Salário-maternidade para pai adotante
Salário-maternidade é devido para pai que adotou adolescente de 12 anos
Neste artigo, entenda a decisão da Justiça no caso do pai que conseguiu o salário-maternidade ao adotar um adolescente.
Uma importante decisão do Judiciário na região Sul do Brasil, autorizou a concessão de salário-maternidade para um pai que adotou uma criança maior de 12 anos.
O tema pode causar surpresa à primeira vista pela concessão de “salário maternidade” ao pai, principalmente para quem não transita cotidianamente com o avanço normativo inserido em nosso ordenamento jurídico. Entretanto, tal cenário felizmente é uma realidade em nossa sociedade, que vem fazendo justiça e permitindo a cobertura do seguro social aos vários modelos familiares estabelecidos.
A novidade com a decisão é a posição adotada pela Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais da 4ª Região que indeferiu pedido do INSS, por meio de incidente regional de uniformização da jurisprudência, que pretendia que fosse negada a concessão do benefício previdenciário (processo nº 5030521-73.2019.4.04.7000/PR).
O pai adotante, em 2019, requereu ao INSS o benefício de salário-maternidade após a adoção de uma criança de 12 anos. O instituto indeferiu o pedido sob o argumento de que o adotado seria considerado “adolescente” pela lei e, desse modo, não seria possível conceder o salário-maternidade a este pai.
O pai recorreu à Justiça de 1ª instância no Paraná (8ª Vara Federal de Curitiba), que determinou ao INSS a concessão de salário-maternidade por 120 dias ao autor.
O INSS seguiu recorrendo e após confirmação pela 4ª Turma Recursal do Paraná promoveu recurso à TRU, alegando divergência de entendimento entre a Turma Recursal do Paraná e a 2ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul, que em decisão prévia, havia considerado que, a partir de 12 anos, uma pessoa seria considerada adolescente e, dessa forma, não seria possível o pagamento do salário-maternidade.
A decisão combatida pelo INSS pretendia emplacar a tese de que o benefício só seria adequado para adotantes de menores de 12 anos, isso porque a lei previdenciária de benefícios (8213/91) utiliza em seu texto a palavra “criança”, vejamos:
Art. 71-A. Ao segurado ou segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias. (grifo nosso)
Nesse sentido, o INSS utilizando a definição do art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), prevista na Lei 8.069/90, argumentava que a partir de 12 anos o indivíduo é considerado adolescente.
Entretanto, o relator do processo na Turma Regional de Uniformização, juiz federal Eduardo Fernando Appio, afastou o argumento trazido pelo INSS analisando o porquê de existir a distinção no ECA entre criança e adolescentes:
“Em que pese o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei8.069/90), em seu artigo 2º, discipline e diferencie criança de adolescente (considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade), o próprio artigo segundo informa que tal diferenciação aplica-se para os efeitos desta lei, isto é, Lei 8.069/90.
Da leitura da Lei 8.069/90 percebe-se que tal diferenciação aplica-se especialmente no que diz respeito sobretudo ao encaminhamento de medidas na hipótese de prática de ato infracional, pois somente sofrerão medidas sócio-educativas ao adolescente, pois, à criança, haverá uma série de outros procedimentos de acompanhamento caso haja a prática de fato típico e antijurídico por pessoa menor de doze anos.
Desta feita, entendo que para os demais efeitos, inclusive previdenciários, não há fazer diferenciação entre a criança e o adolescente sob pena de afronta aos direitos fundamentais, dentre eles, o direito social ora debatido e de outros direitos”
Por fim, o juiz declarou que “restringir o direito ao recebimento de salário-maternidade ao adotante de adolescente seria contrariar a Convenção sobre os Direitos da Criança pelo Decreto nº 99.710/1990, pela qual o Brasil reconhece que pode ser considerado como criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes, nos termos do art. 1º do referido decreto”.
A decisão revela a disputa diária entre as normas de proteção existentes em nosso ordenamento jurídico e ativadas pela população e a posição do Estado em combater o que poderia ser “excesso” nos termos da lei.
A perseguição pelo Estado do “excesso”, como temos abordado neste espaço, será sempre encorajada pela sociedade quando se busca “fechar o cerco” diante das fraudes aos sistema e não tentar reduzir o campo de proteção dos cidadãos.
Escrito Por KARINA ALVES
Doutoranda em Direito do Trabalho pela USP, Mestre em Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e Bacharel em Direito pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Professora convidada no curso de pós-graduação em Direito do Trabalho na Fundação Instituto de Ensino para Osasco (Unifieo), membro associada do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário e do Núcleo de Memória dos Direitos Humanos da OAB/SP. Sócia responsável pela área de Direito do Trabalho e previdenciário (benefícios) do TSA.