Riscos do PL da Educação essencial
Os riscos por trás do PL que torna Educação serviço essencial
Inserir a Educação como serviço essencial poder interferir inclusive no direito de greve dos servidores da área
O PL indica ainda a proibição da suspensão das aulas presenciais inclusive durante o enfrentamento de pandemia, de emergência e de calamidade pública - Quim Drummond/SECOM Sete Lagoas.
Está tramitando no Senado o Projeto de Lei PL 5595/20 de autoria das deputadas Paula Belmonte (Cidadania – DF), Adriana Ventura (Novo – SP), Aline Sleutjes (PSL – PR) e do deputado General Peternelli (PSL – SP), aprovada na Câmara dos Deputados no dia 21 de abril, que visa reconhecer a educação básica e a educação superior, em formato presencial, como serviços e atividades essenciais.
O PL indica ainda a proibição da suspensão das aulas presenciais inclusive durante o enfrentamento de pandemia, de emergência e de calamidade pública, exceto se houver critérios técnicos e científicos justificados pelo Poder Executivo quanto às condições sanitárias do estado ou município.
É importante destacar que emendas foram acrescentadas ao projeto definindo princípios que visam garantir segurança no retorno às aulas presenciais, como a elaboração de protocolos sanitários, necessidades que não haviam sido consideradas inicialmente pelas parlamentares que o defendem, deixando claro que o objetivo central do PL é forçar o retorno às aulas presenciais a qualquer custo.
Entre os argumentos de defesa da proposta, evidencia-se uma pretensa comoção social com destaque para a preocupação com a alimentação inadequada das crianças das periferias por estarem afastadas da escola.
Com os pais destas crianças, que não têm com quem deixá-las para poderem trabalhar e que, geralmente, por terem uma baixa formação escolar, não têm condições de ajudar os filhos com as atividades remotas, assim como também lhes faltam o acesso tecnológico como computador e internet.
A proposta também define diretrizes e princípios decorrentes da estratégia para o retorno das aulas em caráter presencial que deverão ser pactuadas e desenvolvidas de forma colaborativa entre os entes da federação respeitando as orientações das autoridades sanitárias brasileiras, em especial, o Ministério da Saúde.
Começaram a sentir os riscos? Ótimo! Então, sigamos! Devem participar da definição dessa estratégia os órgãos responsáveis pela educação, saúde e assistência social.
Apresentada a proposta e o seu contexto, vamos aos riscos. Inicialmente devemos considerar que serviços ou atividades essenciais são necessidades inadiáveis, aquelas que, não atendidas, coloque em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
Esta definição consta na Lei 7.783/1989 que foi formulada após a Constituição Federal que instituiu o direito de greve e determina como este direito deve ser garantido para os trabalhadores e trabalhadoras destes serviços que não podem ser interrompidos sob qualquer circunstância.
São considerados serviços ou atividades essenciais: tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás de cozinha e combustível; assistência médica e hospitalar; distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; funerários; transporte coletivo; captação e tratamento de esgoto e lixo; compensação bancária, entre os mais gerais.
Cabe, portanto, ressaltar que se este projeto for aprovado pelo Senado, a educação passará a ser considerada um serviço essencial e os profissionais da educação passarão a ser enquadrados nos mesmos engessados, limitados e controlados direitos à greve que se aplicam aos demais trabalhadores e trabalhadoras destes serviços.
Entre as exigências necessárias para que possa ocorrer a greve, por exemplo, está a obrigatoriedade em garantir o oferecimento dos serviços indispensáveis, tonando-se, além do corte salarial, mais um empecilho para as mobilizações e lutas pela garantia de direitos outrora conquistados.
Dentre as inúmeras afirmações que constantemente temos que reforçar para que fique claro para nossos governantes e também para a sociedade que educação não é mercadoria, mais uma vez estamos diante do mesmo propósito, há um equívoco jurídico em querer enquadrar a educação como um serviço essencial.
“Educação não é um serviço, é um direito. Se é um direito, os sujeitos desse direito são o mais importante, e é dever do Estado garanti-lo. Mas, se for um serviço, as pessoas serão consumidoras, e o próprio serviço será mais importante do que seus usuários. É a lógica de que a oferta do serviço precisa ser feita mesmo que isso coloque em risco a vida das pessoas”, como muito bem tem afirmado a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UNB) e dirigente da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Catarina de Almeida Santos em suas entrevistas.
Não é necessário um vasto entendimento dos fatos para compreender o quanto é falacioso o discurso de preocupação social vindo de tais parlamentares, sobretudo, no que se refere a educação e a saúde.
As dificuldades enfrentadas nestas áreas são anteriores à pandemia e há muito tempo estamos chamando a atenção da sociedade para o desmonte da educação pública no Brasil.
Os defensores da PL 5595 são os mesmos que foram favoráveis a todos os cortes de verbas para a educação e para a saúde aprovados nos últimos anos. Para além das conclusões dos profissionais da educação que vivem no dia a dia a realidade escolar e que, portanto, a conhecem profundamente, estão aí os números para provar a atual situação em que se encontram as redes públicas de ensino hoje, com todas as suas deficiências, sejam elas, estruturais ou de recursos, humanos e materiais.
O último boletim do Dieese, publicado no dia 18 de maio, apresenta dados impressionantes. Entre todas as atividades econômicas, as que apresentam maior crescimento no número de desligamentos por morte estão: educação, com 106,7%, transporte, armazenagem e correio, com 95,2%, atividades administrativas e serviços complementares, com 78,7% e saúde humana e serviços sociais (agregado), com 71,7%.
