Suspenso estudo sobre alfabetização
Pesquisador do Inep diz que teve suspensa publicação de estudo sobre alfabetização mesmo com todos os pareceres favoráveis
Coautor protocolou ofício dirigido à presidência da autarquia solicitando a divulgação do artigo. Inep afirma que nova diretora de Estudos Educacionais decidiu criar um novo comitê para analisar trabalho.
Por Elida Oliveira e Shin Suzuki, G1 07/05/2021
Sede do Inep em Brasília — Foto: Inep/MEC
Um pesquisador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) protocolou um ofício interno em que pede à presidência da autarquia a liberação de um estudo sobre investimento em alfabetização nas escolas brasileiras.
Alexandre André dos Santos afirma no documento que todas as etapas previstas para a aprovação do artigo foram cumpridas, mas que a publicação, marcada para a última segunda (3), foi suspensa.
O estudo "Avaliação econômica do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa [Pnaic]" é de autoria de Santos, que está desde 2008 no Inep, e de Renan Pieri, doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). O Pnaic é uma iniciativa instituída em 2012 para estimular que as crianças estejam plenamente alfabetizadas aos 8 anos, no 3º ano do ensino fundamental.
O artigo simula o custo por aluno pelo programa e também mede possíveis benefícios. Conclui que haveria necessidade de incrementar a proporção de professores envolvidos no Pnaic para alcançar melhores resultados.
"A gente faz uma estimativa de quanto seria o aumento salarial dele ao longo da vida se o aluno tiver uma melhor alfabetização", explica Pieri. " É feita uma análise do quanto os alunos aprenderam mais, quanto ficaram melhor alfabetizados por conta do Pnaic. A gente tentou criar uma medida financeira, uma monetização deste aprendizado a mais em termos de salário futuro.
O estudo conclui que haveria uma espécie de "lucro líquido da política pública" de R$ 118,48 por aluno.
"É um benefício para a sociedade, capturado pelo aluno. A gente pode chamar de retorno do projeto ou de lucro no sentido da diferença entre o benefício gerado por aluno ao longo da vida dele - no valor de hoje - menos o custo gerado por aluno no projeto como um todo", afirma o pesquisador.
'Seguiu toda tramitação'
O ofício protocolado no Inep diz que "seguiu toda tramitação técnico administrativa e todo rito burocrático" e "com um rigor bem maior que o usual em casos similares, provando a qualidade técnica do estudo". Diz ainda que a não publicação do estudo "pode estar afrontando vários preceitos legais e constitucionais".
Procurado pelo G1, o Inep respondeu que "apesar de o artigo ter encerrado o rito previsto em 30 de abril", a nova diretora de Estudos Educacionais, Michele Melo, que tomou posse em 26 de abril, decidiu instalar um Comitê Editorial "com intuito de reforçar o processo de publicações do Instituto e garantir a excelência no processo".
"Destaca-se que não houve, em nenhum momento, a negativa sobre a publicação do artigo", afirma a nota da autarquia.
O Inep, vinculado ao Ministério da Educação, é responsável pelo Enem, a maior prova do país, além de censos e estatísticas sobre a educação brasileira.
A diretoria de Estudos Educacionais monitora planos nacionais e avalia as políticas públicas da área. Além disso, deve elaborar e aprimorar indicadores educacionais, entre outros temas.
Ex-coordenadores de Pacto pela Alfabetização e servidores do Inep criticam 'censura' a estudo com impactos positivos da política
'Falta de divulgação de dados sobre as políticas públicas significa a negação do direito ao acesso à informação e dificulta a realização de avaliações consistentes', afirmam os ex-coordenadores.
Por G1
Uma carta divulgada nesta segunda-feira (10) por ex-coordenadores do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) critica a decisão do governo de não tornar público um estudo que traz evidências de resultados positivos da política, lançada em 2012.
Apesar de ter seguido os ritos previstos e ter obtido avaliação positiva, o documento não foi publicado dentro do prazo previsto. Um novo comitê foi proposto pelo governo para avaliar as publicações.
