Servidores são os maiores prejudicados
Servidores são os maiores prejudicados na guerra entre hospitais e IPE Saúde
Divergência tem na origem o fim de uma gambiarra na remuneração dos prestadores de serviços.
27/02/2024 Rosane de Oliveira
Para aumentar a remuneração diante das tabelas defasadas, o IPE se acostumou a pagar um sobrepreço nos medicamentos e insumos. Lauro Alves / Agencia RBS
Poucas vezes uma comparação fez tanto sentido como dizer que os segurados do IPE Saúde são como marisco, espremido entre o mar e o rochedo. Na briga dos médicos e hospitais por melhor remuneração (ou pela manutenção de práticas legalmente insustentáveis), sobra para quem? Para o servidor público e seus dependentes, que tiveram a contribuição reajustada ou uma cobrança adicional recente, sem a devida contrapartida nos serviços.
Os hospitais reconhecem que o IPE Saúde pagou os atrasados e isso é um avanço diante do histórico de incertezas na quitação dos débitos. Houve reajuste na tabela das consultas, das visitas hospitalares e dos principais procedimentos médicos. O impasse que ameaça deixar os servidores desassistidos é a resistência dos hospitais ao fim de uma prática que o Tribunal de Contas, o Ministério Público, a Contadoria e Auditoria Geral do Estado e a Procuradoria-Geral do Estado consideram ilegais. Para aumentar a remuneração diante das tabelas defasadas, o IPE se acostumou a pagar um sobrepreço nos medicamentos e insumos usados em tratamentos.
Ora, isso não passa de uma gambiarra. Será que a Unimed, o Bradesco, a Sul América ou qualquer outro grande plano de saúde aceitaria pagar duas, três ou 10 vezes mais por um cateter ou por um medicamento usado na quimioterapia, por exemplo, para compensar o baixo valor de uma diária? Os órgãos de fiscalização dizem que não e exigem dos gestores do IPE Saúde uma solução.
O presidente do IPE Saúde, Paulo Afonso Oppermann, que assumiu após a saída de Bruno Jatene, responsável pela organização da reforma, lembra que existe até inquérito aberto por conta dessa forma enviesada de remuneração dos hospitais. Auditorias internas descobriram cobras e lagartos nas contas apresentadas por algumas instituições. A tabela que estava defasada teve uma correção de 90% e, segundo Oppermann, hoje é semelhante à de outros planos de saúde.
— Corrigimos o valor da consulta para R$ 108, patamar compatível com o de outros planos no Brasil. Negociamos com a Amrigs e com o Sindicato Médico a correção do valor de 95 procedimentos que estavam muito defasados. Elevamos o valor da endoscopia e da colonoscopia. E no que é mais importante, os partos e cesáreas, a correção foi de 297% (passou de R$ 336,01 para R$ 1.001,09) — diz o presidente do IPE.
Aliás
O equilíbrio do IPE Saúde é essencial para os servidores e importante para os prestadores de serviços. São mais de um milhão de segurados que, se não tiverem um plano próprio, ficarão dependendo do SUS, que paga bem menos a médicos e hospitais credenciados.
Um olhar para o caso dos médicos
Segurados do IPE Saúde relatam casos de médicos credenciados que se recusam a fazer consultas pelo convênio, cobram um "preço especial", menor que o particular, e fornecem requisições de exames pelo plano. Contam que, mesmo indignados, aceitam a situação porque precisam da consulta e não denunciam para não fica mal com os médicos.
O presidente do IPE Saúde, Paulo Afonso Oppermann, diz que isso é irregular:
— Se o médico não quer continuar como credenciado, tem todo o direito de sair, mas não pode continuar no plano e cobrar dos segurados.
Se acordo com Oppermann, com frequência a Polícia Civil recebe denúncias desse tipo e abre inquérito. É outro problema que precisa ser resolvido.
FONTE:
Em meio a ameaças de suspensão de atendimentos em hospitais, IPE Saúde adia início de novo modelo de remuneração em 30 dias
Nova tabela remuneratória entraria em vigor a partir de sexta-feira (1º)
27/02/2024 Fernanda Polo
Em meio a críticas de hospitais e médicos e ameaças de suspensão de atendimentos, o IPE Saúde adiou o início da vigência do novo modelo de remuneração de hospitais credenciados em 30 dias. A informação foi fornecida à reportagem de GZH nesta terça-feira (27) pelo diretor-presidente Paulo Afonso Oppermann. Posteriormente, a instituição solicitará o referendo do Conselho de Administração. Pelos próximos 30 dias, portanto, os atendimentos seguirão normalmente.
A nova tabela remuneratória entraria em vigor a partir de sexta-feira (1º). Agora, com a extensão do prazo, o objetivo é voltar a procurar alternativas de equilíbrio em que todos fiquem satisfeitos, ainda que sejam necessários mecanismos compensatórios, conforme Oppermann.
O IPE Saúde informou que está propondo modificações nos padrões assistenciais dos seus parceiros, buscando preservar o melhor atendimento possível ao segurado, sem descuidar da operação dos prestadores. Como autarquia pública, há o dever de zelar pela melhor aplicação possível dos recursos públicos, destaca o diretor-presidente.
— Não estamos cogitando a revogação dessas instruções normativas na sua essência, por uma razão simples, nós não podemos fazer isso. Somos obrigados a cumprir a determinação do serviço público. Somos servidores públicos e temos de seguir as normas dos órgãos reguladores — aponta.
