Teses infundadas

Teses infundadas

Diversionismo que não para em pé

Gregório Grisa   Mar 23

Como o ministro da educação usa teses infundadas para transferir responsabilidades e empobrecer o debate público.

O ministro da educação voltou a fazer comparações entre “ciências humanas” e áreas médicas. Ele afirma que “a esquerda” priorizou “faculdade de antropologia ou filosofia” e que por isso faltará médicos e enfermeiros agora. Vejam os posts abaixo. Será que a tese dele procede?

Perfil do ministro da educação no Twitter
Perfil do ministro da educação no Twitter

De antemão, cabe lembrar que a rede privada é hegemônica no ensino superior no Brasil (tem 75% das matrículas) e que é muito complicado insinuar que “esquerda”, “direita” ou qualquer corrente de pensamento político tenha poder de induzir e definir aberturas de cursos ou algo do gênero. Mesmo nas universidades federais, há colegiados e deliberações de cada instituição sobre oferta e abertura de cursos, conforme prevê o princípio constitucional da autonomia universitária.

Com isso, destaco que para além de não haver nenhum dado que corrobore as assertivas de Weintraub, há também componentes de teoria da conspiração e mediocridade analítica na sua apreciação da realidade social e educacional do país. Infelizmente esse tipo de narrativa é consumida em grande escala por leigos e por grupos sociais sedentos por incorporar teses que atendam ao seu viés ideológico.

Independente desse preâmbulo, o que vale nesse texto é que nada que o ministro afirma nesses posts para em pé, os dados indicam o oposto do que ele diz e lhes mostro isso a seguir. Vamos lá!

Se utilizarmos o número de cursos totais ofertados no Brasil entre aqueles que o ministro cita nos seus post, não encontramos a priorização advogada por ele. Pelo contrário. Veja a tabela abaixo que compara, com base no Censo da Educação Superior no INEP, o quantitativo de cursos em 2002 e 2018.

O crescimento dos cursos de medicina e enfermagem nas últimas décadas é bem maior que o de “antropologia ou filosofia”. O número de profissionais médicos e enfermeiros também cresce bastante nos últimos anos. Veja nesse trabalho com dados até 2010.

Há uma informação importante sobre o tema. Em função da Portaria 328, assinada pelo então ministro Mendonça Filho e o então presidente Michel Temer em 2018, ficou vedada a criação de novos cursos de Medicina e a ampliação de vagas já existentes no Brasil por cinco anos. A medida foi tomada muito por pressão dos conselhos e entidades médicas.

O argumento era de que o Brasil teria médicos suficientes (2,1 médicos por mil habitantes), mesmo que a média mundial seja de 3,4. Esse discurso foi frequentemente usado também quando do debate sobre o programa Mais Médicos.

Sobre o número de hospitais, dados recentes mostram que entre 2010 e 2019 os hospitais públicos cresceram 17% no Brasil, foram 355 novas unidades. Para um país como o nosso ainda é pouco, em especial quando vivemos uma pandemia tão grave, mas o dado desmente o sugerido pelo ministro em seus posts.

Até aqui analisei apenas para os cursos citados pelo ministro como aqueles que teriam sido priorizado, mas se falarmos em relação a área de conhecimento, “saúde e bem-estar” foi a das que mais expandiu vagas e tem ingressantes e concluintes no Brasil acima da média da OCDE.

Quando olhamos para o número de matrículas por áreas do conhecimento, notamos que as humanidades e as ciências sociais (que o ministro argumenta que teriam sido prioridade) estão abaixo da média da OCDE no BR. Diferente da área da saúde e bem estar e de engenharias, por exemplo, veja na imagem abaixo.

 

Portanto, as afirmações do ministro parecem ser direcionadas a sua bolha ideológica. Insinuar, sem nenhuma evidência, que outros governos deixaram de investir em cursos da área da saúde para justificar a possível falta de profissionais hoje é algo impróprio e desonesto. Carimbar grupos e pessoas “de esquerda” como responsáveis por algo que não procede tem sido a estratégia retórica para camuflar a falta de propositividade e competência da atual gestão do ministério da educação.

Trata-se de diversionismo que transfere responsabilidades para adversários políticos, postura que empobrece o debate público.

 

https://medium.com/@gregoriogrisa/diversionismo-que-n%C3%A3o-para-em-p%C3%A9-f9c7a9ea1e77




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