"Repudiamos veementemente a censura do artigo e alertamos que a falta de divulgação de dados sobre as políticas públicas significa a negação do direito ao acesso à informação e dificulta a realização de avaliações consistentes para o planejamento de outras políticas públicas", escrevem os ex-coordenadores do Pnaic, ligados a 16 universidades federais e 3 estaduais.
O Pnaic dava formação continuada a professores de alfabetização em regime de colaboração entre a União, estados e municípios, por meio de universidades federais. A ideia era capacitá-los a adotar ferramentas adequadas que auxiliassem as crianças durante o processo de aprendizagem de leitura e escrita.
A polêmica ocorre dentro do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), autarquia ligada ao Ministério da Educação (MEC).
O estudo sobre a política de 2012, chamado "Avaliação Econômica do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa", foi feito pelo servidor do Inep Alexandre dos Santos e pelo economista da Fundação Getúlio Vargas Renan Pieri. Ele está enquadrado dentro do que instituto chama de Textos para Discussão (TDs), que trazem dados sobre políticas e indicadores educacionais.
Os dados apontam que aumentar em 10 pontos percentuais a presença de professores capacitados pelo programa eleva a proficiência em português e matemática dos alunos em pelo menos 23%. Além disso, o retorno econômico é de R$ 118,48 por aluno. O trabalho seguiu todas as normas para aprovação, com avaliação interna e externa, e obteve parecer favorável. No entanto, não foi publicado.
Segundo Santos, o Inep decidiu criar um comitê para analisar as publicações da instituição, à qual o texto dos pesquisadores será submetido posteriormente.
Debate interno deveria anteceder mudanças
Em uma nota técnica, servidores da Coordenação de Editorações e Publicações (COEP) afirmam que os estudos elaborados dentro da autarquia seguem o "Manual da Linha Editorial do Inep", que apresenta o fluxo isonômico para todas as publicações. E dizem que a criação de novas regras deveria ser antecedida de debate interno. A nota técnica foi encaminhada à Diretoria de Estudos Educacionais (Dired), do Inep.
"Pode-se, sim, pensar uma política editorial, mas não há necessidade de se fazer isso sem que haja amplo debate, porque as decisões atualmente são de gestores de alta responsabilidade institucional", diz um trecho do documento.
"Instituí-la sem o devido debate técnico pode deslegitimar o patrimônio construído até aqui, colocando em questão décadas de serviços prestados à sociedade no que diz respeito sobretudo à qualidade das publicações que disseminam valiosas informações sobre a educação brasileira", ressalta outro trecho.
A Associação dos Servidores do Inep (Assinep) também se manifestou. Em carta, a entidade cita que a mudança foi abrupta e que cria regras retroativas.
"Alterar abruptamente o processo de submissão dos TDs, sem fundamentação técnica consistente, não pode ser uma alternativa em uma instituição como o Inep, especialmente quando não há transparência sobre qual será o novo procedimento e, ainda mais, se houver efeitos retroativos", diz o documento da Assinep.
Mudanças dentro do Inep
A Assinep também se manifestou contra a alteração da estrutura organizacional do Inep. Na última quinta-feira (6), o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e da Educação, Milton Ribeiro, assinaram um decreto em que aprovam uma nova estrutura regimental dentro da autarquia. O documento foi publicado no "Diário Oficial da União" e propõe remanejamento de cargos.
Para a associação de servidores, a mudança "'fortalece' tão somente algumas unidades organizacionais do Gabinete da Presidência do Inep, sem resolver as graves deficiências estruturais das áreas finalísticas e estratégicas do Instituto", diz o documento.
"É urgente, portanto, garantir as condições para que o Inep atue como instituição de Estado, que produz e divulga informações imparciais, válidas, confiáveis, relevantes e tempestivas, para subsidiar entidades governamentais e não governamentais na sua tarefa de promover e monitorar o desenvolvimento da Educação brasileira. Essa é sua missão, que demanda, por via legal, o reconhecimento e a proteção da sociedade civil, do parlamento brasileiro e dos governos dos entes federados e da União", afirma a Assinep.