Sem auxílio, tampouco salário!

Sem auxílio, tampouco salário!

“Juízes e promotores não devem receber nenhum auxílio, tampouco salário!”

Publicação em 22.02.18

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Arte de Camila Adamoli sobre charge de Caviar Esquerda Blogspot

Texto de Marlon Jesus Soares de Souza, juiz estadual de Santa Catarina
(Comarca de Criciúma)

Curioso o título? De fato. Então, antes que desista da leitura vamos direto ao ponto: sou juiz em Vara de Família (tenho casa e família) e afirmo que auxílio-moradia não é ajuda; é salário. Pouco importa, entretanto. Sou contra qualquer espécie de auxílio, afinal, todo mundo compra sua casa com salário e não com ajuda do Estado. E mais: sou até mesmo contra salário.

Perfeito. Mas aí o leitor me questiona:

 Mas como vocês irão comprar sua casa sem auxílio e sem salário?

– Ora, óbvio, com trabalho!

 Então não entendi, como assim?

 Simples. Juízes e promotores têm que ganhar por produtividade e não salário fixo. Trabalhou, recebe e compra a casa. Não trabalhou, não recebe nada e não compra.

– Ah... Tô entendendo… Mas, como vou saber se o juiz trabalhou?

– Boa pergunta. No CNJ, aquele órgão que os juízes têm medo e que compila os dados de sua produtividade. Lá tem…

– Mesmo? Que máximo! Isso parece justo, então. Gostei. Daí vão ganhar bem pouquinho, né? Afinal só trabalham das terças às quintas e chegam às 14h e saem às 17h.

– Rapaz… será? Vamos ver isso melhor…

Segundo o temível CNJ (www.cnj.jus.br , relatório Justiça em Números, ano 2016, página 182) a média nacional de sentenças (processos baixados) de um juiz estadual é de 1.749, valor que dividido por 12 meses (sem férias) gera em torno de 150 sentenças por mês, fora os despachos que dá em cada processo (centenas) e as audiências que muitos fazem todas as tardes; aquelas para ouvir testemunhas, sabe? Em torno de cinco toda a tarde.

Então. Vamos calcular. Mas antes, deixa te falar. Tenho um tio médico. Profissão difícil. Estudou muito, lida com vidas. Tá rico! Cobra R$ 300 a consulta e R$ 15.000 cada cirurgia. Mas este merece! Sujeito trabalhador. Não é fácil. Opera todo dia, sob estresse…

Ah claro! Os cálculos, quase esqueci! Pois então voltemos à matemática e ao direito. Não sei nada de medicina. Meu estudo foi outro. Difícil também. Lido com vidas…

Razoável que a remuneração pelo meu trabalho seja igual à do médico.

 Igual ao médico? Como assim?

 As audiências que demoram em média uma hora correspondem às consultas médicas e às sentenças (que prendem e soltam pessoas, tiram filho de mãe, resolvem causas de milhões entre partes e recuperam valores astronômicos ao Estado… etc.) são as cirurgias.

Vamos à multiplicação dos pães. Cinco audiências por tarde são 25 por semana e 100 por mês. Assim, R$ 300 (valor da consulta médica) x 100 audiências importam em R$ 30 mil mensais. Já é um bom salário, né? Mas, calma, faltam as cirurgias… 150 sentenças cirúrgicas x R$ 15.000 somam R$ 225 mil, totalizando R$ 255 mil!

Melhor parar por aqui, porque se somar todas as outras atividades judiciais pode chegar a milhão…

O fato, por ora, é que consideradas somente sentenças e audiências (sem despachos e decisões interlocutórias – aquelas de prisão, interceptação, apreensão de bens e de crianças, que são dadas durante o processo – o custo do trabalho de um juiz para o Estado se comparado à atividade médica privada seria de R$ 255 mil por mês.

– E um juiz ganha isso?

– Não rapaz. Tem teto… é R$ 33.700 bruto. E desse valor você tem que descontar 27,5% de Imposto de Renda e mais em torno de 14% de Previdência, aquela que também querem modificar. Mas este é papo pra outra hora…

– Mas, se é assim, então eta funcionariozinho barato para a sociedade e para o Estado brasileiro.

– Também acho.

