Sistema de vouchers escolares
Pesquisador chileno critica sistema de vouchers escolares: tende a aumentar desigualdades e segregação
Vale-educação é uma má ideia para Ernesto Treviño, autor de um estudo sobre o tema. Leia entrevista exclusiva com o especialista
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Professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Chile, Ernesto Treviño Villarreal já foi diretor do Centro de Políticas Comparadas da Universidade Diego Portales. Atualmente, também exerce o cargo de Assessor Sênior do Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação, UNESCO-OREALC.
Em junho de 2018, Treviño publicou, ao lado de outros pesquisadores, o estudo O que poderia acontecer se os vouchers escolares e a privatização das escolas se tornassem universais nos EUA: aprendendo com um experimento nacional – Chile, uma publicação da National Education Policy. No estudo, diz que o sistema de vouchers é prejudicial e critica sua implementação em países como o Chile e Estados Unidos.
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Segundo o seu estudo, a política de vouchers pode ser prejudicial mesmo para os Estados Unidos, um país neoliberal, se eles forem implementados universalmente por lá. Por que isso acontece?
Países onde por lei, como o Chile, ou de fato, como a Suécia, existem sistemas de vouchers para financiamento registraram efeitos muito perniciosos, como o aumento da segregação socioeconômica e racial nas escolas e o aumento das desigualdades nos resultados educacionais de aprendizagem e trajetórias escolares.
O sistema de vouchers vem teoricamente da proposta de Milton Friedman, Nobel de Economia, professor da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. No entanto, o Chile tem sido o primeiro e único país que implementou o sistema de vouchers universalmente para financiar escolas públicas e escolas de administração privada. Isso aconteceu em 1982 durante a ditadura de Augusto Pinochet.
O sistema de vouchers é uma iniciativa fracassada porque não cumpriu suas promessas. Segundo a teoria – a mais avançada por Chubb e Moe com base em Friedman – sugere que a competição entre as escolas pelos alunos fará com que as escolas de baixo desempenho desapareçam porque os pais escolherão as escolas que são de maior qualidade.
Da mesma forma, postula-se que os alunos e as famílias terão maior satisfação, pois poderão encontrar diferentes projetos acadêmicos. Isso sob a suposição de que as escolas não selecionariam os estudantes e que as desigualdades sociais existentes não interfeririam na capacidade dos pais de escolher e negociar com as escolas.
O Chile tem um dos níveis de segregação econômica entre as escolas mais altos do mundo, e a segregação escolar é ainda maior do que a segregação residencial. Pesquisas mostram que essa segregação é promovida, em parte, pela competição entre escolas, pela busca de nichos econômicos específicos da população e pela intenção de atrair estudantes “fáceis de educar” para alcançar pontuações mais altas em testes padronizados.
Para o pesquisador e professor chileno, o sistema de vouchers é uma iniciativa que tende ao fracasso e não cumpre promessas
O sistema de vouchers é uma política que pretende retirar a educação das mãos do Estado?
Obviamente, o pano de fundo dos vouchers é o desmantelamento da educação pública. No Chile, atualmente, a educação pública atende apenas um terço da população e cerca de 60% frequentam escolas privadas subsidiadas pelo Estado. A realidade mostra que, além das intenções, os vouchers levaram à privatização das matrículas. Além disso, levou cerca de 40 anos para alcançar mudanças básicas no sistema de vouchers no Chile, como proibir a seleção de estudantes e o lucro com verbas públicas que são usadas para financiar estudantes em escolas particulares. Somente em 2016 foi aprovada a lei que eliminou essas práticas, porque a resistência dos proprietários de escolas privadas subsidiadas e sua influência sobre os políticos (alguns dos quais possuíam escolas ou seus parentes próximos) eram enormes.
Os sistemas de vouchers nasceram com uma perspectiva teórica do liberalismo extremo e foram adotados pela extrema-direita. No entanto, os governos que poderiam ser considerados de esquerda – como os trabalhistas no Reino Unido – propuseram a incorporação de mecanismos de mercado na gestão pública (conhecida como New Public Management ou Nova Gestão Pública) e, portanto, o tipo de política tornou-se “senso comum” em alguns contextos.
Existe um país onde esta política poderia funcionar? Um país com mais igualdade, por exemplo?
Como eu disse, a Suécia tem um sistema de vouchers para escolas privadas subsidiadas e os municípios administram os orçamentos das escolas públicas com uma lógica de vouchers. É um país com equidade onde a geração de políticas educacionais para vouchers tem consistentemente gerado um crescimento nas desigualdades educacionais e na segregação entre as escolas.
Como avalia a implementação desse sistema no Brasil?
Dadas as condições de desigualdade econômica e discriminação racial, mais as evidências do Chile e da Suécia, tudo indica que um esquema de vouchers aprofundaria as desigualdades atuais do Brasil. E haveria muitas dificuldades para ser implementado, especialmente porque é um país federalizado e os estados e municípios são os que se encarregam da educação. (FG)