Sigilo obrigatório para incentivo fiscal?
Afinal, existe ou não sigilo para informar quanto cada empresa recebe de incentivo?
Regra que impedia listagem de valores públicos dedicados a apoiar negócios privados por CNPJ foi modificada em 2021
MARTA SFREDO
Até 2021, havia uma regra que impedia expressamente a publicação de informação sobre quanto cada empresa recebe de incentivo fiscal. No entanto, a lei complementar 187/2021, de 17 de dezembro, alterou o artigo 198 do Código Tributário Nacional (CTN) e extinguiu essa vedação.
Então, depois de ouvir várias versões, a coluna pode responder de forma objetiva a pergunta do título: não, não existe mais sigilo obrigatório sobre quanto dinheiro público é dedicado a apoiar negócios privados.
O governador Eduardo Leite repetiu, em entrevista à Rádio Gaúcha nesta quarta-feira (20), que existe sigilo. A coluna entende: até recentemente, também estava com essa informação. Mas já mudou. Não só não há mais proibição, como existe recomendação: a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), fez ainda no início do ano, uma nota nesse sentido para os órgãos fiscalizadores (leia a íntegra clicando aqui).
Nas justificativas para a "nota recomendatória" - que não tem poder legal, mas aponta uma prática ideal, a entidade cita "a edição da Lei Complementar nº 187, de 16 de dezembro de 2021, que, alterando a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, (Código Tributário Nacional), passou a excepcionar “incentivo, renúncia, benefício ou imunidade de natureza tributária cujo beneficiário seja pessoa jurídica” das informações protegidas pelo sigilo fiscal".
A Atricon orienta os Tribunais de Contas a "estimularem que os gestores públicos publiquem dados sobre os gastos tributários, como as desonerações fiscais concedidas, suas justificativas, os valores renunciados, os beneficiários e as contrapartidas e impactos estimados e gerados". A entidade lembra que "a renúncia de receita também é chamada de gastos indiretos, já que o Estado deixa de arrecadar ao conceder benefícios tributários a atores privados para incentivar a economia de determinados setores ou visando a beneficiar populações vulneráveis".
E seu presidente, o gaúcho Cézar Miola, sustenta que a divulgação dos dados é essencial para permitir verificar se os incentivos fiscais resultaram, ou não, em efetivos benefícios à sociedade. A orientação da Atricon inclui até a forma de disponibilização dos dados: em "linguagem didática, em formato de dados abertos e que permitam o download".
Nas justificativas, a entidade cita ainda a emenda constitucional 109, de 15 de março de 2021 - portanto, do governo Bolsonaro, que prevê "a redução gradual de benefícios fiscais e a vedação a novas medidas de renúncia fiscal". Então, o Piratini pode até argumentar que, assim como garfou o ICMS, o governo federal anterior já determinou que os incentivos deveriam ser reduzidos e novas concessões, evitadas.
Ou seja, o próximo passo do Piratini para dar mais transparência a suas propostas de recomposição de receita com corte de gasto tributário tem de passar pela liberação da lista de incentivos fiscais por empresa. Até para não alimentar a especulação simplista de que existe favorecimento sem mérito nem resultado.
Fatos & dados
Em 2020, o pacote total de incentivos de ICMS somou R$ 11,87 bilhões. Isso significa que o Estado, em vez de arrecadar todo o seu potencial - valor que seria alcançado sem benefícios - de R$ 55,12 bilhões, teve "apenas" R$ 43,25 bilhões para arcar com as despesas públicas.
O principal instrumento aplicado pelo Rio Grande do Sul é o crédito presumido, que representa quase a metade do total (45,3%, veja o gráfico lá em cima). Como a coluna já explicou, o "presumido" significa que o Estado "supõe" um crédito que, na verdade, não existe - por isso é preciso presumir (no dicionário, é "tirar conclusão antecipada, baseada em indícios e suposições, e não em fatos comprovados").
De 2014 a 2022, a concessão de crédito presumido a empresas gaúchas duplicou. Somava R$ 2,65 bilhões há 10 anos e alcançou R$ 5,38 bilhões no ano passado. Neste ano, está em R$ 4,25 bilhões só até outubro.
Entre os demais tipos de incentivos de ICMS, que está no centro das preocupações do Piratini, são isenções desse imposto - quando simplesmente não se cobra - ou a base de cálculo reduzida, outro tipo de "ficção" usada para ajudar a dar competitividade a empresas, além de regimes especiais como o microempreendedor individual (MEI) e o Simples, para pequenas e microempresas.
Outros tipos de incentivos
Ainda existem desonerações em outros dois impostos, o conhecido IPVA, pago todos os anos por proprietários de veículos, algumas vezes com descontos, e o menos usual ITCD, que incide sobre heranças e doações. Com isso, o total geral de de benefícios chegou a R$ 13,74 bilhões no ano passado.
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