Suspensão de aulas presenciais
Mães e pais defendem suspensão de aulas presenciais no pior momento da pandemia
A Associação de Mães e Pais pela Democracia (AMPD), junto com CPERS Sindicato, protagonizou ação judicial (pedido de antecipação de tutela em ação civil pública) que suspendeu aulas presenciais em escolas públicas e particulares em todo os RS.
A presidente Aline Kerber, em entrevista exclusiva ao nosso site, fala das motivações que levaram a AMPD a ingressar com esta ação na Justiça, bem como das repercussões que esta decisão alcançou logo após proferida decisão judicial. Fala também sobre a importância de preservarmos vidas, evitando aglomerações a partir das escolas e dos espaços públicos de convivência.
Em tempos em que o destino das nossas vidas frente à pandemia está politizado, o Brasil agoniza todos os dias com a tragédia de milhares de mortes anunciadas, que poderiam ser evitadas se outros rumos fossem tomados. O Estado do RS, que entra pela terceira semana em bandeira preta, precisa adotar medidas duras para conter o avanço da disseminação, reduzir a mortandade e desafogar os hospitais para que estes possam atender as necessidades dos que se contaminam com o novo vírus.
Entrevista
SITE NEIPIES: Quais são os princípios que organizam a Associação de Mães e Pais pela democracia? Como estes princípios são vivenciados, durante a pandemia?
Aline Kerber: A associação se organiza pelos princípios de direitos humanos e uma educação livre, plural e inclusiva, uma escola pública qualificada para todos e que viva e promova a diversidade. A Associação surgiu a partir de uma mobilização de estudantes, de nossos filhos em escolas privadas de Porto Alegre e que sofreram ataques de membros do Movimento Escola sem Partido. Foi uma forma de organizar a resistência.
Durante a pandemia, passamos ainda mais a defender o direito à educação e também a contestar questões estruturais que impossibilitam uma sala de aula adequada e com protocolos muito frágeis.
Falamos a partir de pesquisa que fizemos Educação na pandemia do Covid 19 da necessidade de superação deste apagão educacional que passa pelas questões estruturais, mas também pelo acesso à tecnologia.
Sabemos que há uma elitização pelo acesso às tecnologias, pois a maioria dos alunos não tem internet ou condições de acesso à plataforma ou aos conteúdos oferecidos e compartilhados pelas escolas, sobretudo as escolas estaduais e municipais. As escolas privadas fazem por meio de live ou de EAD, que está ligado a outro problema que é a overdose das tecnologias e a dificuldade de interação dos nossos filhos com estas plataformas e com esta metodologia e pedagogia adotada. Sabemos que tudo isso dá conta de manter o contato dos nossos filhos com a escola, com os colegas, com os conteúdos.
O problema grave mesmo é com a educação pública e o descaso com que se reforça a cada nova medida. Por isso, a Associação tem feito vários movimentos para reforçar a escola pública e também a valorização dos professores.
SITE NEIPIES: O que motivou a Ação de Mães e Pais pela Democracia a propor a Ação Civil Pública objetivando a suspensão das aulas presenciais neste momento?
Aline Kerber: O que motivou foi o momento de bandeira preta, cuja previsão era de que, nesta situação, não haveriam aulas presenciais, o que foi modificado.
No nosso entendimento, dado o contexto o aumento de casos de infectados e de pessoas doentes de forma exponencial e o colapso do sistema de saúde e a falta de atendimento com a superlotação, a gente se viu numa escolha de Sofia: sabemos que muitas crianças só tem a escola como forma de sobreviver, sabemos que os profissionais da linha de frente da saúde tem de contar com este apoio, sabemos que a escola é um espaço de aglomeração e que acarretará maior disseminação do vírus, o que precisa ser revertido para sairmos destas curvas que nos levaram à bandeira preta.
Precisamos de protocolos que possam garantir uma volta às aulas presenciais mais segura e mais democrática, principalmente nas escolas públicas.
A maioria das Mães e Pais pela Democracia tem seus filhos em escolas privadas, mas foi um exemplo para mostrar aos nossos filhos que devemos lutar para que todos tenham direito à educação, mas as vidas estão em primeiro lugar.
SITE NEIPIES: Como avalia as reações após a decisão judicial?
Aline Kerber: A reação de muitos foi desesperada, pela surpresa da decisão. Por outro lado, o planejamento dos gestores não fechava com a realidade que estava por vir e que está acontecendo agora. As pessoas se organizaram para levar seus filhos à escola depois de um ano sem aulas, outros tem real necessidade de deixar as crianças pequenas, os filhos nas creches, na educação infantil, mães e pais preocupados com déficit educacional.
Teve uma escola do Município de Farroupilha, RS, que orientou pais a ligarem para nossos telefones, insistentemente, nos constrangendo e responsabilizando pelas decorrências desta decisão liminar. Em função dos ataques pessoais e à Associação, fizemos um Boletim de Ocorrência. Houve também muitos ataques nas redes sociais, diretos e indiretos, dizendo que não éramos democráticos. Na maioria, são questões de cunho pessoal e não coletivo.
Para nossa tristeza, ao invés das pessoas pedirem por medidas governamentais como auxílio emergencial ou garantias de manutenção de emprego, vacinação em massa, só pediram a volta às aulas e sem contextualizar a questão da pandemia.
