Situação dos professores na pandemia

Situação dos professores na pandemia

Qual é a situação dos professores brasileiros durante a pandemia?

Pesquisa feita por NOVA ESCOLA mostra a experiência dos educadores nesse período, os desafios e as expectativas sobre o futuro

POR:Ana Paula Bimbati

“Para mim, gravar vídeos é muito difícil. No começo, eu chorava porque não conseguia. Queria um contato pessoal com as crianças. É difícil pensar na Educação Infantil a distância”, conta a professora Tais de Paiva Fonseca, de Educação Infantil, da rede municipal de Belo Horizonte (MG), sobre sua experiência no período da quarentena.

Ela é um dos 8.121 docentes que responderam à pesquisa “A situação dos professores no Brasil durante a pandemia”*, realizada por NOVA ESCOLA entre os dias 16 e 28 de maio de 2020. O levantamento buscou mapear alguns cenários vivenciados pelos educadores brasileiros no ensino remoto. “Em NOVA ESCOLA, o tempo todo, temos o propósito de entender as necessidades dos professores e gestores e nos manter próximos deles, compartilhando soluções e boas práticas em nossas reportagens, cursos, formações e outros conteúdos”, explica Ana Ligia Scachetti, gerente pedagógica, sobre como nasceu a pesquisa.

Apesar de nascer de um objetivo interno da NOVA ESCOLA, o conhecimento da situação dos docentes durante a pandemia também pode colaborar para que outras organizações e atores da sociedade desenvolvam ações de apoio aos desafios que os professores têm se deparado no ensino remoto.

Para entender melhor o cenário, a pesquisa foi dividida em quatro eixos:

1. Situação dos professores;
2. Situação da rede;
3. Participação dos alunos e famílias nas atividades; e
4. Perspectivas para o retorno das atividades presenciais.

Abaixo você encontrará um breve panorama dos dados e algumas histórias de professores que participaram da pesquisa e compartilham um pouco a rotina de quem teve que trocar a sala de aula pelo ensino remoto.

SITUAÇÃO DOS PROFESSORES

Tais de Paiva Fonseca faz parte dos 30% dos professores que classificaram a experiência de ensino remoto como ruim ou péssima. Ela grava toda semana dois vídeos e envia no grupo de WhatsApp para que os pais e responsáveis pelos pequenos compartilhem com as crianças. A falta de intimidade dela com a câmera e o fato do contato com a turma ter um intermediário tornam a experiência de lecionar mais complicada para a docente. “É difícil também pensar que um adulto vai assistir você e pode te julgar”, relata.

A ausência de capacitação, de estrutura para docentes e estudantes, a adaptação do formato de aula e o baixo retorno dos alunos são outros fatores apontados pelos educadores como negativos no ensino e aprendizagem a distância. De acordo com a pesquisa, apenas 5% dos professores que responderam o questionário avaliaram esse momento como excelente.

Já a professora Renata Del Tedesco, do Ensino Fundamental 1 na rede municipal de São Paulo (SP), atribuiu nota 6 (regular) para sua experiência. “Alfabetizar virtualmente tem sido um desafio e tanto. Não consigo fazer da mesma forma as intervenções necessárias”, conta.

Para Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), apesar das dificuldades encontradas diariamente pelos docentes, é preciso olhar a experiência com generosidade. “O Brasil nunca tinha feito ensino remoto em massa para Educação Básica. Estamos aprendendo a fazer dentro de uma necessidade”, avalia Ernesto. O Iede, em parceria com o Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB), acaba de lançar também o estudo “A Educação não pode esperar”, que mapeia iniciativas para minimizar os impactos negativos à Educação em razão das ações de enfrentamento ao novo coronavírus (confira aqui).

A falta de uma estrutura sólida do formato remoto fez com que muitas escolas tivessem que se adaptar rapidamente, mas nem tudo caminha como de acordo com o programado para o ano letivo. Nesse cenário, 36% dos professores respondentes da pesquisa afirmaram estar na segunda quinzena de maio realizando atividades de revisão do 1º bimestre com os estudantes.

