Sobre as PM (Prontos pra Matar)
Sobre as PM (Prontos pra Matar) no país…
Carlos Eduardo Pestana Magalhães (Gato)
Ficar batendo na mesma tecla de que a “polícia” de São Paulo, em referência a PM (Prontos pra Matar) paulista, precisa mudar, deixar de matar, de que o governador e o secretário da (in)segurança pública deveriam orientar a corporação militar fantasiada de polícia respeitar as pessoas, acabar com as matanças, a violência, a crueldade, as torturas etc. é enxugar gelo, é conversa para boi dormir. Qualquer corporação militar no planeta é adestrada, treinada para cumprir ordens, sejam elas quais forem, visando a destruição, a matança generalizada de quem o comando e o Estado considera como inimigo interno. Simples assim…
No caso brasileiro, desde a escravidão até hoje, quem deve ser eliminado, preferencialmente com crueldade, são os trabalhadores. É a continuação da lógica da perseguição, da prisão, da tortura e dos assassinatos dos escravos indígenas e negros africanos que fugiam das grandes lavouras em busca da liberdade. Hoje, acontece algo semelhante. As mesmas forças repressivas, guardadas as diferenças temporais, de séculos, do tipo de aparatos estatais usados, equipamentos, nome, aparência etc. continuam na toada de manter cativos os escravos modernos de todas as cores nas senzalas atuais, vale dizer, nas favelas, comunidades e periferias da vida.
Matar quem não acata ordens do Capital é o objetivo das corporações militares fantasiadas de polícia e/ou das “polícias” cada vez mais militarizadas. As polícias “Civil” e as guardas civis metropolitanas (GCM), em que pese não serem corporações militares, cada vez mais se tornam militarizadas nos procedimentos, equipamentos, atuação repressiva e na aparência…
O Capital precisa dessas corporações militares repressivas para manter a sua acumulação de capital por meio da máxima exploração possível da mão de obra escrava, não tem outro jeito. Esse é o projeto histórico desde as capitanias hereditárias até hoje. A gênese da população brasileira, inicialmente portuguesa e depois ampliada pelas imigrações européias e asiáticas, preferencialmente de pessoas brancas, precisa desse aparato estatal repressivo sempre ativo, sem o qual não há como controlar e reprimir a massa trabalhadora, especialmente os negros e pardos que representam mais de 50% do total da população brasileira.
De concreto e real é que a PM paulista, assim como todas as outras espalhadas pelo Brasil, são corporações militares adestradas, treinadas não para policiamento, mas para o combate com uso intensivo das armas contra o crime dito organizado. O que é uma mentira, pois o crime dito organizado (tráfico de drogas, armas, seres humanos, lavagem de dinheiro, basicamente), tem hoje muitas interfaces com o Estado, necessitam dele para que os negócios cresçam. Há uma simbiose muito grande que possibilita um crescimento exponencial dos lucros que são divididos entre o crime e “personas” desse Estado, ligados ou não as administrações federal, estadual e municipal.
Como exemplo, durante o governo do genocida, onde entidades de proteção do meio ambiente, vigilância contra os desmatamentos, invasões de terras indígenas, fiscalização contra a mineração ilegal, policiamento etc. acabaram, o tráfico pela região amazônica cresceu assustadoramente. No governo atual, quando parte considerável das proteções, fiscalização e policiamento voltaram, houve uma diminuição significativa do tráfico. Essa mudança acarretou uma forte reação do crime dito organizado tentando voltar ao que era antes. Parte dos incêndios que aconteceram na Amazônia há poucos meses, foram feitos pelos grupos de traficantes que atuam na região, dentro do projeto de desgastar o governo Lula e incentivar golpes, manu militar ou não.