As desigualdades sociais que assolam o país e que vêm se aprofundando e se tornando cada vez mais evidentes ao longo desse mais de um ano de pandemia no Brasil são marcadas pelo desemprego, aumento do preço dos alimentos e pela fome, isto não há como negar.
Portanto, não são apenas os alunos que estão passando por dificuldades nutricionais, as suas famílias também estão e não serão as escolas abertas que darão conta de solucionar os grandes desafios sociais impostos para momento atual.
É preciso rever o corte nos valores do auxílio emergencial, garantir cestas básicas para as famílias em situação de vulnerabilidade, rever os cortes das verbas da educação, para que se possa garantir a possibilidade de um retorno seguro no momento em que as condições sanitárias possibilitarem, e garantir mecanismos de acesso remoto para todos os estudantes enquanto a retomada não for possível.
A educação não pode ser responsabilizada e punida com o risco iminente de morte por conta de uma situação pandêmica que se estende e se agrava de forma descontrolada devido à falta de uma coordenação nacional de monitoramento e controle da pandemia no país, pela total irresponsabilidade de um presidente com o seu povo e com os povos de todo o planeta, ao minimizar a gravidade da doença e promover e incentivar aglomerações.
Estamos há mais de um ano sem a possibilidade de retorno às aulas presenciais porque as condições assim nos obrigam. Não podemos permitir que os maus gerenciadores da pandemia no Brasil queiram nos obrigar, num ato desesperado, a nos expor ao risco de vida no pior momento da pandemia.
Nos atentemos agora para o atual momento da pandemia no Brasil, segundo o último boletim do Observatório Covid 19 – Fiocruz, publicado no dia 12, referente ao período de 2 a 8 de maio, 13 estados estavam com a taxa de ocupação de leitos de UTIs considera crítica.
Houve uma ligeira queda no número de óbitos e também de internações, mas a taxa de novos casos apresenta um pequeno crescimento de 0,3% ao dia. No entanto, este não é o ponto central, devemos nos atentar, o que é realmente preocupante é que uma nova explosão de casos (terceira onda) no patamar epidemiológico atual, que permanece elevado, seria catastrófico, segundo o Observatório Covid 19.
Devemos lembrar também que epidemias, ou pandemias, como no caso, apresentam padrões definidos que podem ser simulados matematicamente. No início da pandemia, estas simulações eram bastante difundidas e vale a pena lembrar que as estimativas mais otimistas para o Basil giravam em torno de 500 mil mortos podendo chegar a valores como 1 milhão ou mais considerando que pouca ou nenhuma ação de contingenciamento fosse realizada.
Pois bem, estamos caminhando para os 500 mil mortos, com uma imensa lentidão no processo de vacinação, taxas de isolamento pouco eficazes, negação por parte de muitos governantes em encarar a realidade dos números.
Para atingirmos patamares realmente seguros, medidas eficientes de isolamento precisam ocorrer em todo o país. Enfim, não sabemos o que esperar para os próximos meses, mas as análises dos dados e as constantes advertências das instituições de referência científica na área devem nos deixar bastante cautelosos quanto ao futuro da pandemia no Brasil.
Nós, professores, gestores, funcionários, alunos e todos os familiares envolvidos estamos diante de uma situação de termos que manter as aulas presencias independentemente do que possa vir a ocorrer.
Agora, em termos mais diretos, não é novidade para ninguém, os ataques que o presidente Bolsonaro tem feito nas mídias contra os governadores e prefeitos que implementam medidas restritivas e de isolamento mais severas de acordo com o agravamento da pandemia em suas localidades.
Ao aprovar esse PL, o fechamento das escolas em situação de grave risco de contaminação só poderá ocorrer diante de justificativas apresentadas pelo poder executivo local, lembrando que as orientações a serem respeitadas serão desenvolvidas pelas autoridades sanitárias, em especial, o Ministério da Saúde.
Se o Ministério da Saúde se encarregar de suprir os insumos necessários em caso de colapso do sistema de saúde dos estados e municípios, sabendo que tal Ministério, assim como o da Educação, é gerenciado por defensores das posições de um governo neofascista, qual será o gestor que ousará fechar as escolas do seu município ou estado?
Basta lembrar que João Dória recuou de uma bandeira do Plano São Paulo considerada emergencial para uma bandeira de transição, flexibilizando algumas atividades comerciais quando estava a ponto de recolher ao Ministério da Saúde para o suprimento dos kits de intubação.
Em mais de um ano de pandemia, o que presenciamos foi a total inoperância dos Ministérios da Saúde e Educação no que tange a respostas rápidas e eficientes com relação a pandemia, acompanhamos uma série de denúncias envolvendo o Ministério da Saúde por promover ações contrárias às recomendações aprovadas cientificamente.
E agora, tais Ministérios assumirão a coordenação nacional referente a abertura e fechamento das escolas em todo o país, caso o PL5595/20 seja aprovado no Senado. Diante de tudo que vimos até aqui, é possível dar este voto de credibilidade e confiança a tais gestores ministeriais neste momento?
Só há uma saída, os profissionais da educação e toda a sociedade devem se engajar nas campanhas contra a aprovação do PL5595/20 pressionando os senadores se, de fato, o nosso compromisso for a preservação da vida.
*Regiane Beltran Fernandez é professora da Rede Municipal de São Paulo e de Guarulhos, militante da Consulta Popular e integrante do coletivo Educadoras e Educadores do Projeto Popular.