A principal opção de fonte de materiais e atividades utilizadas pelos respondentes para planejamento nesse momento de pandemia são os disponibilizados pela rede ou pela escola, correspondendo a 59% das respostas.

SAÚDE EMOCIONAL DOS PROFESSORES

Com tantos desafios profissionais e vivenciando um cenário instável de um país que já computa mais de 60 mil mortes por Covid-19, muitos professores relataram um impacto na saúde emocional. Em relação ao período pré-pandemia, 28% dos respondentes avaliaram o estado mental como péssimo. “Os fatores de estresse são intensificados pelo fato de que a maioria dos professores são mulheres e elas estão encarando, também, a dupla jornada, sendo responsáveis pela maior parte do cuidado com a família, a casa e os filhos”, comenta Ana Ligia.

“Tento manter a calma porque, realmente, a rotina está mais pesada. Você leva mais tempo para fazer as coisas [de trabalho] e ainda precisa cuidar das tarefas de casa”, comenta a professora Renata. Além desses pontos, o risco de contaminação, a insegurança em relação ao futuro, a falta de reconhecimento das famílias e gestores e a sensação de não conseguir dar conta de todas as demandas domésticas, familiares e profissionais aparecem entre as preocupações destacadas pelos professores.

Levando isso em conta, Ernesto pontua a importância do apoio das redes e da necessidade de manterem uma relação humana positiva com os educadores. “Eles precisam ser tratados como profissionais, que têm responsabilidades nesse período, como têm no presencial, mas, nesse momento, é importante o acolhimento e cuidado”, pondera.

SITUAÇÃO DAS REDES

A pesquisa também perguntou aos professores sobre a oferta de formação por parte das redes durante esse momento de pandemia. Mais de 50% dos educadores disseram que não receberam qualquer formação para atuar com o ensino remoto. Entre os educadores que receberam formação, os professores do Ensino Médio foram os mais beneficiados (56,6%) em comparação com outras etapas de ensino.

“Tem experiências interessantes pelo país, como da rede estadual do Espírito Santo, que tem uma estrutura para formação e pensada para tecnologias Eles têm lives semanais, disponibilizaram tutoriais, cursos para tecnologia”, explica Ernesto. O Iede aborda esta experiência e outras pelos diferentes estados brasileiros no estudo “A Educação não pode parar”.

Mas nem só do digital vivem os professores e alunos na quarentena. “Dos meus 23 alunos do 1º ano do Fundamental 1, apenas oito conseguem acessar o Google Sala de Aula”, conta Renata. Esse é um dos motivos pelos quais muitas redes públicas têm optado por oferecer materiais impressos aos alunos.

PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS E FAMÍLIAS

A participação das famílias e dos alunos é uma grande questão no ensino remoto, seja por falta de engajamento ou de acesso à infraestrutura e internet. Entre os respondentes, 38,6% afirmam que a maioria dos estudantes tem participado das atividades.

“Entendo que para os alunos é bem difícil também. Os pais comentam que os filhos estão com preguiça, desmotivados”, explica a professora Renata. “Penso que a gente precisa fazer a Educação chegar até os alunos. Precisamos manter eles em contato com a escola, mas a situação é difícil”.

 

Na rede particular, os professores disseram que 58% das famílias estão participando do que é proposto. Enquanto na rede pública, o número cai para 36%. “Com isso, vemos que há um risco da desigualdade se acentuar por conta da pandemia. Temos que ficar muito atentos a isso e continuar buscando maneiras para garantir que todas as crianças e adolescentes tenham seu direito à Educação assegurado”, sugere a gerente pedagógica de NOVA ESCOLA. Caso isso não ocorra durante o período de isolamento social, Ana Ligia pontua que é importante que os alunos tenham o direito de resgatar os temas trabalhados durante a pandemia.

PERSPECTIVAS SOBRE O RETORNO

A volta às aulas é incerta, mas já há discussões no Brasil sobre esse momento. Para os professores que responderam à pesquisa, 74% acreditam que a volta à escola se dará no segundo semestre de 2020. Apenas 19% acham que vão voltar em 2021.