Essa realidade mostra, mais uma vez (não esquecer da aproximação cada vez mais orgânica entre as milícias cariocas e o poder público, alavancado quando da GLO com o exército em algumas favelas, durante o governo do golpista Temer) o quanto que o crime dito organizado precisa do Estado na proteção dos seus multi bilionários negócios. Sob esta ótica, no projeto fascista, há um espaço para atuação do tráfico, desde que parte considerável do lucro vá para os “bolsos das personas” estatais, seja federal, estadual ou municipal. Essa interface só aumenta, há uma confluência de interesses comuns entre os fascistas e os grupos de traficantes no controle do governo. O interesse mútuo aproxima os projetos de país sob comando dos fascistas e dos grupos criminosos, hoje verdadeiras empresas multinacionais, tipo CRIMES SA…
Nessa conjuntura, a atuação das PM é fundamental não só na repressão política ideológica contra forças democráticas, progressistas, da esquerda etc., realizando funções que antes cabiam às forças armadas, especialmente o exército (prender, torturar, matar e desaparecer com os corpos), mas também manter as senzalas controladas para que não quebre essa corrente e aliança entre o crime dito organizado e o Estado fascista. É muita grana envolvida na lavagem do dinheiro, oriundo do tráfico, que bancos não rejeitam e nem as incorporadoras na construção de incontáveis prédios em quase todas as capitais e grandes cidades do país.
É profundamente hipócrita e antiético a esquerda continuar com o discurso de que os soldados das PM deveriam ser progressivos no uso da força contra pessoas, ao invés do uso direto e reto das armas. Dizer que poderiam usar a tonfa (espécie de cassetete), o Taser (arma que dispara fios conectados a uma bateria que, ao atingir uma pessoa, emite choques elétricos paralisantes) ou mesmo na imobilização física das pessoas, é piada de mau gosto. O uso das armas para matar ao invés de prender é o procedimento padrão dos militares. Foram adestrados para tal, seguindo as ordens dos comandos. São soldados e soldados são pagos e adestrados para isso, sempre. Não são negros, brancos, orientais, indígenas. São soldados, são pessoas cuja humanidade foi retirada durante o treinamento, transformando-os em máquinas de obediência para destruir, matar, torturar etc.
Polícia estrito senso, em qualquer lugar do mundo minimamente civilizado e democrático, existe para atuar contra o crime de forma preventiva, científica e, se for o caso, também repressiva. Para tanto usa-se de procedimentos científicos, das perícias, investigação, de estudos sociológicos, psicológicos etc. visando, por exemplo, identificar lugares nas cidades onde mais acontecem determinados tipos de crime e assim atuar preventivamente, tentando se antecipar. Força policial responde a sociedade civil, têm regulamentos claros de atuação dos seus membros do que podem e não podem fazer, respondem judicial e criminalmente pelo que fazem, tem que respeitar qualquer cidadão e se for entrar numa casa, escritório, reprimir e/ou prender alguém é preciso que faça de acordo com a lei, sob um mandato judicial. A polícia é um braço do sistema judiciário, jamais militar…
A PM não é uma força policial. É uma corporação militar que responde em primeiro lugar ao comando do exército, por ser uma força auxiliar dessa arma. A recente aprovação da Lei Orgânica da PM pelo congresso, com apoio do governo Lula, sem nenhuma consulta à sociedade civil, às entidades de defesa dos direitos humanos, resultou numa maior capacidade repressiva das PM, numa autonomia que antes não havia. O que já era ruim, ficou pior, bem pior que na ditadura civil e militar de 64 quando as PM foram criadas a partir da junção das antigas Forças Públicas e das Guarda Civil que havia no país. A impunidade aumentou, também, fazem o que fazem e nada acontece aos soldados assassinos de uniformes…
– “1. A Inspetoria-Geral das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares (IGPM) foi criada pelo Decreto-Lei nº 317, de 13 março de 1967, subordinada ao Departamento-Geral do Pessoal, em nível de Diretoria, quando foi criado o cargo de Inspetor-Geral das Polícias Militares, a ser exercido por um General de Brigada. – 2. O Decreto-Lei nº 667, de 2 Julho de 1969 (modificado pelos Decretos nº 1406 e 2010 de 24 de junho de 1975 e 12 de janeiro de 1983, respectivamente), revogou o Decreto-Lei nº 317 acima citado e reorganizou as PM e os CBM, fazendo com que a IGPM integrasse o Estado-Maior do Exército (EME), subordinando-a no mesmo nível das demais Subchefias. Cargo de Inspetor-Geral exercido por um General de Brigada (?).” Fonte – http://www.coter.eb.mil.br/index.php/historico-igpm –
A lógica militar é repressiva, é combater sempre com uso das armas (o recente episódio quando um soldado da PM paulista matou um estudante de medicina de 22 anos, perseguindo e atirando no rapaz dentro de um motel, é representativo dessa lógica militar e não policial), a população é vista como um inimigo em potencial onde a atuação rápida e eficiente destruindo o outro é o procedimento padrão. Essa violência letal, na maioria das vezes, não acontece por descontrole do soldado. O adestramento recebido é para agir assim mesmo, como aconteceu em Minas, quando soldados da PM mineira tentando algemar um garoto autista, que se rebeleva com a agressão recebida, mataram a irmã grávida de 17 anos que tentava ajudar o irmão, gritando que ele era doente, era autista. De nada adiantou, os soldados usando força prenderam o rapaz autista e de tanto maltratar a irmã, ela acabou morrendo. Na realidade, os soldados mataram duas pessoas, ela e o filho dentro da barriga.
