Uma onda feminista

Uma onda feminista

Uma onda feminista 

Diana Corso

 

Naomi Parker Fraley foi pioneira entre as operárias das fábricas e estaleiros norte-americanos durante a Segunda Guerra. Sua foto inspirou um cartaz que, resgatado posteriormente pelo movimento feminista, tornou-a uma personagem: Rosie a Rebitadeira.

Todos conhecemos a imagem, o desenho de uma mulher mostrando a força do seu muque e um olhar desafiador. O texto diz “Nós podemos”, referindo-se às mulheres. Ele lembrava que podemos participar dos esforços de guerra, substituindo os homens convocados.

Tradicionalmente, eles eram chamados para as armas, nós, para a retaguarda. Fomos enfermeiras, um papel herdeiro do materno, mas também coube-nos a gestão, a produção e até, quem diria, a luta, com muito maior frequência do que se admite. Sempre que as tarefas masculinas caíram no colo das nada frágeis mulheres, constituíram-se memórias cortadas da edição final dos eventos históricos. Pela misoginia das versões oficiais, de fato, mas também pelo incômodo viés narrativo feminino.

“A mulher é o sujeito imprevisto”, escreveu Elena Ferrante. Mesmo que inesperados, nossos escritos têm sido cada vez mais lidos, #leiamulheres é uma marca que lembra de prestar atenção na voz literária feminina. Porém, a inconveniência, para a história oficial, desse modo de ver e narrar, fica muito clara em um livro que considero um divisor de águas.

A bieolorussa Svetlana Aleksiévitch, Prêmio Nobel de Literatura, fez um trabalho na fronteira do jornalismo com a literatura que tornou-se o livro “A guerra não tem rosto de mulher”. Ela passou anos escutando as sobreviventes de um contingente de milhões de soldadas soviéticas, que enfrentaram combates sangrentos ombro a ombro com os homens, dividindo missões e tarefas sem diferenças de gênero. Apesar disso, elas tinham outra guerra para contar, só não estavam certas de ter a coragem de fazê-lo.

Para as mulheres, reis e rainhas estão sempre nus. É um olhar inevitável, oriundo de um ponto de vista, resultante de gerações consagradas à intimidade e relegadas aos bastidores. Fomos treinadas para disfarçar essas nudezes e ocultar qualquer contradição com o papel de mãe e cuidadora.

Svetlana conta o episódio de uma jovem que precisou ocultar-se dentro da água. A vida dela e de seu pelotão, naquele momento, dependia do silêncio absoluto. Ela recentemente dera a luz a um bebê, que chorava, mesmo que ela o amamentasse. Os colegas a assistiram submergir sua amada criatura, até que a morte a calasse, para garantir a sobrevivência do grupo. Essa é uma das mais dolorosas histórias que já li a respeito desse século infame.

Nem tudo em uma fêmea é fertilidade e amor. A imagem de Naomi serve para lembrar das tantas coisas que podemos. Inclusive narrar, do nosso jeito, nossas histórias, mas só para quem tiver coragem de escutar.

Hoje, 15 de novembro de 2020, vivemos uma onda de reações violentas contra as conquistas feministas, Figuras públicas (infelizmente algumas do sexo feminino), assim como machos inseguros espumam de ódio ressentido.

A onda de governantes que militam contra o óbvio direito de existir pública, política e pessoalmente de metade da humanidade, será barrada, estancada, pelas candidatas mulheres que brilham nesta eleição municipal. Somos ainda poucas, considerando que na prática somos tantas, mas nós podemos, e como, eleger mulheres, apoiar mulheres, escutar mulheres, inspirar umas às outras.

Para cada vez que uma onda feminista se recolhe, advém um tsunami de liberdade!

 

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