Saldo positivo nas mudanças do NEM
Especialistas e entidades apontam saldo positivo nas mudanças apresentadas para o Novo Ensino Médio
Entregue ao Congresso na terça-feira (24), proposta de alterações foi construída ao longo do ano
25.10.2023 ISABELLA SANDER
Construído a muitas mãos, o texto do projeto de lei (PL) que propõe mudanças no Novo Ensino Médio foi concluído e entregue nesta terça-feira (24) para apreciação do Congresso. Apesar de apresentarem ressalvas, especialistas e entidades ouvidas pela reportagem de GZH veem o saldo do resultado final como positivo.
Após protestos encabeçados por estudantes e professores, a revogação da reforma implementada desde 2022, o governo federal decidiu fazer uma consulta pública para receber contribuições da sociedade civil sobre o que deveria ser modificado no Novo Ensino Médio. A proposta finalizada na terça é fruto desse levantamento, que teve mais de 11 mil respondentes, além de sete documentos com análises de 16 entidades e a participação de 180 estudantes durante encontro em Brasília.
Nesta quarta-feira (25), o clima da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) era de comemoração. Liderando mobilizações contrárias à reforma desde 2016, a instituição considera o resultado final do projeto de lei como uma vitória concretizada a partir da luta de muitas gerações de alunos.
— Hoje, a gente pode avistar cada vez mais próxima uma vitória mais concreta. Com a apresentação desse PL, a gente tem o símbolo do fim desse pesadelo que foi o Novo Ensino Médio, e a aproximação de uma nova esperança para a nossa juventude — celebrou Hugo Silva, diretor da Ubes.
No entendimento do representante da entidade, a reforma contribuiu para o aumento da evasão escolar e para a perda de vontade de estudar por parte dos jovens. Em um contexto de pandemia, que aprofundou a desigualdade social, ele considera que problema foi ainda maior.
— A nossa galera, que está na escola, precisa trabalhar, e aí, quando olha para a escola, vê o Novo Ensino Médio, que não oferece nada de vantajoso para os estudantes. Isso acaba fazendo com que os estudantes brasileiros percam a esperança de estar ali, naquele ambiente escolar — pontua Hugo.
Mais tempo para a formação básica
Entre os principais avanços com a nova proposta, para a Ubes, está a devolução da carga horária mínima de 2,4 mil horas, de um total de 3 mil, para a Formação Geral Básica (FGB) – a parte do currículo comum a todos os estudantes – ao longo dos três anos da etapa. Atualmente, o tempo ocupado por essas disciplinas é de, no máximo, 1,8 mil horas, o que a entidade entende não ser o suficiente para construir uma aprendizagem adequada aos estudantes.
Pesquisadora sobre o Novo Ensino Médio pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ângela Chagas diz que sua avaliação inicial sobre as mudanças é positiva, e entende a recomposição da carga horária antiga destinada à FGB como fundamental para garantir o sentido do Ensino Médio como etapa final da Educação Básica.
— Desde 2016, os pesquisadores têm alertado para os efeitos desse estreitamento curricular e, na pesquisa de campo nas escolas da rede estadual do Rio Grande do Sul, observei como isso se processa na prática: se reduz o espaço para os conhecimentos científicos e culturais consolidados na sociedade para a inserção de componentes curriculares fragmentados e ofertados de forma precária. O resultado é o aprofundamento das desigualdades educacionais — destaca a doutoranda.
Para Ângela, é interessante manter 600 horas para a parte diversificada do currículo, mas a construção disso precisa ser feita com as escolas, com a participação de estudantes e educadores, já que “nenhuma reforma curricular tem resultado quando é imposta de cima para baixo”.
Docente da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e integrante do grupo de pesquisa “Currículo, memórias e narrativas em Educação”, Éder da Silva Silveira afirma que a proposta incorpora parcialmente algumas pautas e críticas feitas por entidades e movimentos sociais ao Novo Ensino Médio, como a eliminação ou diminuição da carga horária das disciplinas da FGB, e a delimitação de quatro percursos formativos possíveis, em vez do número elevado existente hoje, para combater a excessiva fragmentação da parte diversificada do currículo. No entanto, pontua que esta é uma “reforma da reforma”, e não sua revogação, algo que foi defendido pelas principais entidades e grupos de pesquisa da área.