“A gente conversou sobre isso entre os professores, porque na Educação Infantil é complicado. Como vamos manter o isolamento? Tenho 20 crianças em uma sala que dormem uma do lado da outra”, relata a professora Tais. Os receios para o retorno são de diferentes naturezas. Entre eles estão a defasagem da aprendizagem; a readaptação ao presencial; a falta de medidas preventivas e o estado psicológico dos alunos, famílias e equipe escolar no período pós-pandemia.

RETRATOS DA QUARENTENA

Nas próximas semanas, NOVA ESCOLA vai aprofundar as situações vivenciadas pelos educadores em uma série especial de 10 reportagens sobre os retratos da quarentena. A primeira reportagem foi publicada hoje e aborda a saúde emocional dos educadores durante a pandemia.

*A pesquisa A situação dos professores no Brasil durante a pandemia foi realizada entre os dias 16 e 28 de maio de 2020 por meio de um questionário on-line disponível no site de NOVA ESCOLA. Ao todo, foram coletadas 9.557 respostas, sendo 8.121 (85,7%) delas de professores da Educação Básica.

https://novaescola.org.br/conteudo/19386/qual-e-a-situacao-dos-professores-brasileiros-durante-a-pandemia#

 

Ansiedade, medo e exaustão: como a quarentena está abalando a saúde mental dos educadores

As rápidas mudanças, alto nível de cobranças, frustrações diárias e dificuldades técnicas durante o ensino remoto comprometem o psicológico dos educadores brasileiros

POR: Paula Salas

As fotos desta reportagem foram tiradas remotamente pela fotógrafa Tainá Frota, através de videochamada com a professora Eliane Souza.

"Ficamos muito fragilizados. Não temos culpa, não tem como culpar alguém por uma pandemia, mas parece que absorvemos essa responsabilidade e culpa", desabafa Eliane Souza, professora da rede pública do Rio de Janeiro. “Temos que lutar o tempo inteiro”, afirma.  O excesso de trabalho, o agravamento do estresse, ansiedade, insônia e outros sintomas relacionados com a saúde mental são relatos comuns entre os professores durante a pandemia da covid-19.

Entre 16 e 28 de maio, NOVA ESCOLA realizou a pesquisa “A situação dos professores no Brasil durante a pandemia”*, que contou com mais de 8,1 mil respondentes da Educação Básica. Destes, apenas 8% declararam se sentir ótimos ao comparar sua saúde emocional com o período pré-pandemia. Outros 28% a consideraram péssima ou ruim neste momento e 30% classificam como razoável. Nos comentários, entre os termos mais utilizados pelos professores para descrever a situação aparecem ansiedade, cansaço, estresse, preocupação, insegurança, medo, cobrança e angústia.

 

Frustrações diárias
A turma de Eliane é do 3º ano do Ensino Médio, na rede estadual do Rio de Janeiro, está com aulas on-line pela plataforma do Google Classroom (Google Sala de Aula). Como a maior parte dos professores que responderam à pesquisa, uma das dificuldades enfrentadas por ela durante a pandemia é a falta de acesso ou o acesso limitado dos alunos à tecnologia e à internet. Para tentar contornar a situação, a professora disponibiliza conteúdos leves e acessíveis para que eles tenham poucas dúvidas. No entanto, o sentimento é de não estar atingindo os objetivos. "A gente não consegue ter um retorno, porque poucas pessoas conseguem acessar. Eu fico frustrada, porque é obrigatório colocar conteúdo [no Google Classroom] e o aluno não acessa por diferentes motivos. Para que estou trabalhando?", questiona Eliane.

Mas, o que é frustração? Ela está relacionada com uma expectativa não correspondida. "É o sentimento que nos acomete quando não conseguimos realizar um desejo, uma vontade ou uma necessidade [...] É uma sensação, um pensamento, um estado interior que reflete a não conquista. É quando nos sentimos mal por não ter alcançado algo em que colocamos algum empenho [...] a frustração tem a ver com o que esperamos das pessoas e das situações", indica o livro Frustração: como treinar suas competências emocionais para enfrentar desafios da vida pessoal e profissional, de Adriana Fóz. Essa descrição te pareceu familiar? Pode ser o sentimento que vem quando aquela atividade que você gastou horas planejando não dá certo, ou quando você se aventura para utilizar uma nova ferramenta digital e os alunos não têm acesso a internet para consumir aquele material.

