Riscos do Enem e do Saeb
Os riscos do Enem e do Saeb em 2019
Especialistas avaliam os impactos do atraso de cronograma de duas grandes avaliações da Educação Básica
POR: Laís Semis 11 de Abril de 2019
Entre as saídas de Ricardo Vélez Rodríguez do cargo de Ministro da Educação (MEC) e de Marcus Vinicius Rodrigues da presidência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), algumas dúvidas persistem sobre a Educação Básica no país. Entre elas, se o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) conseguirão cumprir o cronograma estipulado. As avaliações previstas, respectivamente, para outubro e novembro, estão na ponta de processos afetados por vaivém de portarias.
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Enquanto a gráfica que imprimia os exames do Enem desde 2009 pediu falência (relembre o caso aqui), as diretrizes do Saeb 2019 foram publicadas excluindo o Ciclo de Alfabetização da avaliação para este ano (veja mais aqui). Diretrizes que, aliás, mudaram quatro dias depois, com a revogação da portaria do Saeb 2019. Nada foi dito oficialmente sobre os próximos passos da maior avaliação da Educação Básica.
Sobre o desdobramento da impressão das provas do Enem, o Inep afirmou na ocasião que existiam “alternativas seguras sendo avaliadas". Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o novo ministro Abraham Weintraub afirmou que não está trabalhando com mudança de cronograma para o Enem. “A população não tem que ficar sendo alarmada enquanto a gente acha que consegue entregar no prazo”, disse. Apesar das afirmações do ministro e do Inep, a falta de transparência em relação aos próximos passos dos dois exames tem causado um cenário de preocupação e incertezas.
“Existe todo um processo que tem que ser pensando e a gente não sabe como está isso. Pode ser que esteja andando, mas há pouca transparência e respostas dessa gestão”, avalia Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede). Para Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional, além da falta de clareza dos próximos passos, há uma dificuldade em se fazer um debate político em torno dos temas. “É, no mínimo, um sentimento de apreensão. Se falassem que não haveria Saeb, ao menos a gente faria um debate mais explícito”, diz.
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O Inep foi procurado pela reportagem para comentar os cronogramas e perspectivas de licitação de gráfica e novas diretrizes para o Saeb, mas não comentou o caso até o fechamento desta reportagem. Apesar do ministro da Educação ter tomado posse e anunciado uma série de nomes para secretarias, o cargo de presidente do Inep continua vago.
Veja a seguir os riscos que os especialistas enxergam para cada um dos exames, caso não se cumpram os cronogramas estabelecidos:
SAEB
Em dezembro de 2018, o Inep publicou a portaria nº 1.100, com as diretrizes para a avaliação em 2019. Além das provas de Língua Portuguesa e de Matemática para os estudantes do 5º e 9º ano do Fundamental e 3º ano do Ensino Médio, a portaria também previu que fosse realizada a prova no 2º ano do Ensino Fundamental, tomando por referência a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Provas de Ciências da Natureza e de Ciências Humanas para estudantes de 9º ano do Ensino Fundamental, alinhadas à BNCC, também foram previstas pelo Inep. A autarquia chegou a publicar até mesmo as matrizes das avaliações.
Em 22 de março deste ano, no entanto, o Inep publicou uma nova portaria com diretrizes para o Saeb 2019. Nesta portaria, as provas de Ciências da Natureza e de Ciências Humanas passaram a ser amostral, enquanto a do 2º ano foi adiada para 2021. A justificativa para que o Ciclo de Alfabetização ficasse de fora da edição 2019 seria o momento de implementação da Base, já que as escolas têm entre 2018 e 2020 para fazer as mudanças propostas pela BNCC em seus currículos. Outra novidade foi incluir a avaliação amostral para Educação Infantil na edição deste ano.
A exclusão da prova para o Ciclo de Alfabetização reverberou mal e, quatro dias após sua publicação, a portaria foi revogada pelo então ministro Ricardo Vélez Rodríguez. Em termos jurídicos, como a decisão de Vélez revogou explicitamente apenas a portaria do Saeb publicada em 2019, as diretrizes da avaliação publicadas inicialmente em 2018 estariam valendo. No entanto, não se sabe como acontecerá na prática até nova manifestação do Inep. “A portaria suprimiu os direcionamentos e não entrou nada em seu lugar. Não necessariamente se voltou à portaria anterior [publicada em dezembro de 2018]. Não sabemos se vai ter Saeb em 2019 e, se teremos, como ele será”, questionar Ocimar Alavarse.
