Tentativa de desqualificar a urna eletrônica
"É uma tentativa de desqualificar um feito do Brasil", diz gaúcho que ajudou a criar a urna eletrônica, sobre ataques ao sistema
Giuseppe Dutra Janino foi servidor do TSE por 25 anos e chefiou o setor de Tecnologia da Informação
JULIANA BUBLITZ
Giuseppe Dutra Janino hoje atua como consultor em eleições digitais
Lucio Bernardo Junior / Câmara dos Deputados
Gaúcho nascido em Canoas, na Região Metropolitana, Giuseppe Dutra Janino carrega no currículo um feito do qual nutre grande orgulho: é um dos criadores da urna eletrônica no Brasil, cuja estreia ocorreu nas eleições de 1996.
No mesmo ano, lançou o livro O Quinto Ninja, no qual relata a experiência vivida na Justiça Eleitoral e o processo de criação e implementação do sistema eletrônico no país. Em um dos capítulos, o especialista - que hoje é consultor em eleições digitais - discorre sobre os mitos e as verdades a respeito da urna, esclarecendo o turbilhão de fake news que insiste em voltar à tona.
Por telefone, conversei com Janino na manhã desta quarta-feira (20) sobre a nova controvérsia em torno do voto digital. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.
Como o senhor vê toda essa polêmica em torno da urna, às vésperas das eleições?
Vejo como uma tentativa de desqualificar um feito do Brasil, que foi a transformação do processo convencional para o digital de votação, que já tem 26 anos de aplicação. É muito triste, porque desvaloriza inclusive uma conquista do Brasil e o fato de sermos referência no mundo.
Como um dos criadores da urna, o que tem a dizer sobre a segurança do sistema? É, de fato, seguro?
Sim. Não é nem uma questão de fé, é uma questão de constatação. Basta verificar a história. Temos uma trajetória de 26 anos de utilização da urna eletrônica e não há sequer um caso de fraude evidenciado. Todas as suspeições devidamente formalizadas são investigadas por instituições independentes e competentes, como Ministério Público e Polícia Federal. E o fato, a realidade, a história demonstram que o processo eleitoral é seguro desde o momento em que foi transformado para o paradigma digital.
Deixando de lado o mar de fake news e todas as teorias conspiratórias, é possível aprimorar a urna?
Sim. Isso é um trabalho constante. É um processo de evolução contínuo, e existem vários mecanismos para que isso aconteça, como os testes públicos de segurança, que eu tive a oportunidade de introduzir no processo eleitoral. Eles permitem que qualquer brasileiro se inscreva para testar os dispositivos de segurança. Já foram realizadas seis edições. Ali, o hacker recebe acesso aos códigos-fonte e aos algoritmos e várias barreiras de segurança - são mais de 30 - são desativadas para que ele possa entrar no sistema. À medida que ele consegue, isso é registrado pela equipe técnica, e a urna volta para o laboratório, onde se faz as devidas correções. Chama-se novamente o hacker para outro teste. Estando tudo ok, aí sim o software vai para a eleição. Nesse momento, do qual a população, os especialistas, as autoridades e os acadêmicos participam, as fragilidades identificadas são sempre corrigidas e aí se consegue uma evolução do processo. Essa é apenas uma forma de evolução, entre vários outros tipos de ação.
O que pensa sobre a possibilidade de impressão de comprovante do voto, muito defendida por alguns setores?
Isso já foi vencido. Já houve decisão do STF sobre a inconstitucionalidade da impressão do voto. Houve ainda uma tentativa de alteração por meio de uma PEC, que também não foi aceita pelo Congresso Nacional. E existe um aspecto técnico muito importante aí. A mudança do paradigma convencional para o digital veio justamente para eliminar a mão do homem do processo. Retomar o papel seria regredir 30 anos e voltar para as mesas apuradoras, onde havia a mão do homem manipulando a informação, com possibilidade de erros e principalmente de fraudes, muitas delas muito bem conhecidas. Esse mecanismo traz prejuízos. Isso não se concilia com o cenário que temos hoje. Há, sim, vários mecanismos para auditar no meio digital. Não há motivos para retroagir a um método que aposentamos há 30 anos.
Para quem tem dúvidas honestas sobre a confiabilidade do equipamento, qual é o seu recado?
Costumo dizer que a saída para se tornar imune à contaminação dessa onda de desinformação é se atualizar. Na medida em que busca a informação correta, você se protege contra qualquer interferência dessas notícias falsas e tendenciosas. Existem vários mecanismos para se aprofundar e entender como o processo funciona e como evoluiu. Eu mesmo lancei um livro, chamado O Quinto Ninja, contando a trajetória desses 25 anos da minha participação no processo, que se confundem com a história da urna eletrônica. É uma alternativa para as pessoas que realmente pretendem ter uma fonte confiável para entender melhor o processo, além de outros meios, como o site do TSE.
