Sem ministro, expira Fundeb
Sem ministro da educação, faltam 182 dias para expirar Fundeb
Sem definição para o principal fundo destinado à manutenção e fomento da educação pública, o setor fica seriamente ameaçado de colapso
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 2 de julho de 2020
Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil
O último dia de junho marcou o início de uma contagem regressiva para a educação brasileira. A partir de hoje, 2, em exatos 182 dias acaba a vigência do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica, o Fundeb. O debate sobre o que deve acontecer com o fundo que foi criado em 2007 se arrasta há pelo menos cinco anos no Congresso Nacional, sem nenhuma decisão. A única certeza é: se até 31 de dezembro não houver uma definição, as escolas públicas não deverão abrir em 2021.
De fato é praticamente impossível vislumbrar um cenário para a educação pública no país sem o mecanismo que foi criado no governo Lula. Com o piso nacional dos professores (Lei 11.738/2008) também regulamentado pelo petista, a maioria dos municípios brasileiros não terá como arcar com as despesas das suas folhas de pagamento.
Concentrando mais de 60% dos recursos investidos na educação básica, o Fundeb ainda é responsável pela equalização no atendimento escolar em mais de 70% dos municípios brasileiros.
Apenas um exemplo já demonstra o tamanho do problema. Segundo Margot Andras, integrante do Conselho de Aconselhamento e Controle Social do Fundeb (CACS) para Porto Alegre, 90% da folha de pagamento da capital gaúcha depende do fundo.
“Se o Fundeb não for renovado com urgência, 20 milhões de estudantes das escolas públicas serão prejudicados”, diz a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS). A parlamentar lembra que ainda existem 2,8 milhões de pessoas fora da escola no Brasil e que o fim do fundo, “sem outra garantia de modelo de financiamento permanente, solidário e transparente”, será desastroso. “Do ponto de vista de uma política de abrangência nacional e de caráter redistributivo, o fim do Fundeb é extremamente prejudicial a todos os municípios”, diz ela que ao lado de outros parlamentares iniciou em suas redes uma campanha que chama #VotaFundeb.
Margot que também é diretora do Sinpro-RS e representa no CACS o Conselho Municipal de Educação, é taxativa: “Sem o Fundeb precisará haver uma reorganização total das receitas municipais e isso com certeza vai refletir em perdas gigantescas para a Educação”.
Promessa de votação
Ainda na última semana de junho, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 15/2015) pode ser votada na primeira quinzena de julho. O objetivo é tornar permanente o Fundeb e estabelecer novas diretrizes de aplicação para o Fundo no País.
A PEC15/2015 está sob a relatoria da deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO). Antes da pandemia, a última versão do texto previa uma elevação dos recursos para 15% já em 2021 e uma previsão de atingir 20% até 2026.
Agora, na crise da Covid-19, tudo aponta para uma desidratação da proposta para o seu primeiro ano de vigência. No lugar dos 15%, a ideia é um aporte de 12% da União.
“Há muito tempo esse debate vem acontecendo e o Governo (Federal) não quer entrar nele. Como nosso objetivo é aprovar o Novo Fundeb, cedemos esse espaço”, disse o deputado Idilvan Alencar (PDT-CE), vice-presidente da Comissão Especial do Fundeb na Câmara dos Deputados.
Contrabando para atender o mercado financeiro
Na realidade, o governo incidiu informalmente sobre a PEC através do então ministro da Educação Abraham Weintraub e do titular da Economia, Paulo Guedes. Todas praticamente no sentido de reduzir o salário do magistério.
Uma delas, lembra Daniel Cara, contou com o apoio do presidente da Câmara e chegou temporariamente a ser incorporado no relatório, a incorporação do Salário-Educação à complementação da União.
“Como a relatora da matéria cedeu aos nossos argumentos técnicos e retirou o que queria Rodrigo Maia e Paulo Guedes – para atenderem ao mercado financeiro – creio que o texto seja votado entre julho e agosto na Câmara dos Deputados”, na opinião de Cara, que é professor da USP e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Para Cara, se Rodrigo Maia e Paulo Guedes tentar novamente incluir a questão e a relatora ceder, “o texto volta ao limbo. Ocorre que nós, educadoras e educadores, não aceitamos colocar em risco programas suplementares de alimentação escolar. A educação precisa de dinheiro novo. E a vontade de Rodrigo Maia e Paulo Guedes, como porta-vozes do mercado financeiro, não pode prevalecer”, pontua.
Gabriel Grabowski, Doutor em Educação e professor da Universidade Feevale e IPA, elenca três ameaças, considerando também “a lógica econômica de Bolsonaro e Guedes : a de o fundo não ser aprovado pelo Congresso e sancionado em tempo; que fiquem questões pendentes para que o Decreto posterior de regulação e implementação não seja regulado e a utilização já tentada – conforme disse Cara – de recursos de outras fontes como o salário-educação, FIES, PROUNI, PROIES para a complementação da União.
Na opinião de Grabowski, tudo isso é possível levando em conta que “estamos sem ministro da educação e, quando temos, não defendem mais recursos para educação”.
Helenir Aguiar Schürer, presidente do Cpers-Sindicato, entidade que representa os professores do ensino estadual gaúcho, lembra que a preocupação em relação ao Fundeb já vem há tempos.
“Nós estamos acompanhando atentamente os movimentos no Congresso e aguardamos a imediata votação e aprovação do Fundeb porque disto depende a educação no Brasil, nos Estados e principalmente nos municípios”. A dirigente informa que uma campanha nacional organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) está estimulando professores, funcionários e população em geral a enviar recados para o Congresso Nacional. “Pedimos a imediata aprovação para que possamos ter tranquilidade, para que nos próximos anos possamos ter um fundeb duradouro”, salienta. Para ela, somente assim haverá certeza de “um financiamento possível para desenvolver uma educação cada vez mais de qualidade”.
Especialistas acreditam em pressão para reverter quadro
Entre as fontes escutadas pelo Extra Classe há unanimidade na compreensão de que somente a mobilização da sociedade poderá impedir retrocessos no ambiente educacional.
Margot Andras acredita em descaso. Para ela, um assunto tão importante como a educação não pode ser tratada de última hora. “Vejo como um passo para que se tenha uma desculpa para uma “comprovação” do colapso financeiro e a necessidade de privatização dos sistemas municipais. Bem aos moldes do que têm sido feito em tudo que eles querem privatizar. É um absurdo”, lamenta.
Já a Helenir Schürer, do Cpers, afirma: “estamos atentos e pedindo para todos que façam pressão em cima dos seus deputados e dos seus senadores para que essa matéria seja aprovada para o bem do Brasil”.
Na mesma sintonia, Gabriel Grabowski vaticina a necessidade da pressão. “Pressão pelas redes sociais, lives, e-mail para deputados e senadores; entidades educacionais enviando manifestos. Tivemos e temos muito debates sobre o tema disseminados pelos municípios e isto chega aos deputados, vereadores e prefeitos também”, conclui.