— Por mais que seja importante, neste momento, aprovar esses principais pontos trazidos pelo PL e resgatar algumas condições mínimas de possibilidade de salvaguardar o acesso os conhecimentos básicos das áreas de referência, é importante salientar que isso não será suficiente para enfrentar problemas históricos do Ensino Médio público, e que não se reduzem às questões curriculares — sinaliza Silveira.
Necessidade de políticas multidimensionais
Na visão do pesquisador, a proposta é um “remédio paliativo importante”, mas que não enfrenta as verdadeiras causas dos problemas existentes. Silveira aponta que são necessárias políticas educacionais multidimensionais, que fortaleçam a escola pública e sua autonomia e universalizem o Ensino Médio, enfrentando os altos índices de evasão nessa etapa e garantindo a permanência e a conclusão de jovens de diferentes classes sociais, o que “exige políticas sociais e políticas de valorização dos professores, de sua carreira e das instituições escolares”.
É nessa linha que segue, também, o presidente do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS), Oswaldo Dalpiaz, que acredita que, se não houver mudanças na forma de criar os modelos educacionais e melhores investimentos na infraestrutura e na capacitação, nenhum modelo terá sucesso.
— O sucesso virá a partir de um novo modelo, mas muito mais a partir de uma nova atitude de encarar a educação. Com esse descontentamento, falta de motivação dos alunos, dificuldade de disciplina e de relações entre alunos, pais e professores, nunca vamos melhorar a nossa educação. É um conjunto de elementos associados: proposta boa, investimento bom, capacitação boa e modelo de relações bom. Aí, você tem mudança na educação. Mas só alterar o modelo não permite outros resultados a não ser o que estamos tendo — defende Dalpiaz.
O presidente do Sinepe/RS observa que as escolas privadas investiram muito na adaptação de suas estruturas à reforma, e que terão de fazê-lo mais uma vez agora, mas que incomoda o sentimento de que o projeto educacional será de governo, e não de Estado:
— As escolas privadas vão sentir, mas têm capacidade organizacional e financeira de se adaptar, em algum tempo, a essas mudanças. Mas, na escola pública, não haverá mudança nos resultados, se esse projeto continuar sendo aplicado da mesma maneira.
Flexibilidade mantida
Presidente executiva do Todos Pela Educação, Priscila Cruz ressaltou, em entrevista ao Gaúcha Atualidade, que, apesar das mudanças, a reforma se manteve em sua essência, que é manter uma parte fixa para todos os alunos e outra variável, o que considera positivo.
— Isso permite uma flexibilidade maior do Ensino Médio, que é o que a gente vê em grande parte dos países, porque, como etapa final da Educação Básica, é muito importante que o Ensino Médio seja capaz de se adaptar às mudanças, porque essas mudanças vão ser cada vez mais rápidas. Você ter um currículo fixo de todas as horas do Ensino Médio para todos os alunos, todo mundo igualzinho, não faz o menor sentido — defende Priscila.
Por outro lado, a presidente executiva chama a atenção para o fato de o texto do PL não apresentar o mínimo de carga horária para a parte flexível do currículo, o que pode gerar confusões. A expectativa é de que isso seja discutido e detalhado no Congresso.
Priscila entende como um avanço, também, a proposta de vedação da oferta dos componentes curriculares da FGB na modalidade de educação a distância (EAD), sendo possível apenas em contextos específicos nos percursos de aprofundamento.
— A gente acabou de passar por uma pandemia, a gente viu que o ensino remoto não funciona. Ele pode ter uma serventia para algumas atividades, como a sala de aula invertida: você estuda em casa com vídeos, textos, mas, depois, você vai para a sala de aula, interage com colegas e professores para poder fixar, modificar, analisar tudo aquilo que você aprendeu sozinho. Mas não faz sentido você dar tanto espaço para o EAD — analisa.
Próximos passos
Agora, o projeto de lei segue para a deliberação da Câmara dos Deputados e, se aprovado, avança para o Senado Federal. A proposta foi enviada em regime de urgência, mas essa modalidade, que visa dar celeridade ao processo, será avalizada ou não pelo presidente da Casa.
Depois de tramitar em ambos os parlamentos, podendo passar por modificações, caso seja aprovado, o texto vai para sanção do presidente da República. Não há prazo para que toda essas etapas sejam cumpridas.
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