Essa forma de “policiamento”, quando prevalece o enfrentamento com armas, deixa claro que os soldados das PM, numa ação qualquer está sempre numa situação de combate, verdadeira ou não, e a sua reação em função do adestramento é sempre pegar a arma. Na polícia estrito senso, o adestramento e treinamento não implica no uso intensivo das armas. O principal papel da polícia é prender o suspeito para que a justiça faça o seu papel julgando-o num tribunal.
O uso da arma é para autodefesa e defesa das pessoas, tanto assim que nos países onde o policiamento é levado a sério, quando um policial mata é instalado um processo administrativo dentro da força policial para avaliar se o que aconteceu estava ou não de acordo com as regras. Até lá, o policial em questão fica fora do serviço. Com militares isso não acontece, até porque matar faz parte da rotina militar. A tendência atual no Brasil de militarizar as polícias Civil nos estados e das Guarda Civil Metropolitana (GCM) nos municípios, dando maior poder de fogo contra os “criminosos”, é uma tendência que também está acontecendo em outros países, mesmo naqueles onde essa característica militar não existia.
É preciso deixar claro que os conceitos e objetivos da polícia e do militar são antagônicos, não se completam em nada. Visam coisas totalmente diferentes. Esse hibridismo construído durante a ditadura civil e militar de 64 foi para ocupar, controlar e reprimir, junto das forças armadas, a guerrilha urbana e rural, assim como os opositores da ditadura, fossem ou não da luta armada. Tanto assim, que na academia da PM do Barro Branco, em São Paulo, até há poucos anos, um dos treinamentos que os cadetes para oficiais faziam era irem para alguma cidade pequena do interior paulista, para simular a identificação e repressão à guerrilha urbana. Um grupo de cadetes representavam guerrilheiros e o outro tinham que identificá-los e prendê-los. Durante uma semana os dois grupos ficavam na cidade, cada um fazendo o seu papel, para ver se era possível ou não a identificação e neutralização dos guerrilheiros. De maneira geral, os guerrilheiros fantasia ganhavam a competição…
O crescimento da militarização das forças policiais no planeta, visa dar a esses “novos policiais” uma maior autonomia e autoridade frente às pessoas. Em qualquer sociedade onde prevalece o poder militar nos aparatos repressivos da segurança pública, os chamados excessos praticados (chacinas, torturas, assassinatos etc.) passam a ser maiores e mais constantes. A população fica refém de quem, em princípio, deveria protegê-la. O que acontece é o aumento do controle e da repressão do Estado na sociedade sempre sob a justificativa de combater, na realidade um termo militar e não policial, o crime nas suas mais variadas formas.
O crime real e concreto, aquele que produz riquezas imensas que todos querem para si (bancos, empresas, pessoas etc.) sempre está protegido.
Assim, acaba sobrando a destruição dos grupos de traficantes menores que estão ocupando os lugares cobiçados pelos grupos maiores e mais fortes (durante a GLO carioca, algumas favelas/comunidades foram ocupada para desalojar grupos de traficantes para que as milícias ocupassem os lugares) e/ou para os bandidos pés-de-chinelo, pequenos traficantes, ladrões, ex-presos etc. São estes que são presos, torturados, mortos, jamais os barões do crime, até porque pagam régia e abundantemente por proteção aos soldados da fortuna, sejam das PM, sejam das forças armadas.
A esquerda brasileira, partidária ou não, continua com um discurso e uma narrativa antiquada de chamar de polícia quem não é e nunca foi, como os soldados da PM. É preciso que essa mistificação, essa manipulação histórica seja desconstruída. Continuar chamando de policiais os soldados, além de normalizar uma mentira, impossibilita uma discussão mais real da segurança pública que se quer e do papel das verdadeiras forças policiais numa sociedade minimamente democrática. Continuar achando que é possível convencer soldados assalariados (não são trabalhadores por serem assalariados, visto que o trabalhador produz riquezas, independente de quem se apropria dela, o militar destrói, mata, não produz nada) a se unirem a uma proposta de sociedade mais progressista, igualitária, democrática etc. é desconhecer totalmente a realidade militar.