Eliane já tem um histórico com ansiedade e havia passado por um acompanhamento médico e psicológico. "Era uma coisa que eu achava que estava controlada", afirma. No entanto, a pandemia chegou e velhos sintomas voltaram: falta de ar, tristeza, insônia e dificuldade de respirar.

A professora não está sozinha nessa luta. Em contextos diferentes, o peso da pandemia dá sua forma. Nesta reportagem, você vai conhecer as histórias de Eliane Souza, Ana Ericka Pereira e Maria Aparecida**, entender quais são os sinais de atenção e as dicas para cuidar da saúde mental durante a quarentena.

Crises que retornam
Como muitos educadores no Brasil, a professora Eliane Souza tem dois vínculos: na rede estadual do Rio de Janeiro leciona Língua Portuguesa para o 3º ano do Ensino Médio. Na rede municipal de Nova Iguaçu (RJ) dá aula para o 3º ano do Fundamental.  "Eu sempre fui muito acelerada. Tento me colocar no lugar do outro. Gosto de dar conta de tudo, de resolver tudo. E isso é muito perigoso".

Com seus 3º anos, a professora vive duas realidades diferentes. Enquanto os mais velhos utilizam a plataforma do Google Sala de Aula com dificuldades de acesso, o contato com os alunos do Fundamental é mediado pela gestão da escola sendo os pais e responsáveis o ponto de contato. Não há comunicação direta entre professor e aluno. Além dos conteúdos, Eliane sempre reserva um espaço nas propostas para trabalhar o emocional dos alunos.

Durante o isolamento social, a professora Eliane identificou que antigos sintomas de ansiedade voltaram, mas ela sente que hoje consegue lidar melhor. Crédito: Tainá Frota/NOVA ESCOLA

Para Eliane, sua história com a frustração e a sobrecarga não é exclusiva da pandemia. Desde que começou em sala de aula, há 12 anos, ela vivencia esses sentimentos. "Eu gosto do meu trabalho, mas existe uma dificuldade grande que não somos preparados. Não vamos conseguir dar conta de tudo", diz. Ela conta que se sentia culpada e frustrada quando seus alunos não conseguiam aprender ou não se engajavam. Buscando melhorar e resolver esses problemas, a professora fez cursos, estudou e foi atrás de especialização. "Eu acreditava que eram minhas falhas. Me sentia muito ansiosa e irritada com tudo. Achava que a sobrecarga ia passar, mas eu não conseguia dormir, dormia meia hora por noite".

AFINAL DE CONTAS, O QUE É ESTRESSE?

Quem nunca se sentiu estressado com o dia a dia no trabalho, em casa ou em uma situação pontual? Mas, afinal, que sentimento é esse, tão comum à humanidade nos dias atuais? Marilda Lipp, cientista, psicóloga e diretora fundadora do Centro Psicológico de Controle do Stress, o define como uma reação complexa com componentes físicos, psicológicos, mentais e hormonais frente a uma situação que demanda uma adaptação ou ameaça a estabilidade mental ou física da pessoa.

O estresse está associado à percepção que a pessoa tem diante de um determinado problema. "Quando você percebe que será necessário um esforço grande para conseguir lidar [com determinada situação], você pode entrar em um processo de estresse. Se percebe que vai dar conta, não entra", explica Marilda.

Por si só, o estresse não é uma doença. O problema está na persistência e agravamento dele, pois pode desencadear doenças físicas e psicológicas. Entre os problemas mais comuns estão: gastrite, problemas respiratórios, doenças dermatológicas, aumento da pressão arterial, aumento da ansiedade, crises de pânico e depressão. "O estresse fragiliza a pessoa, e a ansiedade e depressão começam a surgir. No momento de um grande estresse, essas patologias acordam", explica Marilda.

