Saúde mental dos professores piorou

Saúde mental dos professores piorou

Pesquisa revela que saúde mental dos professores piorou em 2022

Docentes e instituições buscam estratégias para driblar os impactos deixados pela pandemia de covid-19

Por  Thaís Lyra     10/10/2022

Crédito: Getty Images

 

Olhando de fora parece que tudo voltou à normalidade: alunos sentados em suas carteiras e professores à frente da sala de aula, como se a covid-19 tivesse ficado lá atrás. Embora pareça um problema do passado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) ainda não decretou o fim da pandemia e, por tudo o que representou para o planeta, seus reflexos continuam presentes em todos os setores da sociedade, incluindo a Educação.

É o que mostra a Pesquisa Saúde Mental dos Educadores 2022, realizada por NOVA ESCOLA em parceria com o Instituto Ame sua Mente, que procurou analisar os efeitos da pandemia na saúde mental dos docentes. Com participação de mais de 5 mil profissionais entre professores e gestores de todos os estados do país e do Distrito Federal, sendo 84,6% deles oriundos da rede pública, o levantamento revela que o número de educadores que consideram sua saúde mental “ruim” ou “muito ruim” aumentou em relação ao ano passado: de 13,7% para 21,5%. Em 2020, esse indicador havia ficado em 30,1%.

Entre as consequências negativas da pandemia mais citadas destacam-se sentimentos intensos e frequentes de ansiedade (60,1%), seguidos por baixo rendimento e cansaço excessivo (48,1%) e problemas com sono (41,1%). Há, ainda, outros problemas apontados como dificuldade de socialização e isolamento, sensação de tristeza e aumento no consumo de psicoativos e álcool.

Para lidar com tanta pressão, são diversas as maneiras encontradas, mas duas respostas se destacam: fazer atividade física ou ao ar livre (40,4%) e manter-se conectado com amigos e familiares que oferecem apoio emocional (36,8%). São mencionados ainda cuidar do sono, da alimentação, busca por terapias alternativas, buscar apoio em grupos religiosos ou espirituais e tratamento com profissionais de saúde.

Sobre este último aspecto, apenas 7,1% dos participantes contam com apoio médico e psicológico para enfrentarem seus problemas. Já 70% não têm nenhum tipo de suporte. Porém, houve um aumento na proporção de educadores que relatou ter algum tipo de apoio advindo da própria escola ou de fora dela comparado à pesquisa de 2021: 36,5% este ano ante 21,9%, ano passado.

Ainda assim, o levantamento realizado pela NOVA ESCOLA mostrou que 52,3% dos respondentes nunca participaram de formação ou capacitação em saúde mental, já 33,2% estiveram em alguma palestra, oficina ou seminário, 7,4% fizeram curso com mais 8 horas de duração e 7,1%, com menos de 8 horas.

Motivação para se reinventar

Educadora física com mais de 25 anos de experiência, Ligia Ferreira Benate Gonçalves, 45 anos, moradora de Franca, interior de São Paulo, foi colocada à prova na pandemia. Ela foi uma das participantes da pesquisa de 2021 e também de 2022 e contou como o momento turbulento transformou sua maneira de pensar e lecionar. “Quando tudo começou, estava como formadora e dava suporte para os outros professores da rede municipal e foi um grande esforço mantê-los motivados para que eles conseguissem passar isso para os alunos nas aulas on-line”.

No caso da Educação Física, o trabalho foi grande, afinal, trata-se de uma disciplina que não combinava com o isolamento imposto pela covid-19. “Claro que isso mexeu comigo e com todos e a gente percebia isso. Na volta às aulas, no modelo escalonado, era complicado. Tinha o uso da máscara, o distanciamento”, lembra.

Segundo ela, tanto professores quanto alunos tiveram a autoestima e a motivação impactadas. “Foi muito tempo em casa e depois tive que trabalhar esses recursos para que, coletivamente, tudo voltasse a funcionar. Ainda estamos no meio do processo, mas creio que a pandemia serviu para modificar uma série de coisas, trazer a tecnologia para a nossa vida, por exemplo. Tivemos que nos reinventar em sala de aula”, reflete.

Desafios a serem superados

Na opinião de Maria Aparecida Jardim Carvalho, de 58 anos, que está há seis anos no magistério da rede municipal de Lorena, também interior de São Paulo, o período trouxe inúmeras transformações.

“Sou uma pessoa afetuosa e não poder fazer isso mexeu comigo. Gosto de estar próximo dos alunos. Com a volta para a escola, me surpreendi com os alunos, que falavam da máscara, do álcool gel e da própria doença. Todo mundo amadureceu. Aliás, eu acho que dar aulas é mais do que ensinar, é aprender sempre e na pandemia isso ficou muito claro”, diz a educadora.

Para ela, o contexto da pandemia deixou impactos que vão levar tempo para serem superados e que, para isso, é necessário mais professores, mediadores e estrutura – inclusive no que diz respeito à saúde emocional da comunidade escolar. “Todas as pessoas do meu grupo tomam algum ansiolítico. Eu passei a tomar para aguentar a carga toda porque o que vivemos reflete dentro de casa, no nosso comportamento social, com marido, filhos. Converso com os colegas e a maioria não vê a hora de se aposentar, chegar o final de semana”, lamenta.

Professores precisam ser ouvidos

Para Naiana Dapieve Patias, docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e coordenadora do Núcleo de Estudos em Contextos de Desenvolvimento Humano: Família e Escola (Nedefe), algo que faltou durante a pandemia precisa mudar: ouvir os professores. “Existia uma preocupação muito grande em ouvir pais e alunos. Mas e os professores? Nos inúmeros decretos sobre volta às aulas no modelo híbrido e presencial, os professores não foram ouvidos como deveriam”, diz.

