Muito se falou na ilegalidade da prisão de Daniel Silveira. A tese ganhou força também na esquerda. A situação é cinza, e tanto quem acha motivos para a prisão do deputado do PSL quanto quem acredita em abuso de poder do STF têm seus argumentos. Mas a dimensão política e o momento histórico são o que mais me interessa aqui, e é disso que quero falar.
Antes, alguns fatos para quem estava em Marte.
Em um vídeo postado nas redes, Silveira disse:
- Sobre Gilmar Mendes: “vende sentenças";
- Sobre Edson Fachin: "moleque, mimado, mau caráter, marginal da lei, vagabundo, cretino e canalha, a nata da bosta do STF";
- Sobre Alexandre de Moraes: "Xandão do PCC";
- Sobre Luís Roberto Barroso: "gosta de culhão roxo"
E por aí vai.
Mas não foi isso que levou Silveira à cadeia. Não acreditem em quem diz que ele está preso por xingar ministros. O deputado incitou o fechamento do STF, esse é o motivo. Ou seja: o representante de um poder estava inflamando a população para que se feche outro poder. É crime.
Lei de Segurança Nacional (7.170/1983), Artigos 22 e 23:
Art. 22 – Fazer, em público, propaganda:
I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social;
Pena: detenção, de 1 a 4 anos.
Art. 23 – Incitar:
I – à subversão da ordem política ou social;
II – à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Eu gosto da Lei de Segurança Nacional? Não. Ela foi criada pela ditadura militar? Sim. Mas é a lei que temos para barrar golpistas, pessoas como o deputado Silveira, que passam dias e noites sonhando com um regime militar no qual, para que possa escrever o que estou escrevendo agora, eu tenha que sair do país em que nasci e onde vivo com minha família. É simples assim.
O que os muitos e bons juristas que defendem um garantismo de pedra a Silveira talvez não percebam é justamente o momento histórico em que fazem isso. Temos diante de nós a ideologização intensa da parte podre das polícias militares, a pressão perigosa das tropas, a rebelião armada e quase assassina em quartéis, os decretos de armas legalizando milícias particulares, um apresentador de TV hiper popular dizendo, em horário nobre e rede nacional, que sonha com um general no Brasil que diga a todos os “denunciados” (gente como nós?) que eles “têm 24 horas para deixar o país ou serão fuzilados”. É sobre este pântano imundo que penosamente caminhamos. Um lodo que quer nos engolir.
O cenário está armado, e o STF é, hoje, a última fronteira da legalidade – e não precisamos gostar disso. Estamos vivendo o nosso 1961. Queremos pular direto para o nosso 1968, agarrados a interpretações dos códigos que só favorecem os nossos futuros carrascos?
Leiam Lênio Streck: “Deus morreu e agora pode tudo? Não. Se Deus morreu, agora é que não pode, para trazer à lume a grande discussão da modernidade. É na ausência de uma instância superior transcendente que se impõem os interditos. Para segurar essa bagunça toda”.
Leiam Christian Lynch: “Podem me chamar de maquiavélico à vontade, mas eu no momento assumo a defesa incondicional das decisões do STF em defesa da democracia. Estamos vivendo tempos anômalos, que outros querem transformar em tempos de exceção. A cada circunstância, seu remédio”.
A democracia constitucional não pode ser um pacto suicida. Se há remédios melhores dos que os tomados pelo STF, que sejam debatidos e usados. Se em nossa Constituição não há vacina contra a destruição da República, que se crie para ontem. O que não podemos fazer é ver a banda do caos passar enquanto abanamos lenços.
Daniel Silveira matou 12 pessoas. Segundo ele, “tudo dentro da legalidade”. Não há dúvida sobre qual legalidade devemos defender agora. Ou alguém quer provar a legalidade de Daniel Silveira antes de decidir?
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