Universo bolsonarista
BOLSONARISMO NÃO TEM CURA, PORQUE NÃO É DOENÇA
Por Rita Almeida
A questão é que, arrastadas por determinados movimentos de massa, algumas pessoas são capazes de aderir a um discurso delirante
Jornal GGN 07 de agosto de 2025
Bolsonarismo é um movimento de massas fascista.
Por Rita Almeida
Desde que o Bolsonarismo emergiu, uma pergunta que não cala diz respeito à sanidade mental de seus seguidores mais radicais e empedernidos, aqueles que parecem habitar um universo paralelo. Estariam eles loucos e em franco delírio? São todos acometidos de algum quadro psiquiátrico diagnosticável?
Motivada por essas e outras perguntas, decidi mergulhar no universo Bolsonarista, o que gerou uma pesquisa de pós-doutorado e o livro: Psicologia de Massas e Bolsonarismo. Resumidamente, o que posso responder é o seguinte: Apesar de eventualmente existirem dentro dos movimentos Bolsonaristas pessoas com condições psiquiátricas que usam o discurso Bolsonarista como temática para seus delírios, a grande massa que compõe o Bolsonarismo é de normotípicos.
A questão é que, arrastadas por determinados movimentos de massa, algumas pessoas são capazes de aderir a um discurso delirante, mesmo sem um quadro psiquiátrico de base. A força do grupo é capaz de descolar o sujeito da realidade factual, facilitando sua adesão a mentiras, negacionismos, teorias conspiratórias e bizarrices das mais diversas, em nome do pertencimento a um grupo e a uma ideologia. Isso indica que o problema do Bolsonarismo não é psiquiátrico, o problema é ser um movimento de massas fascista.
Freud dizia que o delírio é uma tentativa de cura, um mecanismo de proteção do Eu contra a desintegração, com a “vantagem” de criar uma nova realidade totalmente desvinculada da factual, na qual o sujeito se sente mais confortável, interessante ou importante. Só que o delírio como experiência singular num quadro psicótico, por exemplo, é experimentado pelo sujeito com sofrimento e angústia, afinal, ele se encontra sozinho e desacreditado pelos seus pares no mundo paralelo que inventou.
Já no caso do delírio coletivo, o descolamento e a reinterpretação da realidade formam o discurso que une o grupo e agrada seus líderes, portanto, não há angústia e sofrimento no delírio, mas quando se está fora dele. Percebe-se assim a dificuldade de se descolar de um delírio de massa, especialmente quando alimentado e instrumentalizado por poderosos e líderes tirânicos. Se descolar do delírio é deixar de pertencer ao grupo e experimentar uma dissolução do Eu, que estava sustentado naquela ideologia ou discurso.
Sendo assim, esperar que os Bolsonaristas fanatizados abandonem o Bolsonarismo é uma expectativa pouco promissora, quase inviável. Isso demandaria muito tempo, muitos recursos simbólicos e acolhimento em outros grupos mais saudáveis. Portanto, o modo mais rápido e eficaz de derrotar movimentos fascistas, é de cima pra baixo; derrubando seus líderes, barrando por meio das leis e instituições republicanas seus polos irradiadores e combatendo seus mecanismos de propaganda e disseminação de ódio, mentiras, pânico moral e negacionismos.
Existem bolsonaristas com transtorno psiquiátrico e Bolsonaristas normotípicos, o ponto é que ambos aderiram ao movimento de massas fascista e se mudaram para o universo paralelo criado para mantê-los coesos. Além desses dois grupos, existem obviamente os canalhas perversos: os que lideram ou que conseguiram extrair desses movimentos, status ou proveito financeiro. São os que, deliberadamente, criam esse universo paralelo e, mesmo não acreditando nele, o mantêm vivo por conveniência.
O Bolsonarismo, portanto, não é uma questão para a psiquiatria ou a psicologia, até porque as pessoas acometidas de transtorno mental podem delirar com outros temas mais criativos e interessantes, que não seja a temática escatológica Bolsonarista. O problema do Bolsonarismo é ser fascista, portanto, é o fascismo que temos que combater, com o rigor da lei e a força das instituições republicanas; a começar pelos seus líderes, os agitadores fascistas e seus discursos, e a propaganda que mantém o facho aceso.
Movimentos fascistas são profundamente nocivos para sociedades democráticas e republicanas, para os direitos humanos e as diversidades culturais, raciais e de gênero. Não há limites para o que o facho fascista é capaz de promover para se manter coeso, já que essa é a força responsável por manter sua ideologia de pé. Não importa quão bizarros e delirantes sejam suas proposições, se muitas pessoas acreditarem nelas, a força do facho se mantém.
Não reeleger Bolsonaro e torná-lo inelegível, foi um primeiro recado da sociedade brasileira para combater o Bolsonarismo – esse cancro que tem corroído a sociedade brasileira nos últimos anos – mas ainda teremos muito trabalho para superá-lo. Enquanto definha e é colocado nas cordas pela justiça, ele esperneia e, no seu desespero, tende a se radicalizar e partir para o tudo ou nada, como estamos vendo, mas não se pode recuar diante de tal esperneio.
Delírios são toleráveis e tratáveis, pessoas com transtornos psiquiátricos merecem cuidado e acolhimento, mas diante do fascismo, a única medida possível é derrotar e derrubar. Fascismo não tem cura, porque não é doença. Fascismo é o mal social radical, a ser destruído e atravessado. Sem anistia pra fascista.
Rita Almeida – É psicóloga/psicanalista, mestre e doutora em educação pela UFJF.
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