Sobre as desigualdades educacionais
O 5º Congresso da Jeduca reuniu especialistas para discutir soluções para o cenário desigual que afetou a educação durante a pandemia
A Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) promoveu, de 27 de setembro a 1 de outubro, a 5ª edição do Congresso Internacional de Jornalismo de Educação. O evento foi realizado no formato on-line e teve como tema central “A educação e a desigualdade na pandemia”.
Estudantes, jornalistas especializados em Educação e profissionais da Comunicação se reuniram para discutir sobre o cenário desigual evidenciado pela pandemia. Também debateram sobre as possíveis estratégias para responder à realidade daqueles que foram mais afetados.
O encontro contou com a parceria de instituições como a Fundação Telefônica Vivo, que desde 2017 apoia os congressos da Jeduca. Temas como evasão escolar, busca ativa, educação antirracista, revisão curricular e desenvolvimento econômico foram debatidos nas mesas sob a perspectiva do combate às desigualdades sociais.
A edição de 2021 também contou com minicursos dedicados a traçar panoramas sobre os avanços e desafios em áreas como políticas públicas e educação inclusiva. Confira os principais temas abordados durante o evento.
Desigualdades impactam a educação e a economia
Os dados comprovam: a desigualdade no Brasil aumentou durante a pandemia. “Na prática, esse cenário afeta o acesso à alimentação, aumenta os índices de trabalho infantil, afasta crianças da escola, da saúde e das possibilidades de desenvolvimento”, explica Júlia Ribeiro, Oficial de Educação do UNICEF no Brasil.
Armínio Fraga, presidente do conselho do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, compartilha da mesma perspectiva. Ele defende a construção de uma educação que considere as diferentes condições de acesso dos estudantes. E que, para isso, é preciso colaboração, prioridade e investimento por parte do Estado e da Sociedade Civil.
“Investir em educação significa aumentar a mobilidade e o bem-estar social. Daqui para frente, temos de colocar como prioridade as áreas de educação, saúde e assistência social, para que a economia volte a crescer”, conclui.
Educação antirracista no combate às desigualdades
O primeiro passo é reconhecer que nem todos os grupos foram afetados pela pandemia da mesma forma. É o que afirmaram os especialistas que participaram do evento da Jeduca. A Pnad Contínua, realizada pelo IBGE, mostrava em 2019 que mais de 70% dos jovens de 14 a 29 anos fora da escola eram pretos e pardos. A necessidade de complementar a renda familiar foi uma das principais razões para o abandono.
“A pandemia só agrava esse cenário. Os indicadores de óbito, insegurança alimentar e trabalho infantil também foram maiores entre as pessoas pretas e pardas. Se não olharmos para esse conjunto histórico e estrutural de fragilidades, será impossível mudar a vida das juventudes negras”, enfatizou Suelaine Carneiro, coordenadora de Educação e Pesquisa do Geledés Instituto da Mulher Negra.
Para aqueles que conseguem acesso à educação, o desafio é se encontrar nela. “O que mais me incomoda é como a escola só ensina sobre a cultura negra na perspectiva da escravização. Gostaria de estudar mais sobre como meus ancestrais foram reis, rainhas e símbolos de resistência”, reflete a estudante Eduarda Ferreira, 12. Ao lado da irmã Helena, ela criou o projeto Pretinhas Leitoras, com objetivo de dar visibilidade às narrativas afrocentradas.
Reforçando a importância do papel da escola na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, o humorista Hélio de La Peña acrescentou. “Uma educação antirracista passa por mostrar as evidências da desigualdade e do racismo em nossa trajetória, mas também por valorizar a potência da nossa cultura”.
A importância de uma aprendizagem significativa
Embora a educação se apresente como uma solução para as desigualdades sociais, os resultados desse investimento vêm a longo prazo. Considerando um cenário emergencial, em que cerca de 5 milhões de crianças brasileiras se encontram fora da escola, a prioridade das redes públicas passa a ser as estratégias de busca ativa e revisão curricular.
“Para além das preocupações com o investimento em infraestrutura e com a formação de profissionais da educação, a escola em um cenário de desigualdade precisa garantir ferramentas para que os estudantes leiam essa realidade e participem na construção de soluções”, afirmou Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.
A especialista defende a necessidade de um pacto entre toda a sociedade brasileira, traduzido em políticas públicas. Exemplo disso são as propostas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e do Novo Ensino Médio. Elas contemplam diretrizes para tornar o aprendizado dos estudantes mais significativo e conectado às suas realidades.
Com o intuito de apoiar governos na identificação, registro, controle e acompanhamento das crianças e adolescentes que estão fora da escola, o UNICEF e a Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação) se uniram para criar uma estratégia de busca ativa escolar, que está disponibilizada, gratuitamente, para estados e municípios. Saiba como colocar em prática!
“Esse movimento torna necessário rever o propósito e os critérios dos sistemas avaliativos no Brasil. Não é possível falar de indicadores, rendimento ou desempenho sem falar das desigualdades que permeiam e se refletem nos processos”, concluiu Débora Jeffrey, líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política e Avaliação Educacional (Gepale).
Preservar a educação indígena para transformar a escola
Todos educam e todos aprendem, o tempo todo e em todo lugar. Essa ideia, que caracteriza o que chamamos de educação integral, faz parte dos saberes ancestrais que guiam a educação indígena há séculos. “O que muda é o entendimento sobre o que é qualidade”, explicou Sandra Benites, mestra em Antropologia Social.
De origem da Aldeia Porto Lindo (MS), a especialista alerta para os desafios da educação indígena diante da pandemia. Sobretudo no que diz respeito à infraestrutura e ao direito de manter os saberes locais como parte do currículo formal.
“Para o meu povo, o guarani, é mais importante formar seres humanos para garantir o bem-estar da comunidade e da Terra”, reforçou.
Os jovens indígenas são excluídos dos espaços de decisão quando submetidos ao sistema classificatório.
“Sem a continuidade da educação indígena, perdemos a identidade. Mas isso não significa que não temos o direito de acessar outros conhecimentos”, defendeu Gersem Baniwa, professor do Departamento de Educação Escolar Indígena da Universidade Federal do Amazonas.
Neste momento de reconstrução dos parâmetros educacionais, construir pontes entre a educação indígena e as escolas formais pode apontar soluções para um futuro mais sustentável.
“Educar não é sobre o uso de papel e caneta. É sobre a formação de indivíduos conscientes da sua capacidade de interferir positivamente nas soluções para o mundo”, concluiu Lília Melo, professora de Língua Portuguesa na rede estadual do Pará.