Retomada das atividades presenciais na EI
Paulo Fochi analisa retomada das atividades presenciais na educação infantil
Por ADRIANE KIPERMAN
Os números de casos confirmados de infecção e morte por covid-19 são vultosos e ainda dividem opiniões sobre quando e como deve acontecer o retorno às atividades escolares. O que está mais próximo do consenso, no entanto, é por onde iniciar a retomada: pela educação infantil. Será mesmo?
“Esse é um assunto complexo e uma discussão que precisa ser construída localmente pelas pessoas que participam do processo educativo das instituições”, afirma o professor Paulo Fochi, coordenador do curso de especialização em Educação Infantil da Unisinos, no Rio Grande do Sul.
Doutor em educação pela USP e autor do livro “Afinal, o que os bebês fazem no berçário?”, Fochi diz que o retorno depende não apenas de uma reorganização arquitetônica (para atender requisitos sanitários e de distanciamento, por exemplo), como também de um processo de formação aos profissionais e discussões sobre o que é mais protetivo às crianças: continuar em casa ou ir à escola.
A análise é do dia 16 de julho, quando Fochi participou de uma transmissão ao vivo promovida nas redes sociais do portal Desafios da Educação. Você pode rever a live no Instagram do Desafios da Educação ou conferir, abaixo, os melhores trechos da entrevista – editada para efeitos de clareza.
Existe um consenso de que o retorno precisa começar pelas pontas – educação infantil e 3° ano de ensino médio. O que você pensa sobre as crianças voltarem primeiro? Esse é um assunto complexo, não é uma conversa simples. A minha defesa é que essa é uma discussão que precisa ser construída localmente e por pessoas que participam do processo educativo das instituições. Porque ela implica desde uma reorganização arquitetônica, um processo de formação com os profissionais e discussões sobre o que é mais protetivo para as crianças: estar em casa ou estar na escola.
Acho importante iniciar a discussão sobre o retorno, pois ela vai implicar certas organizações. Mas minha posição é a de que retorno se protele o máximo possível.
Quando a gente olha para os outros países, o retorno começa com o declínio dos óbitos e no início do período quente. No Rio Grande no Sul, por exemplo, estamos diametralmente opostos. Estamos subindo a curva de óbitos, infelizmente, e com muito frio – onde é normal que os hospitais fiquem cheios.
Então, precisamos utilizar dados objetivos e as experiências de outros países para dizer que: ainda não é o momento.
Muitos governadores têm dito para começar pelas crianças porque elas não são do grupo de risco. Mas não se tem certeza disso. A comunidade científica da área da saúde não dá essa garantia de que a criança não é grupo de risco. Porque a única certeza que temos sobre o coronavírus é que o isolamento é a maneira mais certa e protetiva que a gente tem. O resto é só especulações.
No Reino Unido e no Brasil, apareceu um grande número de óbitos relacionando crianças a uma síndrome inflamatória, a síndrome de Kawasaki, que existe relação com a covid-19. Então, a gente não pode dizer com tanta precisão que criança é só vetor do vírus. Mesmo que fosse, teríamos que considerar um monte de questões.
É uma série de questões que a gente precisa colocar no pacote e que não se resolve dizendo “a nossa escola tem máscara e álcool em gel e está tudo resolvido”. Não é simples desse jeito. Não é simples porque, por exemplo, existe um ponto em se concorda que crianças de até dois anos não devem utilizar máscara, porque ela não tem ímpeto para tirar a máscara em caso de sufocamento.
Acima de dois anos, a gente sabe que as crianças não vão aguentar ficar com a máscara. Então, como aplicar todos aqueles protocolos da OMS na educação infantil? Como é que a gente faz educação infantil com dois metros de distância? Não vamos colocar crianças em quadradinhos. A escola de educação infantil não se organiza por aulas. Não colocamos as crianças sentadas esperando uma atividade. Então, o distanciamento é algo que a gente não vai conseguir fazer.
É um outro tipo de ação que as instituições e mantenedoras terão que fazer para pensar um possível retorno da educação infantil.
Então seria mais apropriado começar pelo outro extremo da jornada educacional? Não sei. Um retorno no ensino superior é mais possível porque eu consigo imaginar adultos usando máscaras, usando álcool em gel e mantendo distância. Embora que, com adultos, exista alternativas de ensino remoto.
Quando você desce os níveis e chega nas primeiras séries do ensino fundamental é difícil imaginar essas crianças fazendo atividades remotas. Já na educação infantil, isso é inviável.
