Saúde mental do professor

Saúde mental do professor

Saúde mental do professor: como lidar com a sobrecarga no fim do semestre?

Planejamento, autocuidado, redes de apoio e o suporte da escola ajudam a prevenir e combater o esgotamento comum aos professores nesse período

Por Thais Paiva   12/06/2025

 

Na reta final do primeiro semestre letivo de 2025, a pressão sobre os professores aumenta. Entre pilhas de provas para corrigir, prazos para lançamento de notas, reuniões pedagógicas e o planejamento do próximo semestre, a rotina ganha um ritmo intenso – e  tudo isso em meio ao desgaste acumulado ao longo dos últimos meses. É nesse cenário que sintomas de estresse, ansiedade e esgotamento físico e mental se tornam cada vez mais comuns.

“A profissão de educador está entre as mais estressantes do mercado de trabalho conforme mostram os índices relativos a afastamentos por motivos de saúde, tanto física quanto mental”, afirma a psicóloga e pedagoga Ana Carolina D' Agostini, que atua como consultora de projetos que desenvolvem competências socioemocionais.  

Uma pesquisa realizada pela NOVA ESCOLA, ainda em 2018, com mais de 5 mil educadores, revelou que 66% dos professores já precisaram se afastar do trabalho por questões de saúde física ou mental. Entre os respondentes, 68% relataram sofrer de ansiedade, 63% de estresse ou dor de cabeça, 39% de insônia e 28% de depressão. Esses dados mostram a sobrecarga emocional que marca a profissão. O quadro, segundo especialistas, é agravado por fatores como o acúmulo de funções – atuar em várias escolas ou turmas – a desvalorização profissional e o envolvimento emocional constante exigido na relação com os alunos.

Quando o foco é o fim de um semestre, os docentes precisam ainda lidar com a pressão por resultados e uma série de demandas burocráticas. “Um aspecto importante é a normalização do cansaço que acontece nesse período. A pressão é comum e compartilhada entre todos, não é uma falha pessoal ou falta de competência. A sobrecarga e o cansaço são uma questão da classe profissional”, pontua Ana Carolina. 

Em busca de harmonia

Apesar do quadro complexo e multifatorial, os educadores podem enfrentar esse período crítico de final de semestre sem abrir mão da saúde mental. Buscar redes de troca para o desenvolvimento socioemocional –  como espaços para expressar angústias, pedir apoio e se ajudar coletivamente – e para a escuta ativa da comunidade escolar, entre outras estratégias, são caminhos para ambientes de trabalho mais equilibrados do ponto de vista do bem-estar de todos. “Vale ressaltar que isso não significa ausência de conflito ou de sofrimento no espaço escolar, mas a busca, de forma constante, por um equilíbrio”, distingue Ana Carolina.

Para Priscila Tobias, psicóloga escolar e professora universitária, é possível falar em duas frentes de atuação para mitigar a sobrecarga nesse período: uma liderada pela escola, representada, sobretudo, pela figura do gestor, e outra encabeçada pelo próprio professor enquanto responsável pelo cuidado de si. A escola pode ser esse ambiente facilitador do cuidado quando o gestor assume a posição de promotor dessa rede de proteção, colocando a saúde mental docente como algo a ser desenvolvido e resguardado.

“Quando  a gente pensa em saúde mental, se fala muito em sono, alimentação, lazer e tudo isso é muito importante mesmo. Mas há aspectos como o senso de pertencimento àquele espaço, de sentir-se ouvido e valorizado e da qualidade das relações que também são essenciais”, complementa Ana Carolina.

A saúde mental docente pode aparecer, inclusive, no Projeto Político Pedagógico (PPP)  da escola como um eixo transversal para o desenvolvimento das ações pedagógicas e institucionais. "A instauração de práticas de escuta ativa, espaços regulares de acolhimento, formações continuadas sobre autocuidado e bem-estar, além do fortalecimento de vínculos entre os profissionais da Educação são formas de contemplá-la no PPP", diz Priscila. Dessa forma, a escola também se compromete a incluir ações socioemocionais preventivas no seu cotidiano como parte do compromisso institucional de humanizar as relações e valorizar o trabalho docente.

Planejamento e a cultura do cuidado

Do ponto de vista prático e a curto prazo, organização pessoal e planejamento antecipado são boas estratégias para lidar com a sobrecarga de final de semestre. Ana Carolina sugere que os professores façam alguns questionamentos para orientar a reflexão sobre esse momento.“Quais são as prioridades do final de semestre versus o que seria interessante, mas que pode ficar para outro momento? O que precisa ser feito por mim e o que pode ser delegado? O que pode ser feito de forma coletiva, com ajuda dos colegas?”, exemplifica. 

