Sempre alertas

Sempre alertas

Na terra do “tio do pavê” a necessidade de estarmos sempre alertas

Na última semana três eventos independentes fizeram soar uma sirene no meu cérebro: a) o ataque racista a uma reunião de candidatos a Reitoria da UFPel; b) um jovem médico novamente infestou meu facebook com palavras de ódio e c) uma pessoa a quem admiro academicamente adjetivou duas vezes um dispositivo eletrônico de “xing ling” em uma live.

O ataque racista aconteceu em uma reunião online. Uma reunião democrática onde qualquer pessoa pode participar (o link foi disponibilizado com bastante antecedência). As pessoas podem se manifestar pelo chat e dizer o que pensam, questionar, debater, etc. O que aconteceu foi uma demonstração de grosseria e ódio gratuito. Me dói o estômago pensar que os perpetrantes possam ser estudantes universitários, estudantes da minha Universidade. O que faz um estudante Universitário entrar em uma reunião e ofender, publicamente, as pessoas que dela participavam?

Tem um médico que seguidamente emite opiniões homofóbicas extremamente ofensivas nas minhas postagens do Facebook. Quando o leio, o imagino espumando ao falar do David Miranda (Deputado Federal do PSOL/RJ), de quem compartilho conteúdo com uma certa frequência. O último ataque foi contra a postagem que compartilhei de minha candidata a vereadora. Ela estava com uma camiseta com a imagem da Marielle. Não vou reproduzir, aqui, o que ele escreveu. Não vale à pena.

Poucos dias depois eu assistia uma live com uma pessoa a quem admiro muito. Ao comentar sobre um artefato tecnológico, a pessoa quis dizer que o mesmo não seria de boa qualidade e usou a palavra “xing ling”. Na primeira vez que a pessoa usou este “adjetivo” soou um alerta. Mas, pensei, deve ter se atrapalhado. Até que dois minutos depois repetiu. Duas vezes referiu-se ao artefato como “xing ling”. Entrei em contato com colegas para averiguar meu nível de paranoia, eu não estaria sendo muito chata ao questionar o “xing ling”, ainda mais vindo de quem vinha? A pessoa teria, em seu repertório, com certeza, mais de uma dezena de outras possibilidades lexicais. Uma das colegas disse algo que estabeleceu a relação entre os três eventos: - temos que nos questionar constantemente sobre práticas naturalizadas e que parecem inocentes -. Ou seja, não podemos aceitar como “naturais” os discursos homofóbicos, racistas, xenófobos. Escutem suas sirenes internas.

Na mesma semana, e aqui vai um quarto evento (esta escrita não está muito organizada, assim como meu cérebro, com tudo isso acontecendo), eu participava de uma reunião aberta (link disponibilizado no facebook) que discute educação na pandemia, o grupo é o “Educação e Insubmissão”. Pois alguém entrou e colocou uma música muito alta, fizeram muito barulho. Uma das colegas depois comentou: coisas de jovens, querem se manifestar. Fiquei pensando e relacionando todos os eventos. Todas essas experiências com racismo, xenofobia e homofobia acima comentados, penso que não são “coisas de jovens”, são coisas de “antepassados”.

Somos constituídos na e pela linguagem, no e pelo discurso. Trazemos na nossa formação o que nossos antepassados diziam sobre o outro: a piada do tio, o comentário do avô, as risadas.... os preconceitos e pré-conceitos. As práticas naturalizadas por anos, por pessoas que tens como modelo, por pessoas que te mostram o mundo e te explicam como ele é. Não quero aqui justificar os comportamentos acima, quero dizer que temos como combatê-los. Muitas vezes os discursos criam “mundos paralelos” e paradigmas que precisam ser quebrados. Confio muito no poder da educação para quebrar esses modelos. Desnaturalizar discursos.

Quando o jovem médico desfere um ataque nas minhas redes sociais eu não revido. É tanto ódio que não será meu discurso feicibuqueano que vai mudar alguma coisa nele. Estou mais preocupada com as novas gerações. Faço print de todos os comentários e depois mostro para meus filhos, discutimos o que provocou o ódio e o ataque. Conversamos sobre como deve ser triste, para ele, ser tão mal humorado e mal educado. Não deve ser feliz. Minha filha pergunta por que não o excluo. Eu expliquei que prefiro que ele siga ali, é um exercício etnográfico observar este ódio. Não ele, o sujeito, mas, do que está composto o discurso dele, quais os destinatários dos ataques, o léxico escolhido. Assim conheço meu inimigo, não a pessoa, mas o inimigo invisível que se manifesta independentemente do nível de escolarização ou classe social: a aversão, medo, ódio do diferente, do estranho.

Com meus alunos resgatarei uma antiga atividade. Eu tinha o arquivo de um vídeo horroroso, no qual um repórter de uma emissora do interior mostrava um “garçom mudo” e fazia chacota do rapaz, dizia piadas e dava muita risada. Eu colocava o vídeo e pedia para pensarem sobre o que iriam ver. Eles começavam a assistir o vídeo rindo, mas, ao final, estavam tomados de angústia. Depois do vídeo discutíamos sobre empatia, sobre alteridade, sobre direito a diferença, sobre xenofobia. Vou ter que procurar este vídeo. Usá-lo mais, discutir mais. Buscar outras estratégias... material é o que não falta, infelizmente.

Temos que estar sempre alertas. Alertas e atuantes. Não podemos admitir que a ignorância vire norma, que o comportamento tosco de lideranças políticas autorize o retrocesso na nossa moralidade e decência. Como diz Djamila Ribeiro, “a inação contribui para perpetuar a opressão”.

Abraços Virtuais

Tatiana Lebedeff

 

https://www.facebook.com/tatiana.lebedeff




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