Sem equipamentos digitais para ensino remoto
Um ano após escolas fecharem, nenhum estado comprou equipamentos digitais para ensino remoto
Espírito Santo, Goiás e Rio Grande do Sul abriram licitação para comprar Chromebooks para alunos da rede pública; Ceará investirá em tablets Foto: JOHN MOORE/AFP / JOHN MOORE/AFP
RIO - Nenhum estado comprou equipamentos digitais (tablets, computadores ou celulares) para alunos acompanharem as aulas remotas durante a pandemia. Amanhã completa-se um ano do fechamento das escolas no Brasil por causa da Covid-19. Nesse tempo todo, no qual a educação em casa se tornou realidade no país inteiro, metade das redes estaduais não garantiu nem pacote de dados para seus estudantes.
Até agora, o que se tem são licitações abertas para a compra de equipamentos. O Ceará pretende adquirir 120 mil tablets. Eles vão custar R$ 112 milhões. Já o Espírito Santo, Goiás e o Rio Grande do Sul programam a compra de Chromebooks — um modelo simples de notebook da Google que só funciona on-line.
A falta de atuação do poder público mantém um cenário de desigualdade no qual 55% dos filhos de pais sem instrução não têm acesso à internet, segundo pesquisa do Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), criado recentemente pelos economistas Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, e Paulo Tafner. A fatia cai para 4,9% quando os pais concluem a universidade.
— O país tem condições de comprar equipamentos, sobretudo em grande escala, para fazer com que cada aluno que não tem acesso possa ter equipamento em casa. Vai ser mais difícil se deixar a responsabilidade aos municípios. Por isso, cabe a União entrar nesse processo — diz Catarina Santos, professora da UnB e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Pacote de dados
Segundo a secretaria de educação do Espírito Santo, o estado vai destinar 60 mil Chromebooks para estudantes da rede pública estadual. “Esses equipamentos serão repassados em regime de comodato, devendo ser devolvidos após a conclusão dos estudos ou encerramento do vínculo. A previsão é de que comecem a ser entregues neste 1º semestre”, informou a pasta, sem revelar quanto a operação custará.
Goiás e o Rio Grande do Sul planejam adquirir 60 mil e 70 mil Chromebooks, respectivamente. Os dois estados já entregaram celulares a alunos, mas que não foram comprados. O primeiro destinou aparelhos que foram apreendidos pela Receita Federal. Já os gaúchos repassaram os equipamentos que foram confiscados em presídios do estado.
Enquanto os equipamentos não chegam, o Espírito Santo já entregou pacotes de dados a cerca de 75 mil alunos. O contrato é de R$ 1 milhão ao ano.
Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e o Distrito Federal também compraram pacote de dados para os estudantes.
O Ceará, por exemplo, entregou 347 mil chips de 20mb, ao custo de R$ 29 milhões a cada seis meses. Outros estados, como o Rio e a Paraíba, subsidiam apenas a internet utilizada no aplicativo das aulas.
Ano todo só com apostilas
A inclusão digital de alunos carentes impede situações como a de Joyce Pereira, moradora de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, de 16 anos. Ela passou 2020 inteiro, quando cursou o 9º ano do ensino fundamental, sem se comunicar com os professores.
— Passei o ano todo só com apostilas. Quando tinha dúvida, anotava e procurava na internet da casa da minha tia quando ia até lá — conta Joyce. — Meus colegas que têm internet tinham contato com os professores durante as aulas que tinham pelo aplicativo.
Pesquisa da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), em parceria com o Instituto Itaú Social e a Unicef, divulgada na última terça-feira, mostrou que a falta de acesso também é realidade nas escolas administradas pelas prefeituras do país. Segundo o levantamento, o ensino remoto no Brasil é majoritariamente uma combinação de aulas por WhatsApp com materiais impressos, o que é encontrado em mais de 90% dos municípios que responderam à pesquisa. Juntos, eles atendem 14,8 milhões de estudantes brasileiros.
— É inconcebível, um ano depois, mandar uma apostila para a casa do aluno e achar que isso é ensino remoto. O estado precisa fornecer a infraestrutura digital para os estudantes — afirma Carolina Schmitt Nunes, consultora educacional e doutora em engenharia e gestão do conhecimento.
Já na avaliação de Patricia Mota Guedes, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Itaú Social, o passo seguinte a garantir o acesso digital é construir pedagogias adequadas:
— Não adianta fazer aula on-line e o professor só mostrar um “powerpoint” ou botar uma lousa para copiarem.