Os anos passaram e aqueles sentimentos se acumularam. "Há três anos, tive uma crise que me deixou paralisada", conta. Passava mal durante a aula e não conseguia respirar. No entanto, quando fazia exames médicos nenhum justificava aqueles sintomas. "O meu médico me perguntou como eu estava. Eu comecei a chorar e não conseguia parar", conta. Ele a encaminhou para outro especialista, foi quando Eliane foi diagnosticada com um quadro sério de ansiedade e ficou três meses afastada da escola.

Atualmente, ela não está utilizando medicação ou fazendo um acompanhamento médico. "Não me adaptei com a terapia on-line", confessa. Hoje, ela percebe que tem estratégias para conseguir lidar com as dificuldades. Apesar da volta dos sintomas, ela se sente bem. "Até o momento tinha conseguido lidar bem. Começou a voltar, mas não está tão ruim como antes", afirma. Eliane reconhece quando a ansiedade está chegando e utiliza de estratégias como meditação e exercícios de respiração para evitar que que o sentimento evolua.

A professora se sente confiante para dividir sua história, pois percebe que não é a única, mas que outros colegas também enfrentam dificuldades. "Vejo muitas pessoas entrando em depressão. Se antes já tínhamos muitos profissionais afastados [por saúde mental], quando voltarmos vamos ter muitos problemas de readaptação, não estamos tendo suporte nenhum", enfatiza.

Panela de pressão
"O psiquiatra falou que eu coloquei tudo em uma panela de pressão e tampei. Uma hora ia estourar", diz Ana Ericka Pereira, supervisora em duas escolas da rede municipal de João Pessoa (PB). Em 2019, Ana teve crises de nervosismo, chorava com muita facilidade, cansaço extremo, não conseguia dormir, desenvolveu uma gastrite nervosa. Em setembro, foi diagnosticada com depressão, ansiedade e Síndrome de Burnout. Ela foi afastada da escola.

No início de 2020, ainda não havia recebido alta, mas aceitou o convite de fazer parte da nova gestão da escola. Em março, veio a pandemia.

Em uma das escolas que leciona, as aulas estão suspensas pela falta de acesso à internet. "Alguns pais procuraram a escola para pedir que não fizessem [as aulas] por WhatsApp, porque não tinham como pagar a conta [do pacote de dados de internet]", conta a professora. Os alunos receberam duas apostilas autoexplicativas - uma de revisão e outra com conteúdos novos - de todas as disciplinas. O direcionamento é para que as crianças realizem as atividades, que serão corrigidas na volta às aulas presenciais. Apesar das dificuldades, alguns alunos conseguem entrar em contato com os professores e tirar suas dúvidas. "O nível de ansiedade é muito grande, porque queremos fazer o melhor, mas nem toda família tem pacote de internet ou telefone. Nos frustramos", confessa a professora.

Na outra instituição que Ana trabalha, o envio das atividades acontece pelo WhatsApp. Por ocupar o cargo de supervisora, ela acompanha diariamente 13 grupos. Além de apoiar os professores no diálogo com as famílias, no final da semana, é responsável por revisar as planilhas de acompanhamento de participação e conteúdos trabalhados por todas as turmas. "Acordo e os grupos já estão a todo vapor. Mensagens o tempo todo. Não tem me feito bem", conta.

As incertezas de como atuar nesse novo contexto e lidar com o volume de demandas e informações intensificam os sentimentos. "São muitas coisas na cabeça de um ansioso. Eu mostrei para a psiquiatra que meu WhatsApp é assim: grupo com mais de 100 mensagens, e no outro mais 200. Eu ia dormir pensando que no dia seguinte teria que responder tudo”, afirma e complementa: “Os sintomas voltaram, tudo igual. Voltei com a medicação, porque não estava conseguindo".

QUAIS SÃO OS SINTOMAS DE ALERTA PARA A SAÚDE MENTAL?

"Eu queria voltar a trabalhar para ver como eu ia me posicionar. Mas tento assumir ‘300’ responsabilidades, não digo ‘não’ e isso acaba comigo". Atualmente, a professora está afastada por um mês. Ainda participa dos grupos, olha tudo, mas não responde. O apoio de toda a equipe tem sido essencial neste momento. "Recebo mensagem todo dia perguntando como estou, para ficar tranquila, que está tudo certo, para não me cobrar, que vai dar certo. Me ajuda muito".