Para que o fim do semestre não seja sinônimo de esgotamento ou tensão, Priscila indica que o planejamento da rotina preveja pausas regulares para o autocuidado. Com o apoio da equipe escolar – com cronogramas bem distribuídos, comunicação clara e ações de acolhimento –, os docentes podem ter o que ela chama de “ilhas de descanso”. São pequenas pausas diárias que permitem ao cérebro e ao corpo se reorganizarem. 

As especialistas salientam ainda a importância da escola desenvolver um plano de intervenção que tenha começo, meio e fim. “Acredito que falar de saúde mental para a comunidade escolar é a criação de uma cultura, e não se cria uma cultura do dia para a noite. Como gestor, eu preciso pensar nas etapas para que isso aconteça, desde as pequenas ações, como materiais a serem enviados para a família e a criação de grupos de alunos acolhedores, até como envolver as redes interdisciplinares de serviço e saúde”, aponta Ana Carolina.

Bem-estar docente

Confira algumas práticas para aliviar a sobrecarga de final do semestre

  • Faça pausas regulares ao longo do dia: elas ajudam a manter o foco e evitam o esgotamento.

  • Mantenha uma rotina de exercícios físicos: mesmo caminhadas curtas já fazem diferença.

  • Cuide do sono: dormir bem é essencial para restaurar o corpo e a mente.

  • Alimente-se de forma equilibrada, com atenção à qualidade dos alimentos e aos horários das refeições.

  • Inclua práticas integrativas na rotina: abordagens terapêuticas que buscam tratar o indivíduo de forma holística, como meditação e reiki, ampliam as possibilidades de cuidado e bem-estar.

  • Reconheça seus limites de tempo e energia. Aprender a dizer "não" quando necessário é um ato de autocuidado.

  • Fomente o senso de comunidade com os colegas: compartilhar vivências, soluções, dividir tarefas e angústias ajudam a dar a dimensão de que ninguém está sozinho.

  • Organize-se. Listas ou linhas do tempo podem ajudar no gerenciamento das demandas, tornando mais visível o que é prioritário e o que pode ser postergado. Nesse aspecto, as tecnologias podem ser grandes aliadas.

  • Identifique suas fontes de energia e de cansaço e busque um equilíbrio entre as atividades do dia a dia.

  • Tenha momentos de lazer que não envolvam o trabalho. A profissão pode ser fonte de prazer, mas é fundamental criar espaços de desconexão.

Atendimento psicológico e novas tecnologias

Na rede municipal de Arabutã (SC), está sendo criado o projeto “Professor Zen”, por meio do qual pequenos grupos de professores vão conversar com psicólogos durante o período de trabalho para falar sobre suas demandas emocionais. A ideia é que seja feito um mapeamento das principais questões para que elas possam ser encaminhadas não só pela gestão escolar, mas pela Secretaria de Educação. 

“Hoje, as crianças que estão na escola são outras [de uma geração diferente], e a demanda dos educadores é muito grande, não só dos professores, mas de todos os funcionários. Então, a proposta é trabalhar a parte socioemocional dos profissionais”, conta a secretária de Educação Edenice Carina Rauschkolb Patzlaff.

Embora a Lei nº 13.935, de 2019, tenha instituído a obrigatoriedade de serviços de psicologia e serviço social nas redes públicas de Educação Básica de todo o país, dados do Censo Escolar de 2024 mostram que apenas 12% das escolas públicas contam com ao menos um psicólogo em seu quadro. “Infelizmente, quando se olha para o Brasil, as práticas em prol da saúde mental do professor não são integradas ou encaradas enquanto política pública. Elas aparecem mais como ações localizadas de secretarias e escolas”, lamenta Ana Carolina.

Além dos atendimentos, a secretaria de Arabutã vem apostando na utilização das novas tecnologias para otimizar processos e assim aliviar a sobrecarga docente. “Trabalhamos como os professores podem usar as tecnologias a seu favor, no sentido de terem mais tempo. Abordamos a Inteligência Artificial, entre outras questões, que podem facilitar a organização, o trabalho e a vida dos docentes”, acrescenta Edenice. 

Cuidado contínuo

Na perspectiva da gestão, investir em formação docente é outra dimensão que pode fazer a diferença. “Formação continuada é diferente de palestra motivacional. A formação é uma trajetória, um processo reflexivo. Precisamos humanizar a Educação, entendendo que professor e diretor também adoecem, também têm sintomas ligados à sobrecarga”, destaca Priscila. 

Não raro os professores podem ter medo de retaliação ao admitirem que estão desmotivados e sobrecarregados quando deveriam pedir ajuda e receber apoio. Por isso, a importância de levar o tema para as reuniões pedagógicas. “Não é isso que os gestores pedem para eles identificarem nos alunos? Para identificar momentos de dificuldade para que possam fazer intervenções? A gestão tem que fazer o mesmo com seus docentes”, recomenda Priscila.

 

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