O fato de que em alguns lugares o salário é baixo e as condições de “trabalho” são aviltantes, não significa que o soldado se torne um aliado das causas democráticas. Soldado não é trabalhador, jamais será solidário às causas dos trabalhadores, independente de haver soldados que sejam. Estes não tem futuro na corporação. Ou saem ou são saídos pelos outros. A solidariedade com as causas dos trabalhadores, quando existe, sempre é uma opção individual, nunca da corporação militar. Muito menos no Brasil dado a origem histórica da soldadesca…
Ah, dirão alguns, eles são tratados indignamente pelos oficiais, obrigados a fazerem coisas desagradáveis, obedecem ordens absurdas etc… Esse tipo de comportamento das forças armadas do país, inclusive nas PM, reflete um tipo de procedimento e valores próprios dos exércitos colonialistas europeus onde os soldados eram oriundos das camadas sociais mais baixas. Os oficiais eram quase sempre pessoas vindas das camadas mais ricas e por isso tinham alguns direitos e benesses, mas os soldados não. Eram maltratados, desrespeitados, tinham soldos baixos, mas podiam saquear a vontade quando ganhavam alguma batalha. Enfim, um bando de qualquer espécie a serviço da rainha, do rei, do império, pouco importa. Esse modelo ainda impera no Brasil, soldados não valem muito, tem que obedecer e pronto. O profissionalismo existente nas forças armadas do patropi ainda está muito longe do existente nos países mais democráticos e mais ricos…
A questão salarial dos soldados nem sempre representa algo bom para a sociedade. Em Brasília, a PM local paga um bom salário para os soldados e oficiais e nem por isso os membros da corporação militar impediram a tentativa de golpe do dia 8 de janeiro. Ao contrário, ajudaram no que puderam. Na Bahia, estado que há décadas o governo estadual é do PT, a PM baiana é das mais violentas e letais contra a população negra, pobre e periférica em todos os municípios. Antes considerada a corporação militar fantasiada de polícia que melhor respeitava os direitos humanos, a PM mineira, hoje em nada se difere das demais na violência e crueldade com as pessoas. A única corporação que assumiu totalmente seu papel militar no “policiamento” é a gaúcha. No Rio Grande do Sul, é chamada de Brigada Militar (Bons pra Matar) e são bons mesmo nesse ofício…
Nesse contexto, vê-se que a esquerda ainda não tem claro qual é o seu projeto de segurança pública a ser apresentado e debatido com a sociedade, diferente do que a direita apresenta e faz (usualmente a esquerda apresenta para a população as mesmas soluções que a direita: mais armas, mais efetivos, mais equipamentos, mais repressão). Para outros atores da sociedade civil que não partidos políticos, organizações, movimentos sociais etc. a segurança pública não é colocar mais soldados nas ruas, mais armas e equipamentos de repressão. Longe disso…
Engloba qualidade de vida, saúde e educação pública de qualidade para todos; parque, ruas e avenidas iluminadas, arborizadas, equipadas e pavimentadas; transporte público eficiente, limpos e confortáveis; segurança no trabalho; judiciário funcionando com justiça para todos. O simples fato de iluminar ruas nas periferias/favelas inibe consideravelmente o tráfico e a venda de drogas (tem pesquisas que apontam esse fato). Ou seja, não é preciso reinventar a roda, basta vontade, decisão e educação política junto à população. Basta voltar aos trabalhos de base, atuar junto dos trabalhadores em suas casas, locais de trabalho, fazendo aquilo que foi feito há algumas décadas, ainda durante a ditadura, e que resultou num enorme avanço na História desse país. Em suma. Segurança Publica numa sociedade minimamente democrática é a presença constante do Estado garantindo a dignidade, o respeito, os direitos humanos e a cidadania para todos. Sem isso, não há o que reclamar…
Carlos Eduardo Pestana Magalhães (Gato)
Jornalista, sociólogo, membro da Comissão Justiça paz de São Paulo, do Grupo Tortura Nunca Mais e da Geração 68 Sempre na Luta.
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