmente senti vontade de cancelar imediatamente a assinatura, após senti vontade de chorar. Ainda me sinto magoado com a monta da crueldade das palavras que li.

Ler a coluna da Rosane de Oliveira foi como tomar um tapa no rosto. É simplesmente acintosa sua declaração de que "as aulas têm de voltar antes de todos professores serem vacinados". A frase em si já é um contrassenso. É errada.

Sabemos que em SP a incidência de professores infectados é três vezes maior que a população.

Sabemos que as novas variantes são mais agressivas e contagiosas. Sabemos que as escolas não possuem condições de manter a higiene necessária para a segurança de todos. Sabemos que nossas UTIS estão lotadas, que não temos vacina, que não temos remédio, que não faremos lockdown e que não haverá um auxílio emergencial que, de fato, ajude as pessoas a viver com "os três esses" de Agostinho da Silva: "Saúde, Sustento e Saber".

É preciso dizer, também, que os professores vêm trabalhando duro para manter o ensino virtual, bem sabemos da perda que esta condição gera ao ensino. Nada substitui o presencial e adoraríamos voltar. Mas o que é pior que perder a vida?

Mesmo que a colunista argumente que outros trabalhadores estão se expondo, um argumento caviloso e desonesto, pois isto não está certo, tendo mais de 3.000 mortos por dia deveríamos estar em rigoroso lockdown, ela também desconsidera algo que assola a vida das pessoas: o MEDO.

Tanto professores quanto alunos, funcionários e pais têm medo de retornar. Medo de morrer asfixiados, medo de morrer sem leito, sem oxigênio. Medo de deixar seus filhos sem sustento.

Nós, professores somos a categoria mais vilipendiada, humilhada e espezinhada do funcionalismo público. Há décadas. Sem piso, sem condições de trabalho, sem recursos e sem respaldo. Um martírio de décadas.

Felizmente tenho o privilégio de trabalhar em uma escola particular que cuida de seus mestres: rara exceção. Mas fui professor do estado por 4 anos e sei bem como é o chão da escola pública. Na minha havia um vazamento de esgoto que singrou o pátio por meses. A miasma espalhava-se diariamente. Precariedade total. Arganazes infestavam a escola. Exonerei-me para preservar minha sanidade. Tentei com afinco, mas não tive forças.

Ver hoje, esta colunista proferir ataque tão rasteiro em um momento em que estamos todos constristados, perdendo amigos e entes queridos, perdendo a alma, foi um duro golpe. Estamos mortificados.

ZH trouxe-me hoje um petardo de amargura, revolta e tristeza.

Desculpe meu desabafo, sei que a senhora não pode (nem deve) interferir na opinião de seus jornalistas, mas, por favor, peça a eles um pouco mais de humanidade. Não estamos bem.

Sempre seu,

__________________

Prof. Dr. Guy Barcellos

Licenciado em Ciências Biológicas

Doutor em Educação em Ciências e Matemática

https://www.facebook.com/guy.barcellos 

Pode ser uma imagem de 1 pessoa e texto que diz

Sinto-me insultado, ultrajado e escandalizado pelas palavras de hedionda crueldade que esta senhora apresentou em sua coluna em ZH. Não basta tudo que estamos vivendo, ainda temos que tolerar os arautos do mercado financeiro querendo enviar os docentes para a morte por asfixia. É uma tristeza enorme.

O texto na íntegra é uma indecência que me nego a publicar aqui.

 

RESPOSTA À ROSANE DE OLIVEIRA

Saudade, necessidade e consciência em relação ao ensino presencial, o magistério mais do que ninguém quer o retorno ás aulas e a volta do contato pessoal, contudo, mais do que isso, nós professores nos preocupamos com a preservação da vida e respeitamos sobretudo o que diz a ciência, todas vidas importam, repito mil vezes se for necessário, preservar vidas deveria ser o mais importante, mas, infelizmente muitos não pensam assim.

Voltas ás aulas presenciais só com vacina e com a garantia de médicos e cientistas de que os profissionais da educação, alunos e seus familiares estarão protegidos.

Um fraternal abraço a todos e um beijo no coração.

Professor Ranir

https://www.youtube.com/channel/UC4EQFgYRNNgGp7_iubD-SSQ 




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