Antes e depois das urnas eletrônicas: veja o que mudou
Até 1996, a apuração de votos no Brasil consumia horas, dias e até semanas. Como tudo era manual, erros e trapaças eram comuns
10/08/2018
Apuração dos votos no Petrópolis Tênis Clube, em Porto Alegre, em 1992
Paulo Franken / Agencia RBS
As urnas eletrônicas começaram a ser usadas em 1996 no Brasil, quando 32% do eleitorado votou no equipamento. Em 2000, o país deixou definitivamente para trás as antigas urnas de lona. Desde então, tudo mudou na apuração dos votos. Confira, a seguir, o "antes e depois" da modernização do sistema de votação no país.
Como era antes
Muita gente participava da contagem, que era acompanha de perto por fiscais de partidos
Paulo Franken / Agencia RBS
Até de 1996, a apuração de votos no Brasil consumia horas, dias e até semanas. Como tudo era manual, erros e trapaças eram comuns.
As principais irregularidades incluíam o preenchimento de cédulas com votos em branco em favor de um candidato e votos nulos interpretados ao gosto de quem fazia a leitura. A subtração e inclusão de cédulas também era corriqueira.
Antes de 1996, a intervenção humana no processo de apuração era maior.
Paulo Franken / Agencia RBS
Em alguns casos, os problemas começavam antes da apuração. Um exemplo disso era a estratégia do "voto formiguinha". Funcionava assim: um eleitor recebia a cédula do mesário, entrava na cabine de votação e colocava um papel qualquer na urna de lona. A cédula oficial, ainda em branco, era entregue a uma pessoa fora da seção, que assinalava os candidatos desejados e a repassava a outro eleitor. Este tinha a incumbência de depositar a cédula já preenchida na urna, pegar outra em branco e levar novamente ao líder do esquema, e assim por diante. O resultado era a manipulação do pleito.
Havia ainda a tática das "urnas emprenhadas". Como elas tinham apenas um cadeado e lacres de papel, muitas já chegavam "grávidas" à seção, isto é, recheadas de votos.
Como é hoje
Urnas eletrônicas são lacradas. Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
O sistema de voto eletrônico, que permanece em constante aprimoramento, deu agilidade à contagem e à divulgação dos resultados, acabando com os longos e cansativos dias de apuração. Hoje, a contagem termina no dia do pleito.
Genuinamente brasileira, a urna eletrônica surgiu para reduzir ao máximo a possibilidade de intervenção humana no processo – e, consequentemente, o risco de maracutaias e equívocos. Ela foi desenvolvida justamente porque havia grande descrédito em relação ao sistema anterior, baseado em cédulas de papel.
Todo o processo de preparação das urnas é feito pela Justiça Eleitoral a partir de rigorosas normas de segurança eleições 2016,segundo turno das eleições, urna eletrônica, politica, eleições, centreventos / Agencia RBS
Sem conexão com a internet ou com qualquer dispositivo de rede e protegido por uma série de barreiras de segurança, o equipamento tornou altamente improváveis as adulterações e a quebra do sigilo (em 22 anos de uso, nenhuma fraude foi comprovada). Além disso, a urna virou sinônimo de democracia no Brasil – sua principal marca passou a ser o sinal sonoro emitido ao final da votação.
Com o cadastramento biométrico, iniciado em 2008, a segurança do pleito está sendo ampliada. Nesta eleição, 87,4 milhões de eleitores (59,3% do total) serão identificados pela impressão digital na hora de escolher seus candidatos, o que reduz a chance de outra pessoa votar no seu lugar.
A urna possui mais de 30 barreiras de segurança e os dados são criptografados
Porthus Junior / Agencia RBS
Na eleição de outubro de 2018, serão usadas 550 mil urnas, onde votarão 147 milhões de eleitores. Hoje, 23 países usam sistemas de votação eletrônica em eleições nacionais e 18 usam a tecnologia em pleitos regionais.
E o voto impresso?
Está suspenso. Em 2015, a minirreforma eleitoral definiu que, na eleição de 2018, deveriam ser impressos comprovantes dos votos (que seria depositados automaticamente em local previamente lacrado), mas, em junho deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a medida por entender que haveria risco ao sigilo e à confiabilidade do processo.
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Sistema que deixou para trás a contagem manual de votos, marcada por lentidão, erros e irregularidades, começou a ser usado em 1996 no Brasil