Todo esse processo mostrou para a professora que é necessário aceitar que não será possível cumprir 100% e que a culpa não é da escola nem dos professores. "Não dá para se cobrar tanto, é um momento de paciência", reforça.

No meio de tantas dificuldades, Ana Ericka renovou a admiração pela profissão. "A gente tem uma grande capacidade de se reinventar em todos os momentos e nas questões mais difíceis. O professor tem essa resiliência. Podem vir todas as tecnologias, mas nada vai substituir o educador na sala de aula", afirma a educadora.  

Seguir em frente apesar das incertezas
Na pesquisa “A situação dos professores no Brasil durante a pandemia”, a professora Maria Aparecida**, da rede municipal de Belo Horizonte (MG), deu nota 10 para sua saúde emocional. "Nota 10, mas antes de começar a quarentena eu já tomava ansiolítico e continuei tomando. Tem me feito bem", ela pondera.

O início do acompanhamento começou seis anos atrás, quando Maria perdeu sua mãe. "De lá para cá, eu deixei várias vezes de tomar medicamento por considerar estar bem", conta. No entanto, há seis meses, a professora perdeu seu pai. "Foi pouco antes da pandemia. Para poder estar bem, voltei a tomar", relata.

As preocupações da quarentena não ajudam. Assim como as outras professoras, ela também tem vínculo com duas escolas. Com sua turma de Educação Infantil não tem contato direto com as famílias, mas envia atividades. Na outra instituição, em que leciona Matemática para o 4º e 5º ano, aderiu apenas recentemente ao ensino remoto. A professora envia atividades três vezes por semana para as turmas.

Maria conta que uma grande preocupação é como estão seus alunos durante a quarentena. "Eu pensava nisso o tempo todo, me doía não poder fazer nada. A gente faz o que está no nosso alcance", diz a professora. Outro desafio da pandemia veio na área pessoal. Há 7 meses, Maria não vê seu filho. Ele é médico em São Paulo e trabalha na UTI. A distância acompanha seu filho na linha de frente do combate à covid-19. "É difícil. Eu sinto muita saudade e ansiedade pelo meu filho", conta.

A incerteza da volta às aulas presenciais também causa ansiedade para a professora. "Eu faço qualquer coisa on-line, mas tenho receio muito grande da volta às aulas presenciais. Quais serão os protocolos? Não vejo nenhuma diretriz ou orientação", diz Maria. O futuro ainda é incerto, mas a professora busca seguir em frente.

Aliado à medicação, Maria tem outras estratégias que a ajudam cuidar do seu bem-estar. Durante a quarentena, descobriu meditação e tem notado a diferença na prática diária.  "Voltar a ter contato, pensar nas crianças e preparar os materiais me faz bem", conta. Recentemente também começou a fazer uma pós-graduação. "Tudo me ajuda a manter o equilíbrio. A ansiedade causa muito mal, mas eu tenho focado nisso [nas atividades que fazem bem]", relata a professora. Ela conta que tem dias melhores e outros difíceis, mas que tem se sentido tranquila. Quando precisa de ajuda, ela recorre ao seu marido, ou conversa com sua irmã ou amigas por ligações em vídeo.

A culpa e a cobrança são grandes inimigos dos professores. No entanto, Maria percebe que aceitar as dificuldades e buscar caminhos possíveis dentro do cenário atual é reconfortante. "Eu procuro fazer o melhor, mas temos que aceitar nossos limites. Não vai se resolver de uma hora para a outra. Enquanto isso, vou fazer meu melhor e viver da melhor maneira possível", conta.

Como cuidar na prática da saúde mental?
O cuidado com a saúde mental não deve ser apenas quando os problemas se tornam maiores do que conseguimos lidar. É preciso ter cuidados também para prevenir e saber pedir ajuda. Confira algumas dicas para cuidar de si durante a pandemia:

1. Alinhe expectativas consigo mesmo: é necessário diminuir a expectativa e aceitar que nem tudo sempre sairá como o planejado e que estamos fazendo o possível com o tempo e recursos disponíveis. "Para não ficar com a sensação de estar devendo", afirma Adriana Fóz, diretora da NeuroConecte, e especialista em psicopedagogia e neuropsicologia.

