Revivendo a Guerra Fria
A sociedade brasileira ainda vive a histeria anticomunista.
Filmes: APRESENTANDO OS RICARDOS (BEING THE RICARDOS), TRUMBO – LISTA NEGRA e BOA NOITE E BOA SORTE – Caça às bruxas na terra da “liberdade”.
É inacreditável que estejamos (re)vivendo o período da Guerra Fria após mais de cinco décadas em que a patrulha ideológica fascista tenha se manifestado nos EU com o macarthismo e levado ao golpe militar de 1964 aqui no Brasil. O discursinho surrado do patriotismo x comunismo está presente nas redes sociais atualmente sem que muitos que o reproduzam dominem qualquer noção do seu significado. Porém, nas profundezas de sua ignorância, ao adotá-lo, abraçam a pior forma de reacionarismo expresso pelo nazifascismo. Claro, sempre há uma batuta consciente a reger o senso comum dos incautos.
O último filme nesta linha é “Apresentando os Ricardos”, embora não seja a melhor expressão do tema exibido pela cinematografia. O macarthismo aqui entra como uma subtrama no contexto histórico que envolve o drama, juntamente com a infidelidade e os bastidores do programa de TV exibido pela CBS, I Love Lucy. Girando em torno de uma disputa de versões defendidas pelo casal (Lucille assinou conscientemente sua ficha de filiação ou somente marcou no quadradinho errado ingenuamente?) sobre o fato estampado nos tabloides quanto a filiação de Lucille Ball ao Partido Comunista. Infelizmente, o filme fica somente na superfície (não se aprofunda nos depoimentos prestados para o Comitê de Atividades Não-Americanas), sem mergulhar na verdadeira calamidade de destruição de reputações e excreção social a que foram submetid@s celebridades, professor@s, sindicalistas e trabalhador@s em geral supeit@s de atividades subversivas por simplesmente terem uma consciência política voltada para os direitos civis e liberdades individuais. Também não há registro de que realmente tenha existido a ligação telefônica entre o marido de Lucy e J. E. Hoover durante a programação ao vivo em que o mesmo a teria “inocentado” no ar para jornalistas e plateia.
Mais fiel à realidade é “Trumbo – Lista Negra”, biografia do roteirista Dalton Trumbo, o qual caiu em desgraça e amargou quase um ano de prisão por ser uma “ameaça” ao modo de vida americano e ter “desacatado” o Comitê. A estratégia daqueles que ficaram conhecidos como Os Dez de Hollywood era levar o caso até a Suprema Corte, a qual frustrou diante da morte de um juiz progressista. Como milhares de americanos, Trumbo se juntou ao PC na década de trinta para combater o fascismo em ascensão. Com a aliança entre os EU e a URSS no combate ao nazismo, outros tantos se somaram. Porém, com a Guerra Fria, as circunstâncias mudaram e uma onda de suspeitas, acompanhadas de denúncias infundadas, delações sem provas e canalhices de toda ordem jogaram os comunistas na clandestinidade. Se no filme anterior os bastidores eram da TV, aqui são do cinema, da “máquina” hollywoodiana. Para muitos integrantes da indústria marginalizados, havia um sem-número de oportunistas que se transformaram em astros (John Wayne, Ronald Reagan, Robert Taylor), colunistas de fofocas (Hedda Hopper) e antigos parceiros relutantes que não titubearam em livrar suas carreiras entregando alguns nomes para o Comitê de McCarthy (Edward G. Robinson). Mas também houve resistência (Kirk Douglas). Mesmo banido, Trumbo continuou trabalhando sob pseudônimos e recebendo prêmios da Academia a ponto de sua história se confundir em alguns momentos com a própria do Oscar.
Migrando para os bastidores do jornalismo televisivo temos “Boa Noite e Boa Sorte”. O início do filme sobre o papel da TV é quase um presságio sobre os limites impostos por patrocinadores (presente também em Being the Ricardos) e os reais objetivos de uma imprensa livre, isenta e democrática. Um dilema presente até hoje. Através de seu programa, na CBS, Edward Murrow tomou a decisão de confrontar a política persecutória promovida pelo macarthismo questionando as razões e os métodos do “senador júnior do Wisconsin” e seus asseclas. Abordando minuciosamente casos investigados por suspeita de ameaça à segurança nacional, o jornalista buscou elementos que transgrediam o Estado de Direito como a falta de provas e julgamentos sumários que destruíam a reputação de pessoas em diferentes segmentos da sociedade. O clima de medo era tão grande que só o fato de questionar ou discordar das atitudes do Comitê era motivo de desconfiança e traição. Provocado, McCarthy, responde pessoalmente no espaço dedicado pelo programa (imagens de arquivo / 1954) atacando Murrow e equipe, acabando por receber uma réplica que promoveu uma onda de críticas às táticas do Comitê, abalando sua credibilidade junto à imprensa e expressões políticas. Um marco e uma lição que deveria ser observada por pseudojornalistas presentes nas mídias....lá e aqui.
Sinopses:
- APRESENTANDO OS RICARDOS - conta os bastidores de uma semana na produção da série ‘I Love Lucy’, um clássico da TV americana, com foco nos seus dois protagonistas: Desi Arnaz e Lucille Ball, interpretes de Lucy e Ricky Ricardo na produção dos anos 1950, da qual também eram produtores. Na noite da filmagem ao vivo, um artigo de jornal considera Lucy uma comunista. Lucy admite, mas Desi insiste em não dizer a verdade. Direção: Aaron Sorkin. 2021.
- TRUMBO – LISTA NEGRA - O roteirista Dalton Trumbo (Bryan Cranston) se recusou a cooperar com o Comitê de Atividades Antiamericanas do congresso e acabou preso e proibido de trabalhar. Mesmo quando saiu da prisão, Trumbo demorou anos para vencer o boicote do governo, sofrendo com uma série de problemas envolvendo familiares e amigos próximos. Direção: Jay Roach. 2016.
- BOA NOITE E BOA SORTE - Edward R. Morrow (David Strathairn) é um âncora de TV que, em plena era do macarthismo, luta para mostrar em seu jornal os dois lados da questão. Para tanto ele revela as táticas e mentiras usadas pelo senador Joseph McCarthy em sua caça aos supostos comunistas. O senador, por sua vez, prefere intimidar Morrow ao invés de usar o direito de resposta por ele oferecido em seu jornal, iniciando um grande confronto público que trará consequências à recém-implantada TV nos Estados Unidos. Direção: George Clooney. 2006.