Revolta com o pé direito

Revolta com o pé direito

 

 

 

“DIREITA SE REVOLTA COM PÉ DIREITO, JOGA CHINELO NO LIXO E DECLARA GUERRA À LÍNGUA PORTUGUESA”

João Guató

 

Os bolsonaristas acordaram um dia desses com uma dor estranha no corpo. Não era na consciência — essa já foi embora faz tempo —, mas no pé. No pé direito. Tudo porque Fernanda Torres, atriz, mulher, artista e, portanto, perigosa por definição, apareceu num comercial de Havaianas e disse, com todas as letras, sem código secreto da URSAL nem legenda do Foro de São Paulo:

“Desculpa, mas eu não quero que você comece 2026 com o pé direito. […] O que eu desejo é que você comece o ano novo com os dois pés. Os dois pés na porta, os dois pés na estrada, os dois pés na jaca, os dois pés onde você quiser. Vai com tudo, de corpo e alma, da cabeça aos pés.”

Pronto. Bastou isso. O cérebro coletivo da extrema-direita nacional sofreu uma luxação semântica. “Pé direito” deixou de ser força de expressão e virou partido político. A língua portuguesa foi acusada de militância.

De repente, um comercial de chinelo virou plano de governo. Um desejo de ano-novo virou ataque à direita. E uma atriz virou ameaça à democracia — aquela mesma democracia que eles só defendem quando vence.

Eduardo Bolsonaro, sempre pronto para o sacrifício simbólico inútil, gravou vídeo jogando um par de Havaianas no lixo. Um gesto histórico. O chinelo, até então inocente, foi punido por ousar tocar um pé patriota. Comparou com o boicote à Budweiser, provando que o Brasil copia até as birras estrangeiras.

Bia Kicis e Nikolas Ferreira engrossaram o coral da indignação performática:

“Se as Havaianas não nos querem, nós também não queremos as Havaianas.”

Como se a marca estivesse chorando num canto, implorando pelo amor de um eleitor que acha que “havaiana” é ideologia.

A hashtag #HavaianasNoLixo se espalhou. Gente filmando a própria falta do que fazer. Jogando fora o que já foi pago. O capitalismo aplaudiu de pé — com os dois pés, diga-se.

E a internet respondeu do jeito que sabe: com escárnio. Teve quem sugerisse amputar a perna esquerda, só por garantia. Outros recomendaram ferraduras, já que o raciocínio anda meio equino. Houve quem perguntasse se agora tropeçar seria comunismo e pisar em falso, progressismo.

O mais fascinante é esse talento especial para enxergar conspiração onde só há metáfora. Um grupo que não entende ironia, odeia arte e tem alergia a nuance, mas se acha guardião da pátria. Patriotismo frágil esse, que se esfarela diante de um chinelo de borracha.

A campanha não falou de política. Falou de ir com tudo. De viver. De meter os dois pés na vida. Mas quem vive de paranoia prefere ficar parado, equilibrado num pé só, com medo de cair na realidade.

No fim das contas, o Brasil segue andando — com os dois pés, descalço, de chinelo, de sandália ou até de ferradura. Já o bolsonarismo… esse tropeça até em propaganda de Havaianas.

FONTE:

https://www.facebook.com/joaoguato?locale=pt_BR

 

 

 

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"A propaganda da Havaianas conseguiu um feito raro: deixou a sandália mais sofisticada do que o debate público brasileiro.

A marca disse “Brasil real”. A direita ouviu “comunismo de borracha”. A esquerda respondeu “diversidade genérica, pasteurizada e sem CPF político”. O marketing sorriu. O algoritmo aplaudiu. E a Havaianas vendeu chinelo enquanto o país discutia se uma sandália tem ideologia.

É impressionante como um pedaço de borracha conseguiu provocar mais surtos do que reforma tributária, orçamento secreto ou emenda pix. Bastou mostrar gente diferente existindo, sem pedir desculpa, que metade do país correu para a timeline gritar “boicote”, como se boicotar chinelo fosse ato revolucionário.

Do outro lado, vieram os fiscais da virtude exigir que a sandália fizesse mais, gritasse mais, sangrasse mais, tomasse partido explícito, assinasse manifesto, derrubasse o capitalismo e ainda custasse R$ 39,90. Spoiler: era só propaganda. De chinelo.

No fim, a campanha provou duas coisas. Primeiro: diversidade virou commodity. Segundo: no Brasil de hoje, até havaiana no pé vira ameaça existencial. A sandália não disse nada de radical. Quem radicalizou foi o público, que anda precisando urgentemente de terapia coletiva - ou, no mínimo, de um par novo pra esfriar a cabeça.

Moral nenhuma. Só constatação: enquanto a gente briga por causa de propaganda, o capitalismo agradece, o engajamento explode e a Havaianas segue fazendo exatamente o que sempre fez - andando pra frente, enquanto o debate anda descalço."

( Por Julio Benchimol Pinto)

 

 

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De Leila Cordeiro

"Não quero começar o ano com um pé só.

Quero começar inteira.

Com os dois pés no chão, na vida,

na escolha de quem eu sou.

Porque caminhar exige equilíbrio

— não rótulo.

Vi gente enxergando ataque

onde só havia metáfora.

Talvez porque quem anda em extremos

tenha dificuldade de entender o centro,

o afeto, o humor, a liberdade de interpretação.

Eu sigo preferindo símbolos que unem,

marcas que atravessam fronteiras,

e histórias que carregam identidade

sem pedir licença.

Sim, eu uso @havaianas

Uso aqui, uso fora, uso com orgulho.

Porque, mesmo morando longe,

minha essência é brasileira —

e ela não cabe em polarizações.

E confesso:

ver uma marca nascida no Brasil crescer,

ganhar o mundo

e ainda provocar conversa, reflexão

e até desconforto…

é sinal de força, não de fraqueza.

Começar o ano com os dois pés

é assumir quem se é.

Sem medo.

Sem boicote à inteligência.

Sem reduzir metáforas a trincheiras.

E se uma ideia simples, dita com leveza por Fernanda Torres faz tanto barulho…

talvez o problema não esteja no

chão que se pisa,

mas na forma como se escolhe caminhar."

( 🦋 © Leila Cordeiro – Todos os direitos reservados)




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