2. Estabeleça uma rotina: nessa programação é importante estabelecer os horários para cada tipo de atividade (trabalhar, lazer, descanso, cuidados domésticos, exercício, etc). Não deixe de incluir pelo menos 20 minutos diários para se exercitar. Também reserve um tempo para atividades que te façam bem, seja assistir um programa de televisão, ouvir música ou contemplar o céu. "Coisas pequenas que ajudem a acrescentar alegria", diz Marilda Lipp.

Uma das estratégias adotadas por Eliane, e indicada por especialistas, é fazer exercícios de respiração e meditação para controlar a ansiedade. Crédito: Tainá Frota/NOVA ESCOLA

3. Tenha conexão afetiva: o Dr. Cláudio Duarte, psiquiatra pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da unidade de dependência química do Hospital Santa Mônica, em Itapecerica da Serra (SP), diz que é possível vencer a distância com criatividade, se fazer presente de outras formas. "São pequenos carinhos que estimulam a sensação de afeto, importância e elo com o outro”. Esse mesmo olhar sensível é preciso ter com si. Ele aconselha prestar atenção em como você está se sentindo, cultivar uma autoestima profissional e assumir a sua própria importância.

4. Compartilhe seus sentimentos: conversar e falar sobre si com outra pessoa, seja um familiar, um colega de trabalho ou amigo, ajuda a tirar o peso da realidade e espairecer os pensamentos.

5. Fiscalize o pensamento: como comentamos anteriormente, o estresse está muito relacionado com a forma que percebemos um problema. Por isso, se apenas o enxergarmos como algo muito grande, a resposta do corpo será negativa. Então, tentar mudar a forma de pensar as situações para torná-las menos amedrontadoras.

6. Evite o excesso de notícias: é importante estar bem informado, mas consumir notícias o dia inteiro sobre a situação da covid-19 pode alimentar a ansiedade e o medo. Mantenha o equilíbrio!

7. Não se automedique: a automedicação e as compensações não saudáveis (por exemplo, encontrar no consumo de bebida alcóolica um alívio ao estresse) podem agravar a forma como vemos ou nos relacionamos com as situações. Se sentir que o problema está controlável procure práticas como meditação, técnicas de respiração e um espaço de confiança para se abrir. Se sentir que ele tomou proporções maiores do que consegue lidar, procure ajuda de profissionais.

A saúde mental não é um desafio exclusivo de um mundo em isolamento social. Ao longo da vida, não é possível fugir completamente de momentos estressantes. No entanto, é possível mudar a forma que lidamos com eles. Investir no autoconhecimento, refletir e racionalizar os problemas, e pensar saídas possíveis para lidar com cada situação são algumas dicas que Adriana dá para lidar com a frustração. O desenvolvimento de habilidade socioemocionais é uma forma de ter a disposição recursos e estratégias que ajudem a lidar com os problemas e situações difíceis - como a pandemia da covid-19 - durante a vida. E a sua saúde mental, como está, professor?

Nas próximas semanas, NOVA ESCOLA vai aprofundar as situações vivenciadas pelos educadores em uma série especial de 10 reportagens sobre os retratos da quarentena. Esta foi a primeira reportagem. A próxima reportagem contará a realidade das escolas rurais durante a quarentena.

*A pesquisa A situação dos professores no Brasil durante a pandemia foi realizada entre os dias 16 e 28 de maio de 2020 por meio de um questionário on-line disponível no site de NOVA ESCOLA. Ao todo, foram coletadas 9.557 respostas, sendo 8.121 (85,7%) delas de professores da Educação Básica.

**nome fantasia. A professora optou por se manter anônima.

 

https://novaescola.org.br/conteudo/19401/ansiedade-medo-e-exaustao-como-a-quarentena-esta-abalando-a-saude-mental-dos-educadores#_=_




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