Salário mínimo sem aumento real
Saiba por que o salário mínimo do Brasil está entre os mais baixos do mundo
Em meio a uma crise social e econômica, pelo terceiro ano seguido Bolsonaro reajusta o salário mínimo sem aumento real
Sem aumento real, salário mínimo no Brasil permite comprar apenas 1,73 cesta básica
- Foto: Giorgia Prates
Começa mais um ano e, diante de uma crise financeira que faz com que 27,7 milhões de pessoas no Brasil estejam vivendo abaixo da linha da pobreza, os olhos e os bolsos dos trabalhadores se voltam ao anúncio do reajuste do salário mínimo.
Pelo terceiro ano seguido, no entanto, o governo Bolsonaro (PL) alterou o valor do salário mínimo apenas com o que é obrigatório pela Constituição: o reajuste de acordo com a inflação anual acumulada (medida pelo INPC, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor).
Na prática, significa que não há aumento real no poder de compra. A partir desse mês de janeiro, o novo salário mínimo passou de R$ 1.100 para R$ 1.212.
Na realidade, esse valor ficou ainda mais baixo do que a inflação. O cálculo do governo, feito a partir de estimativas traçadas em dezembro, foi em cima de um índice menor do que o resultado oficial do INPC divulgado nesta terça-feira (11). Por causa disso, o reajuste do salário mínimo está, na verdade, 0,14 ponto percentual abaixo da inflação.
Isso porque, embora o reajuste nominal do mínimo tenha sido de 10,19%, contra uma inflação de 10,16%, conforme nota técnica do IBGE publicada quando o novo salário foi anunciado, este índice de reajuste incluía um valor residual que não havia sido reposto quando o mínimo tinha sido reajustado, no início de 2021. Para efetivamente repor a inflação, o valor para 2022 deveria ser de R$ 1.213,54.
Questionado sobre essa defasagem, o Ministério da Economia afirmou ao Brasil de Fato que "há incerteza inerente às estimações" e que essa correção virá apenas no reajuste do ano que vem. É a segunda vez consecutiva que isto ocorre.
Antes desses dois anos em que o aumento real foi exatamente 0%, em fevereiro de 2020 o governo reajustou a remuneração mínima com pífios 0,3% acima da inflação.
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E assim, em comparação com os 35 países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil figura como o segundo país com o menor salário mínimo.
O estudo divulgado pela plataforma CupomValido a partir de dados do OCDE e do World Bank sobre a remuneração de trabalhadores no mundo mostra que a Austrália é a que oferece o melhor salário mínimo e o México, o pior, com o Brasil vindo logo em seguida.
Política de desvalorização do salário mínimo
Desde que assumiu, o presidente Bolsonaro vem seguindo à risca o abandono da política de valorização real do salário mínimo defendido por seu ministro da Economia, Paulo Guedes.
Em setembro de 2020, Guedes – cuja política econômica fez engordar suas contas em paraíso fiscal nas Ilhas Virgens - chegou a afirmar que é preciso ter “cuidado” ao fazer esse tipo de ajuste, já que o aumento do salário mínimo poderia condenar pessoas ao desemprego.
Conforme explica a economista e doutora em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, Juliane Furno, a ideia vocalizada por Guedes é a de uma perspectiva liberal econômica.
"Por exemplo, em períodos de crise como o que a gente está vivendo, a existência de um salário mínimo seria um impeditivo para que mais pessoas adentrassem no mercado de trabalho, porque existem pessoas dispostas a trabalhar e a contratar, mas essas dispostas a contratar não poderiam pagar o mínimo, e as que estão dispostas a trabalhar se disporiam a trabalhar por menos que o mínimo", ilustra Furno.
Para a economista, no entanto, essa correlação "é um mito": "No período em que vigorou a política de valorização do salário mínimo o desemprego chegou em sua menor marca histórica. E a informalidade cedeu também".
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O atual cenário brasileiro, em que o salário mínimo tem o poder de comprar apenas 1,73 cesta básica, é resultado de escolhas políticas e econômicas que se arrastam há anos.
Antes de Bolsonaro, o governo de Michel Temer (MDB) – se somarmos os reajustes de janeiro de 2017, 2018 e também de 2019 (já que este foi definido ainda na gestão do emedebista) - aumentou o salário mínimo em 0,79% acima da inflação.
Durante as gestões petistas que o antecederam, somando os governos de Dilma Rousseff e de Luiz Inácio Lula da Silva (entre abril de 2003 e janeiro de 2016), o índice teve um aumento real de 59,21%.
Como resultado se estabeleceu que, para além da correção de acordo com a inflação, o reajuste da remuneração mínima no país teria anualmente um crescimento real. O seu cálculo levava em conta o PIB (Produto Interno Bruto) do país e a antecipação da data-base (revisão salarial e das condições de trabalho fixadas em acordos, convenções ou dissídios coletivos).
O modelo para calcular o reajuste do salário mínimo com essa valorização foi transformado em lei pela gestão de Rousseff, com vigência entre 2015 e 2018. Em seguida, foi abandonado.
"Foi muito importante essa política de valorização do salário", avalia Furno, ao argumentar que entre 2003 e 2014 o ganho real na remuneração mínima foi de 74%. "Se levava em consideração que, para além de não terem perda pelo processo inflacionário, os trabalhadores - como são quem produz a riqueza social - deveriam se beneficiar do ganho econômico", descreve.
Na visão de Furno, essa foi "a principal política social dos governos Lula e Dilma", pois em sua opinião "reduziu não só a desigualdade funcional da renda, mas também as desigualdades de raça e gênero, já que a maioria dos trabalhadores que recebem salário mínimo são os mais pobres. E a pobreza no Brasil é essencialmente negra e feminina".
"O salário mínimo é também o piso de referência dos benefícios da seguridade social, além de ser um instrumento importante de regulação macro-econômica", elenca Juliane Furno, ao destacar que o cenário atual estaria ainda pior caso a política de valorização do salário mínimo não tivesse existido. "Infelizmente está sendo desmontada", aponta.
Atualmente, conforme mostra o Dieese, esse poder de compra que permite a um trabalhador que recebe R$1.212 por mês adquirir menos que duas cestas básicas é o menor da média entre 2008 e 2020.
* Com colaboração de Lucas Pará.
Edição: Vinícius Segalla