Buscando reverter este quadro, desde 2020, um projeto de extensão da UFSM intitulado Trabalho e Saúde Mental dos Professores Durante e Após a Pandemia da Covid realiza ações interventivas nas escolas com foco na promoção da saúde mental dos professores tendo em vista o impacto que a pandemia gerou no trabalho docente. Essa iniciativa integra o Nedefe desde a realização do trabalho de mestrado de Elenise Abreu Coelho, chamado Características do Teletrabalho e Síndrome de Burnout da Educação Básica durante a Pandemia no Rio Grande do Sul.

A docente relata que, apesar de vários profissionais comentarem sobre as capacitações e espaços de formação que estavam participando, sempre voltados às tecnologias digitais e ao aprendizado de ferramentas para utilização em sala de aula, não havia espaço para falarem sobre o que se passava com eles em função da pandemia. “Sentimos necessidade de contribuir com esses profissionais que estavam respondendo nossa pesquisa. Alguns professores vinham nos procurar falando da necessidade de espaços para eles conversarem, onde pudessem falar sobre as dificuldades que estavam passando”, conta Naiana.

Assim, rodas de conversa passaram a ser organizadas ao longo destes últimos anos, principalmente em escolas públicas. “Percebemos questões que historicamente já são da profissão, como falta de reconhecimento e excesso de trabalho. Durante a pandemia, outras queixas surgiram como a necessidade de conexão ininterrupta em grupos de WhatsApp que exigiam atenção durante finais de semana, na parte da noite, feriados, o teletrabalho compulsório. Ou seja, o trabalho entrou no espaço doméstico de uma forma muito impactante”, avalia a pesquisadora.

A coordenadora do Nedefe comenta ainda que as rodas de conversas evidenciaram um aumento das crises de ansiedade, do mau humor, da baixa qualidade do sono, do aumento da jornada de trabalho e dos sintomas de estresse. “É importante situar que os professores já eram uma classe muito acometida por problemas de saúde mental e isso vem mais forte com a pandemia.”

Para driblar tais problemas, Naiana explica que os professores adotaram estratégias próprias de enfrentamento. “Eles compartilhavam entre si o que estavam fazendo, desde questões do dia a dia do trabalho, até qual melhor atividade física, o que ler, ouvir e como enfrentar a rotina estressante. O apoio dos colegas foi e continua sendo muito importante. Em termos institucionais, nós percebemos o interesse de algumas equipes gestoras na busca pelo serviço de Psicologia e do nosso trabalho para ter um espaço onde os professores pudessem falar dessas dificuldades.”

Síndrome de Burnout: realidade entre os docentes

Um termo que passou a ser corriqueiro no vocabulário da pandemia foi a Síndrome de Burnout. Incluída em 2022 no Código Internacional de Doenças (Cid-11), a síndrome tem como principais características a falta de energia, entusiasmo e sentimento de forte esgotamento relacionado ao trabalho. “Também nota-se baixa realização pessoal, autoavaliação negativa e um excesso de despersonalização, ou seja, tratar o outro de uma forma fria justamente como forma de se proteger”, explica Naiana Dapieve Patias, docente da UFSM.

De acordo com a especialista, o contexto pré-pandemia, marcado pelo esgotamento emocional, a falta de infraestrutura, os baixos salários, para citar algumas razões, já facilitava o surgimento da Síndrome de Burnout entre os professores. Mas a instauração da crise sanitária por covid-19 potencializou esses problemas e acrescentou novos, o que resultou no aumento do número de casos entre o corpo docente. “Muitos passaram por situações estressoras crônicas e não tiveram ferramentas pessoais e institucionais para superar e acabaram se afastando do trabalho”, relata Naiana.

Valorização do ensino como caminho

Elenise Abreu Coelho, que é mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), cujo trabalho de dissertação deu origem ao projeto de extensão do Nedefe, aponta os desafios que a Educação precisará enfrentar a partir de agora.

“As estratégias não podem ser apenas focadas na aprendizagem, elas têm que incluir o professor, que precisa conversar, falar dos seus sentimentos. Temos ainda a Lei nº 13.935, que prevê que as redes públicas de Educação Básica contarão com serviços da Psicologia e do Serviço Social. Isto é bem importante, pois trará suporte aos alunos, pais e professores”, diz.

Outro ponto fundamental na visão de Elenise é o fortalecimento do papel do professor e sua valorização. “Todos nós precisamos nos conscientizar da necessidade desse 

profissional para toda a sociedade”, finaliza.

 

Confira dados da pesquisa

 

 

Houve uma queda significativa de educadores que consideraram a própria saúde mental como "ruim" ou "muito ruim" entre 2020 e 2021 (30,1% para 13,7%) e um novo aumento desse indicador em 2022 (21,5%). Por outro lado, considerar a saúde mental ruim ou muito ruim triplicou as chances de se sentir inseguro para voltar às aulas presenciais. Educadores que se consideram preparados para lidar com a própria saúde mental têm quase 8 vezes mais chances de estarem preparados para lidar com problemas de saúde mental dos alunos. Essa relação ocorre independente de considerarem sua própria saúde mental ruim.

 



 

Houve aumento significativo, entre 2021 e 2022, da proporção de educadores que referiu ter algum tipo de apoio advindo da própria escola ou de fora dela. Há, no entanto, prevalência significativamente maior de educadores do ensino privado que referiram ter algum tipo de apoio para lidar com a própria saúde mental em relação ao ensino público.

 

 

 

 

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