– Mas pera aí… tô pensando aqui... médico e juiz não têm nada a ver… ´Tais´ querendo me enganar…Tens que comparar com o trabalho do advogado; não do médico. . .

– Bah... agora me pegaste

Deixa eu ver.

 A Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina definiu através de tabela de honorários que o valor mínimo pelo trabalho de um advogado em um processo de divórcio litigioso é de R$ 5 mil. Se multiplicarmos esse valor por 150 sentenças por mês (150 processos de divórcio), teremos o valor de R$ 825 mil por mês no preço do trabalho do juiz e do promotor (remuneração do trabalho igual ao do advogado)

– Tá louco? Tá querendo ganhar isso tudo?

 Não, claro que não. É só o preço do trabalho! Para ver como é barato ao Estado… Não te esquece: o foco aqui é produtividade e o preço do trabalho! Só ganha se trabalhar…

– Ah tá! Mas pra mim tá caro ainda! Com advogado não dá pra comparar também! Compara com… sei lá… um mecânico!

– Ok. Vamos comparar com o mecânico. Levei meu carro para arrumar na concessionária . As peças até não foram caras, mas a mão de obra… Saí de lá indignado! R$ 150,00 de mão de obra para revisão do meu carro. (www.g1.globo.com-/Noticias/Carros/0,,MUL413806-9658,00 matéria em 17 de abril de 2008, portanto, valor de mão de obra de 10 anos atrás).

– Sério?

– Sim. Mas não me indignei com o preço do trabalho dele, mas, com o meu! Se multiplicar R$ 150 por 100 audiências (que duram uma hora) já dá R$ 15.000. Com mais 150 sentenças, são mais R$ 22.500. Enfim, eu teria que ganhar R$ 37.500. Na proporção, ganho menos que o mecânico.

– Não pode… é muito dinheiro… E se a gente comparar com o lavador de carro?

– Daí a conta dá R$ 12.500,00! São 100 audiências (que levam uma hora cada) mais 150 sentenças (que levam uma hora cada) multiplicado por R$ 50,00 que é o preço do lavador. Fica em R$ 12.500,00.

– Mas aí ele tem que lavar 250 carros no mês , ou seja, praticamente dez por dia.

 Isso. Cinco de manhã e cinco à tarde, de segunda à sábado. Oito horas de trabalho por dia, 45 minutos cada lavação. Pode fazer a conta.

– Não é tanto assim… O juiz segundo o CNJ sentencia (lava) mais de sete processos por dia (relatório CNJ , justiça em números, pagina 162, www.cnj.jus.br) fora as audiências, os despachos, as decisões interlocutórias, o atendimento aos advogados, plantões, e os processos que leva para estudar à noite em casa sem receber adicional noturno…

– Caramba, esquece. E o barbeiro?

 Pior. Barba e cabelo tá R$ 70 em 40 minutos. Multiplicados por 250, dá R$ 17.500.

– Tá então volta pro lavador. R$ 12.500 sem auxílio-moradia né?

 Sem!

– Aí acho que tá justo!

– Mas você acha correto comparar o trabalho do juiz e do promotor com o do lavador de carro e do barbeiro, e não com o do médico ou advogado?

 Pois é… Mas pera aí… Tá querendo me enganar de novo! Nem um mecânico ganha R$ 37.500 nem um lavador ganha R$ 12.500. Pensa que sou trouxa?!

– Calma! Claro que não! Estamos apenas conversando. É que a base que estamos usando para o cálculo do trabalho do juiz e promotor é a mesma para o trabalho do lavador, do barbeiro e do mecânico, ou seja, 50, 70, ou 150 reais. Das duas, uma então: ou eles estão trabalhando pouco (não lavam nem consertam 250 carros e cabelos por dia), ou os juízes e promotores estão trabalhando muito.

– Sei lá… tô confuso… mas não importa . Vocês são a bola da vez e pronto!

 Captei… A Geni… é isso?

– Geni? Que Geni?

– A do Chico Buarque, do Zepelim, a música… joga pedra na Geni, lembra?

 Hã?

– A Geni da Lava-Jato, meu!

– ??????

http://www.espacovital.com.br/noticia-35769-ldquojuizes-e-promotores-nao-devem-receber-nenhum-auxilio-tampouco-salariordquo




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