Usar dinheiro da educação com aposentados
PGR entra com ação no STF para impedir Doria de usar dinheiro da educação com aposentados
Governo paulista ainda prevê para o próximo ano o uso de recursos do Fundeb para esse fim
12.nov.2020
SÃO PAULO e BRASÍLIA
As manobras do governo de São Paulo para usar dinheiro da educação no pagamento de aposentados são alvo de mais um questionamento da PGR (Procuradoria-Geral da República). O procurador-geral, Augusto Aras, ingressou nesta quarta-feira (11) com ação contra lei paulista que permite o uso.
O governo paulista ainda prevê, na proposta de orçamento de 2021, o uso de recursos do Fundeb para pagar aposentadorias. Isso ocorre mesmo após o STF (Supremo Tribunal Federal) já ter considerado inconstitucional outra legislação de São Paulo a respeito (após questionamento da PGR) e da emenda do novo Fundeb vetar textualmente essa possibilidade.
A ação direta de inconstitucionalidade levada ao STF nesta quarta questiona lei paulista de 2018 que permitiu computar gastos com o déficit previdenciário como gasto obrigatório em educação.
O estado de São Paulo tem um histórico de mais de duas décadas de desvio de recursos de educação para a previdência. Em 17 de agosto deste ano, o STF considerou inconstitucional outra lei paulista, de 2007, que permitia a manobra.
Em 2018, quando a ação anterior já corria no Supremo, São Paulo aprovou a lei agora questionada por Aras. Ela permitiu que pagamentos de aposentados fossem levados em conta no excedente entre a exigência federal, de 25% das receitas para a educação, e a estadual, que preconiza 30%
Um artigo foi incluído em lei sobre educação profissional, o que foi visto como manobra, uma vez que a validade da legislação de 2007 era questionada nos tribunais. Na época, o governador do estado era Márcio França (PSB), hoje candidato à prefeitura de São Paulo .
A maior parte dos gastos vinculados à educação vem do Fundeb (em todo país, representa 63%). O Fundeb reúne uma cesta de impostos para a área além de uma complementação da União. A emenda constitucional do mecanismo, que o renovou e ampliou, vetou explicitamente o pagamento de aposentados com recursos do mecanismo.
Anualmente, cerca de R$ 3 bilhões do Fundeb em São Paulo têm sido desviados para a previdência. No Orçamento de 2021, encaminhado após a promulgação da emenda do fundo e da decisão do Supremo, R$ 2,1 bilhões do Fundeb são vinculados a aposentadorias, de um total de R$ 18 bilhões recebidos pelo estado.
Como o fundo pode ser usado para pagamento de salários de professores da ativa, a peça orçamentária prevê apenas R$ 369 mil para investimentos.
O estado se ampara em entendimento do TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo), que autorizou um período de transição de cinco anos para que São Paulo abrisse mão do Fundeb nas contas previdenciárias.
"Invocar decisão do TCE-SP para negar cumprimento à decisão do STF é uma afronta absurda ao nosso ordenamento constitucional", diz Elida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas junto ao tribunal. "Se o estado não abrisse mão desses recursos, teria condições de ofertar educação remota de qualidade e com conectividade adequada para os estudantes mais vulneráveis."
Questionado no fim de outubro pela Folha, o governo do estado confirmou continuar usando valores do Fundeb para o pagamento de aposentados dentro do que fica entre 25% e 30% das receitas. Também afirmou que, após a aprovação da emenda do novo Fundeb, “buscará novos recursos no orçamento para cumprir as obrigações”, sem informar quais mudanças são estudadas.
Nesta quinta, o governo respondeu que também defende que o mínimo constitucional de 25% seja usado apenas nas ações de desenvolvimento da educação. No entanto, defende que o adicional possa ser usado para o pagamento de aposentados e pensionistas. "Em 2019, São Paulo destinou 33% da sua receita corrente líquida para a área", diz nota.
A regulamentação do Fundeb precisa ser definida neste ano para que novas regras de distribuição dos recursos passem a valer no ano que vem. O Congresso analisa o tema e, caso não haja aprovação neste mês, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) promete editar uma medida provisória.