Um golpe letal no capitalismo
Zizek sobre o coronavírus: Um golpe letal no capitalismo para reinventar a sociedade
21 de março de 2020
O popular filósofo Slavoj Zizek, um dos mais fervorosos críticos do sistema capitalista e das “ideologias” sobre as quais se apoia, escreveu uma coluna sobre o coronavírus para o site Russia Today. Zizek aponta que o coronavírus destampou a realidade insustentável de outro vírus que infecta a sociedade: o capitalismo. Enquanto muitas pessoas morrem, a grande preocupação para estadistas e empresários é o golpe para a economia, a recessão, a falta de crescimento do Produto Interno Bruto e coisas desse tipo.
A reportagem é publicada por Pijamasurf, 16-03-2020. A tradução é do Cepat.
Esse colapso econômico se deve ao fato de que a economia se baseia fundamentalmente no consumo e na perseguição de valores defendidos pela visão capitalista, como a riqueza material. Mas não deveria ser assim, não deveria haver uma tirania do mercado. Zizek sugere que o coronavírus também apresenta a oportunidade de tomar consciência dos outros vírus que se espalham pela a sociedade, há muito tempo, e de reinventá-la:
“A atual expansão da epidemia de coronavírus detonou as epidemias de vírus ideológicos latentes em nossas sociedades: notícias falsas, teorias da conspiração paranoicas e explosões de racismo”.
“A bem fundamentada necessidade médica de estabelecer quarentenas fez eco nas pressões ideológicas em estabelecer limites claros e colocar em quarentena os inimigos que representam uma ameaça à nossa identidade. Mas talvez outro - e mais benéfico - vírus ideológico se espalhará e talvez nos infecte: o vírus de pensar em uma sociedade alternativa, uma sociedade para além do Estado-nação, uma sociedade que se atualize como solidariedade global e cooperação”.
Zizek considera que é possível comparar o que está acontecendo com um famoso golpe assassino do filme Kill Bill, conhecido como “a técnica do coração explosivo”, com o qual a pessoa que o recebe ainda pode continuar suas atividades por um tempo, beber uma taça de vinho, ter uma conversa etc., embora logo, inevitavelmente, seu coração explodirá e morrerá: “Minha modesta opinião sobre a realidade é muito mais radical: a epidemia de coronavírus é uma forma especial de ‘técnica do coração explosivo’ no sistema global capitalista, um sintoma de que não podemos continuar no caminho que seguimos até agora, que mudanças são necessárias”.
Zizek observa vários paradoxos. Enquanto o coronavírus nos obriga a nos isolar, também “nos obriga a reinventar o comunismo com base na confiança nas pessoas e na ciência”. O filósofo acredita que é necessária uma nova compreensão do comunismo e que seria necessário, sobretudo, da comunidade.
Outro paradoxo, embora talvez também seja uma espécie de hipérbole trágica - ainda que possivelmente redentora -, é que na era em que o ser humano está mais isolado, agora precisará se isolar ainda mais. No momento em que mais necessita de contato humano real e não meramente virtual, agora parece que o contato físico será um tabu. Contudo, talvez desse isolamento surgirão novos valores e se reafirmará a importância da comunidade, da convivência e da intimidade. O que é inegável é que é um tempo de reflexão, um tempo em que há menos ruído e, portanto, a possibilidade de maior clareza.