Oppermann cita a determinação da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (CAGE) de que não se pode mais compactuar com a comercialização mercantil de remédios – proibição corroborada pela Procuradoria-Geral do Estado. O Ministério Público, por sua vez, abriu inquéritos civis públicos a respeito desse ponto. Ao mudar o modelo assistencial, passaria-se a ter mais transparência e controle nos custos operacionais, defende o presidente do IPE Saúde.
— Isso fará, se não for estabelecido, com que passe a haver risco, inclusive na própria perenidade e sobrevivência do Instituto IPE Saúde como um todo, porque o ciclo exige monitoramento e controle. Nós não estamos falando em lucro, não estamos falando em distribuição de sobras, não estamos falando em valorização de capital — afirmou.
Prejuízos
Em correspondência protocolada junto ao governador e ao IPE, a Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do RS (Fehosul) e a Federação das Santas Casas e Hospitais Sem Fins Lucrativos do RS (Federação RS) fizeram duas solicitações: a suspensão da entrada em vigência das instruções normativas e das portarias; e a abertura imediata de um processo de negociação entre o IPE Saúde, as entidades representativas e os hospitais, para buscar uma solução consensual. O prazo para manifestação do Estado e da instituição vai até quinta-feira (29).
— Estamos aguardando que o governador ou o próprio IPE deem um retorno positivo às nossas demandas. Acreditamos que entre hoje (terça-feira) e amanhã (quarta-feira) receberemos algum aceno do governo, tendo em vista a gravidade da situação e a sensibilidade do governador — afirmou nesta manhã Cláudio Allgayer, presidente da Fehosul.
— Nós estamos confiantes no posicionamento do governador, no entendimento dele da importância desse atendimento aos usuários e no compromisso que o governo tem desde o primeiro dia, de garantia de assistência. Estamos esperançosos de que o governo irá suspender a vigência das portarias — acrescentou o presidente da Federação RS, Luciney Bohrer.
Antes do adiamento, os atendimentos seguiriam normalmente até quinta-feira. Posteriormente, cada hospital tomaria as medidas que considerasse mais adequadas. Um grupo de 20 hospitais, incluindo a Santa Casa de Porto Alegre, ameaçou suspender os atendimentos de pacientes do IPE Saúde, a partir de sexta-feira (1º), caso o governo do Estado não ampliasse o repasse de recursos a essas instituições.
Os hospitais reclamam de uma mudança na forma de pagamento do IPE Saúde para medicamentos e materiais hospitalares. Segundo o diretor-geral da Santa Casa de Porto Alegre, Júlio Matos, o IPE utiliza uma tabela própria de remuneração que retirou o lucro dos hospitais sobre esses insumos hospitalares. Matos também informou, ainda, que a retirada do lucro sobre medicamentos e materiais poderia ser suportada pelas entidades, desde que o IPE reajustasse os valores referentes a diárias e taxas.
O diretor-presidente do IPE reconheceu a situação:
— No momento em que as prestadoras e hospitais estruturam a sua busca de lucro em cima da comercialização de remédios, evidentemente que se a gente pedir que o remédio seja o princípio ativo e não a marca estrangeira que valoriza esse remédio, claro, vai ter possível prejuízo. O que não quer dizer que nós não estejamos sensíveis a isso.
Contudo, Oppermann alega que se não houver mudança nesse modelo assistencial, não haverá como estruturar o sistema, a não ser com mudanças radicais, como a verticalização, com a construção de hospitais próprios e o oferecimento de alta complexidade – medidas que o IPE não teria condições de suportar, tampouco a sociedade. Por isso, defende fundamentar a valorização do trabalho dos hospitais e dos prestadores em diárias, taxas e insumos. O IPE divulgou ter aumentado em 90% as diárias e taxas em grande parte das situações, a partir da categorização dos hospitais, como forma de remunerá-los adequadamente.
— Nós somos 250 hospitais, 700 clínicas, laboratórios e 6 mil médicos. Temos confiança que as eventuais decepções no grupo principal de hospitais não serão fator determinante da cessação de atendimento — salienta.
Agora, com o adiamento do início da vigência, a Fehosul espera que se possa chegar a um consenso que atenda às expectativas dos prestadores e mantenha os serviços para os beneficiários do plano. A Federação RS também afirma estar pronta para negociar, mas destaca que é necessário encontrar uma solução para o impasse, para não enfrentar os mesmos problemas daqui a 30 dias.
Médicos
O Cremers se solidarizou com as críticas das entidades, pleiteando a urgente atualização dos valores de consultas e procedimentos pagos aos médicos credenciados – médicos descontentes com a tabela de remuneração estariam também ameaçando se descredenciar. Quanto às críticas de que os honorários médicos pagos pelo IPE estariam comprometidos, o instituto destaca que buscou negociações com as categorias médicas. O IPE lista as seguintes mudanças recentes: valorização da consulta médica em consultório em R$ 108; valorização da visita hospitalar em 64%; e valorização de procedimentos tidos como defasados em índices de quase 300%. O montante de acréscimo de honorário médico chegou a R$ 140 milhões, segundo a instituição.
Autorização de atendimento
As federações alegam que o atendimento a pacientes crônicos que fazem uso de medicamentos contínuos e o tratamento de pacientes oncológicos não estavam mais sendo previamente autorizados pelo IPE Saúde, em função dos novos valores que estavam previstos a partir de sexta-feira. Em função disso, alguns hospitais também já não estariam realizando as solicitações. Contudo, o IPE Saúde alega que a informação não procede.
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