Suprema mediocritas
Suprema mediocritas
por Werner Becker
Werner Becker (*)
Recolhido à uma rígida quarentena, exigência imposta pelos meus 85 anos, cansado das constantes leituras, surfando pelos canais das TVs, em falta de qualquer programação de esportes que me despertasse atenção, estacionei no canal do Supremo Tribunal Federal transmitindo a posse do seu Presidente e da sua Vice Presidente, para mais um biênio.
Na mesa, notei a presença mascarada do Presidente da República ao lado do Excelentíssimo Sr. Ministro DiasToffoli, sempre escudeiro presidencial, hoje de Bolsonaro, ontem de Temer e anteontem de Lula. No seu pronunciamento de despedida, com a prolixidade litúrgica da toga, embora o hermetismo da linguagem, pude traduzir sinteticamente para o espanhol “Hay gobierno por acá, soy a favor!”
Com a atenção à meia boca, fui despertado pela pergunta de meu filho adolescente que, certamente contaminado pelo enfaro dos pais, busca outro caminho que não os leguleios (Getúlio Vargas).
“Pai, o que está havendo aí na TV que tanto se elogiam? Só falam em excelentíssimo e ilustríssimo.”
Isso, que nem tinha iniciado o derrame de sabujismo do Excelentíssimo Senhor Antônio Augusto Brandão de Aras, pavimentando o seu caminho em busca da toga ministerial suprema. Navegando pelo mar Egeu, na sua maratona bajulatória, encontrou na cultura ateniense e no vigor físico espartano a síntese para definir, sem qualquer constrangimento, o novo Presidente do Excelso Pretório.
Porta voz de rusgas internas, o Excelentíssimo Senhor Ministro Marco Aurélio, escanteou o sempre escudeiro presidencial, com o seu tonitroante silêncio sobre sua gestão. Na alusão à “A Peste” não deixou claro se referia-se à peste externa que assola o mundo ou à peste interna que externou no seu silêncio. Embora, trecheasse a obra, demonstrou não possuir qualquer intimidade com seu autor ao pronunciar seu nome aportuguesadamente.
Seguiu-se o esperado pronunciamento do Excelentíssimo Senhor Presidente da OAB. Talvez, contaminado pelo ambiente, derramou-se em platitudes. Seu pai, se estivesse presente, lhe recordaria Brecht: “Que tempos são estes em que falar de flores é quase um crime, pois significa silenciar sobre tantos horrores!”
Tomando a cena, o novo Excelentíssimo Senhor Presidente da Suprema Corte produziu um solilóquio que lhe fez ir às lagrimas, recolhendo os aplausos da excelentíssima plateia, comovida pela pieguice do seu autor, esmerando-se em compatibilizar sua performance com o cenário em que se apresentou.
Antes de baixar a cortina, percebi, na remota Roma, o aplauso sardônico de Quinto Horácio Flaco, repetindo: “aurea mediocritas”.
(*) Werner Becker é advogado.
https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2020/09/suprema-mediocritas-por-werner-becker/