Para ele, a determinação de um Saeb baseado na BNCC rende boas discussões, como, por exemplo, a manutenção da série histórica. A falta de clareza sobre os direcionamentos inviabiliza até que a discussão aconteça. Neste cenário, a não realização do Saeb em 2019 poderia comprometer a própria existência da série histórica. “Ela expressa aspectos importantes da capacidade de leitura e Matemática dos alunos desde 1995. No sentido de indicadores de políticas públicas, a falta desse acompanhamento seria um dano irreparável e, politicamente, de grande prejuízo”.
Além do macro das políticas públicas, os próprios gestores das secretarias de Educação e escolas têm utilizado cada vez mais esses dados para replanejar suas ações. “É uma métrica que ajuda a redirecionar a gestão. Quatro anos sem saber se as escolas estão funcionando é muito tempo para uma gestão”, avalia Ernesto Faria. Para ele, ainda que haja Saeb, há outras perguntas a serem respondidas, como se já houve produção do banco de questões de Ciências Humanas e da Natureza e se já houve pré-testagem desses itens para produção das provas.
ENEM
Com a expectativa de que a impressão do exame se iniciasse em maio, determinar uma nova gráfica é urgente para que a prova aconteça em novembro. Para Ocimar, as consequências de não haver Enem em 2019 seriam mais graves do que para o Saeb, já que a maioria das universidades usa os resultados do exame em seu processo seletivo para ingresso nos cursos superiores. Embora algumas universidades apenas combinem as notas do Enem com a de seus vestibulares, parte delas já desativou a equipe responsável pelo processo. “Para fazer um vestibular em novembro no serviço público, você precisa começar muito antes. Você não sai comprando um vestibular na loja da esquina”, diz Ocimar. “Não ter o Enem ou atrasá-lo muito poderia prejudicar o início do ano letivo”.
Além da confusão no calendário escolar, a ausência de um Enem poderia dificultar o acesso aos vestibulares – já que hoje o exame permite que os alunos façam um único processo seletivo que atenda diversas universidades. À parte a exigência de investimento financeiro que acompanha cada inscrição em uma universidade, a própria questão da logística para fazer a prova em cidades mais distantes poderia limitar o número de interessados.
“Com o Enem se gerou um mecanismo que favorece ter um maior número de ingressantes no Ensino Superior”, pondera Ernesto. “Você tem jovens com potencial de desenvolvimento que deixariam de fazer a universidade. Então, não é só questão de número, mas de qualidade”. De acordo com o especialista, a perda de alunos é menor em um sistema mais centralizado de vestibulares.
O fato poderia também impactar bolsas de estudos. “Em aspecto de equidade, você tem um mecanismo objetivo que facilita na oferta de bolsas de estudo, como Prouni”, pontua Ernesto. Sem esse mecanismo, seria necessário criar um outro parâmetro para distribuição de bolsas – tanto no âmbito do governo federal, quanto no das instituições particulares que oferecem bolsas a partir do desempenho do Enem.
E embora o Enem tenha perdido seu caráter de avaliação da qualidade do Ensino Médio, ele ainda é um indicador de perfil e conhecimento dos alunos que estão ingressando no Ensino Superior. Com uma avaliação descentralizada, é mais complexo fazer essa medição. “Ter uma métrica única te permite ter esse tipo de discussão”, diz o diretor do Iede.
De acordo com informações do Estadão, a alternativa avaliada pelo Inep seria imprimir o Enem na gráfica Valid SA, que ficou em terceiro lugar na licitação de 2016. Atualmente, a gráfica venceu a licitação deste ano para imprimir o Saeb. A informação não foi confirmada oficialmente pelo Inep. “É tudo muito vago”, diz Ocimar. “Uma gráfica falir ou uma prova vazar são situações que podem acontecer, mas é complicado quando não existe a sinalização de uma política educacional e nem do que será feito”, pondera o professor e pesquisador. Ernesto concorda: “Imagino que pudesse haver uma resposta mais clara sobre a impressão da prova, tranquilizando que está sendo encaminhado de determinada forma”.
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