Soldado na contramão do exército
Um soldado na contramão do exército
Pe. ALFREDO J. GONÇALVES, cs*
De acordo com o jornalista Merval Pereira, o presidente Jair Bolsonaro parece um soldado na contramão do exército. De fato, enquanto no mundo inteiro um exército imenso de cientistas, médicos e profissionais de saúde em geral avança corajosamente contra o inimigo invisível do Covid-19, o capitão marcha em sentido inverso. Com razão dizem que foi um militar medíocre, tendo sido expulso dos quartéis. É bem conhecida e notória a velocidade espantosa com que o coronavírus se propaga, de forma inexorável e exponencial, aliada ao seu alto grau de letalidade. Por isso é que a dura batalha no front exige um conhecimento científico exaustivo, plural e extremamente criterioso; e requer, por outra parte, um medicamento cirúrgico, combinado e cirúrgico. O “doutor” Bolsonaro, porém, insiste em suas receitas estapafúrdias de botequim, sem qualquer base científica comprovada.
Repetem-se os desencontros entre a prática do governo brasileiro e a ciência. A narrativa do negacionismo, além de distorcer o resultado das pesquisas científicas, desinforma a população a respeito dos riscos a que ela se expõe. Pior ainda quando a postura negacionista vem associada à prepotência e autoritarismo. A soma de poder com ignorância resulta em tirania. Daí a urgente necessidade de retomar o elo perdido (ou negado) entre o equilíbrio do ecossistema no planeta Terra, por um lado, e o modelo político e econômico de exploração de seu potencial, por outro. A história da humanidade no domínio da natureza, especialmente a partir da tríplice revolução (mercantil, industrial e financeira) e suas inovações tecnológicas, desfruta até a última grama de minério, os recursos do meio ambiente (solo, subsolo e atmosfera). Além disso, desfruta ainda, também até a última gota de suor, o trabalho humano. Dessa ação descontrolada, resulta a contaminação das águas (mar, rios, lagos e lençóis freáticos) e do ar, bem como o desmatamento florestal, o aquecimento global e o derretimento das geleiras.
Essa exploração predatória que devasta os diversos biomas traz sobre a natureza um resultado nefasto, nocivo e perverso. À medida que ela se agrava, proliferam as estiagens prolongadas, inundações, furacões, ciclones, entre outras catástrofes extremas – fatores que levam à fuga cada vez mais expressiva de refugiados climáticos. Tudo se acelera ainda mais com a migração maciça e desordenada para as cidades e metrópoles em todo o globo. Desde 2007, com efeito, a população mundial passa a ser majoritariamente urbana. Nos países centrais, as cidades chegam a abrigar mais de 80 a 90% dos habitantes. No Brasil, medido pelo último censo demográfico, essa porcentagem já ultrapassa a casa dos 80%. Por toda parte, multiplicam-se as megalópoles com mais de 10 milhões de pessoas. Semelhante quadro nos leva a retomar o elo estreito entre urbanização e pandemia. É o que mostra o doutor e professor da UNIRIO, Eduardo Domingues, em um artigo sobre “A cidade que vai surgir depois da pandemia”.
Diz literalmente o referido texto:
“O Relatório ‘Fronteiras 2016 sobre questões emergentes de preocupação ambiental’, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, apontou que cerca de 60% das doenças infecciosas em humanos são zoonoses e que, em média, a cada quatro meses surge uma nova infecção em humanos. A destruição contra o ambiente natural reduz os habitats de espécies isoladas e as colocam em contato com humanos, propiciando novos tipos de infecções. O aumento populacional de pessoas e de rebanhos animais confinados é outro fator que proporciona condições favoráveis à disseminação do vírus. Sem falar da globalização, da falta de saneamento e da precariedade das habitações, que tendem ampliar essa propagação” (Cfr. Jornal O Globo, 15 de maio de 2020, Segundo Caderno, pág. 2).
No combate ao coronavírus, em vez de negar a realidade ou professar a teoria da conspiração, será mais útil ouvir o têm a dizer os estudiosos do assunto, em vista da construção conjunta de políticas públicas e sanitárias sérias e eficazes. Políticas que devem ser simultaneamente locais e globais, dada a complexidade da economia globalizada.
* Pe. ALFREDO J. GONÇALVES é vice-presidente do SPM.