Sem partido ou sem reflexão?

Sem partido ou sem reflexão?

Escola sem partido ou sem reflexão?

Tenho feito um esforço para entender a ideia de escola sem partido. A verdade é que eu não sabia da existência de escola com partido. Conheço professores de esquerda e de direita. Ainda não sei se a intenção é proibir estudantes de fazer manifestações políticas em ambiente escolar, impedir professores de apoiar algum partido ou de abordar certos temas ou de ter certas posições sobre determinados assuntos. Já ouvi que se pretende até mesmo definir os livros que podem ou não figurar na biblioteca escolar. Ou será que se trata exclusivamente de interditar posturas de esquerda? O que ser quer mesmo: neutralidade ou neutralização da possibilidade de dizer verdades?

Por que se deveria impedir manifestações políticas de estudantes? Fica nas entrelinhas do pensamento geral essa tentação. Eles são muitos e com olhares diferentes. A escola deve pregar a alienação e o desinteresse por eleições? Não imagino professores pedindo voto em sala de aula. Se acontece, deve ser exceção. A questão dos enfoques é preocupante. O que deve dizer um professor aos alunos: que o Brasil foi descoberto, ocupado ou invadido pelos portugueses? Na ótica da direita, por lógica, a chegada dos portugueses deve ser vista obrigatoriamente como invasão na medida em que o território tinha dono. Eram outros tempos?

Ah, bom! O que deve dizer um professor sobre a abolição da escravatura no Brasil? Que foi uma conquista dos negros? Que foi uma mudança do capitalismo? Que foi uma concessão da generosa princesa Isabel? Se o professor optar exclusivamente pela última alternativa será criticado pelos defensores da escola sem partido? Que deve dizer o mesmo professor sobre a formação do país: que se estruturou com base numa harmonia entre três “raças”: o índio, o negro e o branco? Ou que o Brasil se construiu a partir da busca de submissão do índio, reduzido a uma parcela mínima, e da entrada forçada do negro como escravo em favor da dominação branca?

Dizer que o branco quase exterminou o índio na América e fez a acumulação primitiva do seu capital explorando o negro é tomar partido indevidamente? O professor apresentará as diferentes teorias e leituras sobre o assunto. Se o aluno, depois de tudo, perguntar qual a sua posição, o que o professor deverá dizer? Tenho lido que as universidades, especialmente as públicas, são dominadas por esquerdistas. Se for o caso, o que se deve fazer? Amordaçá-los? Por que a direita não tenta conquistar esses corações e mentes? Será que os seus argumentos não convencem estudantes cheios de ideais e professores acostumados a pesquisar?

O que deve dizer um professor sobre Caxias, modelo de pacificação deo presidente eleito Jair Bolsonaro? Que foi um pacificador de fato ou exterminador de negros e um disseminador de notícias falsas para intrigar adversários? Caxias sufocou várias rebeliões durante o período regencial. Esmagou a Balaiada, no Maranhão, um movimento popular, atuou em São Paulo, Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, onde participou da combinação para massacrar lanceiros e infantes negros em Porongos. O que deve ensinar o professor sobre isso tudo?

Deve mostrar aos alunos este balanço da Balaiada feito pelo próprio Caxias, que destaco em meu livro História Regional da Infâmia: “Não existe hoje um só grupo de rebeldes armados, todos os chefes foram mortos, presos ou enviados para fora da província… Se calcularmos em mil os seus mortos pela guerra, fome e peste, sendo o numero dos capturados e aprisionados durante o meu governo passante de quatro mil, e para mais de três mil os que reduzidos à fome e cercados foram obrigados a depor as armas depois da publicação do decreto de anistia, temos pelo menos oito mil rebeldes; se a estes adicionarmos três mil negros aquilombados sob a direção do infame Cosme, os quais só de rapina viviam, assolando e despovoando as fazendas, temos onze mil bandidos que com as nossas tropas lutaram, e dos quais houvemos completa vitória. Este cálculo é para menos e não para mais: toda esta província o sabe”. Deve o professor dizer que isso é extermínio ou por civismo aliviar a barra?

Ouço que escolas propagam a chamada ideologia de gênero. Uma certa Simone de Beauvoir escreveu, em 1949, que não se nasce mulher. Torna-se. Parece que ela estava falando dos papéis sociais. Deve-se evitar falar dessa senhora em sala de aula? É permitido falar que nem todos se reconhecem na anatomia de nascimento nem se sentem atraídos pelo diferente? A escola deve realmente servir somente para ensinar línguas, geografia e matemática? Há tanta coisa que me escapa. Não entendo a obsessão contra Paulo Freire. Releio o que ele escreveu. Fico com a impressão de que ele diz algo evidente: o aluno se interessa mais pelo que toca a sua realidade.

A quem interessa reduzir a escola ao ensino de matemática e português?

 

http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/11/11312/escola-sem-partido-ou-sem-reflexao/




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