Talvez, nesse retorno, além de começar dos maiores para os menores, a gente tenha que fazer uma avaliação de quais são as crianças que devem voltar.
Será que os pais vão querer levar os filhos à escola? Acredito que alguns pais terão essa opção de escolha. Mas a gente precisa entender que existem famílias que não têm como se organizar para ficar em casa. E aí não é nem uma questão de escolha, mas uma questão de cumprir o nosso papel, junto com as famílias, de proteção as crianças.
Os pais vão poder escolher levar ou não os seus filhos à escola? Aqueles puderem fazer essa escolha sim, mas tem alguns que não vão poder.
A pandemia provocou uma grande evasão. O que as escolas privadas podem fazer para não irem à falência? Muitas escolas particulares estão fechando. Sobretudo aquelas que só tem a educação infantil. As escolas grandes que também possuem ensino fundamental e médio estão conseguindo administrar melhor a crise.
Estou muito preocupado com isso, porque até mesmo antes da pandemia a gente tinha um sério problema de atendimento na educação infantil. Com as escolas de educação infantil fechando, famílias tendo sua renda afetada e não conseguindo manter seus filhos nas escolas privadas, e todo esse grupo migrando para o ensino público, a educação pública não vai suportar.
A gente precisa prestar atenção em relação ao retorno. O exercício das escolas não é dizer: “nós vamos voltar custe o que custar”, porque vocês (gestores) vão ter que arcar com uma decisão seríssima.
Vocês precisam concentrar energias em encontrar alternativas e negociações com as famílias e o poder público para manter as escolas. Algumas escolas estão conseguindo encontrar alternativas abrindo o jogo e tendo uma conversa com as famílias.
Digamos que se resolva todas as questões dos protocolos e segurança e voltamos em agosto. Mas não volta as mesmas crianças, algumas foram expostas a estímulos pedagógicos e outras não. Como é que você acha que gente faz esse diagnóstico? Teve escolas que optaram por uma relação pouco personalizada e mais generalizada. Apenas elaboraram atividades e mandaram para os alunos. Isso não tem manutenção de vínculo. Quando a criança voltar, isso tudo (a quarentena) foi um gap na vida dela. Um gap que vai deixar uma conta psíquica gigantesca. Já o retorno em uma escola que personalizou o seu ensino remoto é completamente diferente.
Quando se fala em retorno das atividades é muito discutido a questão do ensino híbrido. Como usar esse modelo na educação infantil? Na educação infantil, o Conselho Nacional de Educação concorda que não podemos imaginar crianças em casa, em estado de espera de algo acontecer.
De março até junho eu fiquei reforçando em todas as minhas falas que aquela era uma fase de vínculo. Agora, teremos que pensar em outras estratégias. Sempre recomendo a página do Ser Criança é Natural, da Ana Carol Thomé, que toda segunda-feira dá dicas sobre o que fazer pela janela.
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Em um possível retorno, como fica o cuidado da alimentação das crianças? Por isso que quando for criar essas comissões de discussões é preciso incluir todos os sujeitos da escola. Uma das questões que tem aparecido nos outros países, e é um problema aqui no Brasil, é que decidiram reduzir a carga horária e o número de crianças e professores. Eles reduziram para que as crianças não precisassem fazer a refeição do almoço na escola.
Qual é a diferença do Brasil? Nós temos um país com uma desigualdade muito grande e muitas crianças têm a sua principal alimentação na escola. Eu digo isso com todo cuidado, mas existe um grupo emergencial que a gente terá que acolher.
Vão dizer que isso é assistencialismo. Mas não, isso é a nossa função social também. Nós não vamos salvar o mundo, a educação não tem essa função, mas nós temos um papel muito importante.
Temos que aproveitar esse momento para a formação docente. Como as instituições podem amparar os professores nesse momento? Eu me posicionei contrário aos sindicatos que sugeriram férias aos professores. Porque esse não é o momento de férias, é um momento de formação. Vamos ter que aprender um monte de coisa que a gente não sabia. Vamos ter que adequar uma porção de coisas e também vamos precisar se sentir seguros para poder acolher as crianças.
O que vai nos dar segurança é conhecimento e informação. Olhar para a realidade da minha escola e enxergar que as coisas dão conta para receber as crianças. Se os professores não se sentirem acolhidos, eles não vão acolher as crianças. Não consigo dar o que não tenho.
Para mim, a metáfora é a do avião: antes de colocarmos a máscara na criança, precisamos colocar a máscara na gente.
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