Defendemos medidas de melhoria do contexto da pandemia, não de agravamento. A maioria das reações foram pouco racionais, mas baseadas em necessidades do sistema e necessidades individuais.
SITE NEIPIES: Qual a importância de manter as escolas fechadas, sem aulas presenciais, neste período de enfrentamento à pandemia?
Aline Kerber: Foi muito importante a decisão, no contexto de bandeira preta, para que não houvesse ainda mais disseminação do vírus e para que os professores, que são obrigados a voltar, mesmo de escola privada, não tenham seus direitos mais básicos também violados, pela questão da sobrevivência. Passamos também a pedir vacinação prioritária para os professores, pois o trabalho da educação é essencial; a educação é essencial para a sociedade e para as famílias.
SITE NEIPIES: As escolas particulares, que mais se incomodaram com esta decisão, têm mesmo condições de atender os estudantes, protegendo as famílias e os professores da disseminação e contágio do vírus?
Aline Kerber: Sim, foram as escolas particulares que mais se incomodaram com a decisão. O SINEP (Sindicatos das Escolas Particulares) disse que as escolas tem condições de atender os alunos, mas vimos, através de muitos vídeos, que mostravam logo que as escolas voltaram que havia descumprimento de protocolos, seja pela faixa etária, seja pela quantidade de alunos por sala, seja porque não houve um treinamento adequado.
Por outro lado, só andar na rua para perceber que as pessoas não usam máscaras, principalmente adultos. A sala de aula, particular ou pública, é um lugar de aglomeração e, consequentemente, de disseminação do vírus. Vejamos o caso de São Paulo, onde, antes de fecharem as escolas, houveram mais de mil contaminados nas salas e 21 mortes até agora.
Há, hoje, um contexto de crescimento de mortalidade de crianças e adolescentes para Covid 19. Este é um componente que precisa ser observado do ponto de vista da saúde coletiva.
Somente o uso dos protocolos, alegados pelas escolas particulares, não garante segurança total porque a estrutura e a abertura das escolas aumenta e potencializa o contágio da Covid e aumenta, neste momento, a situação por conta da bandeira preta e da situação da pandemia no RS, o que exigiria um lockdow de pelo menos 21 dias.
SITE NEIPIES: Como mãe de dois filhos, como vês a educação e o mundo pós pandemia?
Aline Kerber: Estou muito preocupada com o que vem como resposta a este lapso ou apagão educacional que vivenciamos.
No mundo pós pandemia, a educação precisa abrir mais espaço para as competências e habilidades socioemocionais, espaço para tratar estes traumas, esse processo de socialização que a escola possibilita e que foi impossibilitado em decorrência do vírus.
Realmente, espero que educação esteja voltada para a reafirmação dos valores que agregam uma sociedade: empatia, solidariedade, liberdade, de igualdade e fraternidade porque passa por aí a reconstrução da sociedade neste contexto de pós pandemia. Vou estar empenhada para tensionar a educação para que esteja voltada para as pessoas e para formar cidadãos e cidadãs que possam, de forma engajada, transformar o mundo.
SITE NEIPIES: Uma mensagem aos pais e mães de todo o RS.
Aline Kerber: Quero dizer às Mães e Pais do RS que a melhor coisa que podemos fazer é cuidar dos nossos filhos neste momento e evitando que estejam em circulação nas ruas.
Nossos filhos já são a mudança que nós queremos para o mundo. Então, a gente, agora, enfrenta as dificuldades de acompanhar as aulas e dar suporte necessário. As mães, com tripla jornada de trabalho, acompanham este processo e tem dificuldades de sobrevivência, como também de saúde mental, mas vai passar.
A gente vai conseguir enfrentar isso coletivamente e o que vai restar são os momentos de resistência e resiliência, de afeto e aprendizados grandiosos como se importar com o outro, de entender o que está acontecendo e de trazer segurança e tranquilidade para nossos filhos em relação ao que vem, ao futuro.
O futuro é incerto, nós não sabemos quando voltaremos. A volta depende da redução drástica nas curvas de contágio e mortalidade da Covid, suficiência dos sistemas de saúde e UTIs e da vacinação.
Temos de entender complexidades e desigualdades, de quem tem ou quem não tem os recursos, aumentar ainda mais a solidariedade e pedir o que precisa ser pedido nas nossas redes sociais que hoje são nossas ferramentas e, depois, nas ruas, com carreatas que defendam a vacinação e a vida.
A educação e a escola são fundamentais, mas na bandeira preta não é a escola o lugar dos nossos filhos. Vidas em primeiro lugar e educação voltada à valorização da vida e não a banalização da vida como vemos por aí.
Para finalizar: não é uma escolha o pai ou a mãe levar seus filhos para escola, o que está em jogo é a vida como o maior dos direitos. O direito à educação, também importante, em tempos de pandemia, de caos e de colapso, é secundário com relação ao direito à vida de todos e todas. Por isso, ingressamos com esta ação, que já foi ratificada na Justiça e no STF, mesmo com SINEP e Governo Estadual que continuam defendendo a volta às aulas presenciais neste contexto e lutando judicialmente para reverter estas decisões judiciais.
Autor: Nei Alberto Pies
Edição: Alex Rosset