Vacinou 80 milhões em 3 meses

Vacinou 80 milhões em 3 meses

H1N1: Assim o Brasil vacinou 80 milhões em 3 meses

Estrutura ultracapilarizada do SUS — com unidades móveis terrestres e fluviais — permitiu que país fosse o primeiro em vacinação pública no mundo, chegando aos lugares mais remotos. Como estaríamos hoje, se tivesse sido acionada?

Por Mait Bertollo, na coluna Outras Cartografias

 

O Brasil enfrenta desde 2016 uma crise econômica e política, que se agravou a partir de 2020 devido à pandemia de covid-19, cuja inação do atual governo federal dificulta o combate por não estabelecer uma articulação política, não só da instância federal e seus ministérios, como também da federação e dos entes federativos.

A solução ou mitigação da pandemia passa obrigatoriamente pela vacinação em massa, que demanda investimento em ciência aplicada e políticas que garantam o bom funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Tais ações têm acontecido de modo precário em função do contingenciamento orçamentário para os setores da saúde, educação e produção científica. O desenvolvimento e produção das vacinas no Brasil estão sendo realizados, principalmente, pelo Instituto Butantan e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), líderes nacionais na produção de vacinas, soros e fármacos. Reconhecidas internacionalmente, estas instituições deixarão um importante legado para a pesquisa e o desenvolvimento dessa e de outras vacinas, cuja articulação poderia ser protagonizada pelo Poder Executivo. No entanto, são políticos de escalões inferiores, cientistas, técnicos e sociedade civil organizada que estão coordenando tais ações na medida do possível.

Para ilustrar a expertise brasileira na vacinação em massa, é importante lembrar das ações para o combate da Influenza A H1N1, que provocou a primeira pandemia no século XXI e atingiu o Brasil em 2009 e 2010. Nesses anos foram notificados 105.054 casos no Brasil, dos quais 53.797 (51,2%) foram confirmados como sendo Influenza A H1N1 (ROSSETTO, 2014) e, assim como a covid-19, o novo subtipo de H1N1 era transmitido pelo contato direto com uma pessoa infectada ou ao entrar em contato com secreções respiratórias que carregavam o vírus. Porém, o H1N1 era menos transmissível do que a pandemia atual: a H1N1 era infectava de 1,2 a 1,6 pessoas, enquanto o Covid-19, 2,79 pessoas (MENDES-CORREA et al., 2020).

Um ponto fundamental que contribuiu para controlar a disseminação de H1N1 foi o desenvolvimento de uma vacina ainda em 2009, pois já havia vacinas contra outros vírus influenza, que foram adaptadas para criar uma versão capaz de conferir imunidade contra a H1N1. Assim, a organização da vacinação da população foi central no controle da pandemia a partir de 2010.

A primeira ação do governo brasileiro foi a implantação de um sistema de barreira sanitária para a Influenza em todos os aeroportos e nas capitais brasileiras, por meio da Secretaria da Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, além de monitoramento diário da situação, com a ajuda dos estados e municípios. Também foi formado um Comitê de Gerenciamento de Crise para Influenza, para que o Ministério da Saúde controlasse e orientasse medidas para conter a pandemia.

Naquele momento houve a intensificação da campanha de vacinação contra gripe, que ocorria em Postos de Saúde, Unidades Básicas de Saúde, e por meio das Unidades Móveis Fluviais e Unidades Móveis Terrestres, além de lugares como Shopping Centers e algumas festas populares, como a Festa do Peão em Barretos (BRASIL, 2010) para chegar à população mais frágil, que para o caso da H1N1, eram os mais jovens. Também ocorreu a ampliação dos grupos prioritários para a vacina, para maiores de 60 anos de idade e pessoas com comorbidades.

O Brasil foi o país que mais vacinou cidadãos contra H1N1 pelo sistema público no mundo em 2010 (BRASIL, 2010), começando a campanha em março para conter uma segunda onda, sendo definidos também os grupos prioritários para a vacinação, como população indígena, gestantes, portadores de doenças crônicas, crianças entre seis meses e dois anos de idade e jovens com idade entre 20 e 39 anos.

Vacinou-se mais de 100 milhões de pessoas, e destas, 80 milhões em apenas três meses (BRASIL, 2010), cuja campanha utilizou vacinas monovalentes produzidas pelos laboratórios Glaxo SmithKline (GSK), Sanofi Pasteur/Butantan e Novartis, todas utilizando o vírus inativado fracionado (ROSSETTO, 2014).

Essa grande capacidade de vacinação pelo território brasileiro só foi possível (e ainda é) por meio dos fixos do SUS (hospitais, UBS, prontos socorro etc.), que unificou e integrou esses fixos por meio de uma logística ultra especializada para fluxos de vacinas, e de uma capacidade de comando vertical do sistema para controlar os fluxos de insumos, organizar os sistemas informacionais e toda a regulação que concerne à saúde pública.

Além da infraestrutura em rede e de seu controle vertical, é preciso ressaltar que o SUS é resultado de uma grande força social construída por profissionais e movimentos sociais organizados da saúde, mobilizados há mais de cinco décadas, e que tornou o sistema uma política de Estado e com acesso universal, único no mundo para países com mais de 100 milhões de habitantes. Efetivamente, esse é o fator que permite a existência de uma vacinação contra a covid, apesar de toda ineficácia do comando do primeiro escalão do governo federal.

Os mapas sobre os Postos de Saúde, Unidades Básicas de Saúde, Unidades Móveis Terrestres e Unidades Móveis Fluviais ilustram a organização em rede dos principais estabelecimentos de saúde ligados às ações de vacinação, com a distribuição dos pontos de vacinação pelo território e como o Estado está presente em porções em que nenhum outro agente hegemônico (como indústrias e empresas) está ou parece pretender estar em futuro próximo.

No mapa 1, que apresenta o número de postos de saúde por município, vemos a concentração nas maiores cidades e uma certa capilaridade em direção ao interior do país. No mapa 2, que indica as Unidades Básicas de Saúde (UBS) por município, verifica-se que além de vacinar a população, elas também foram planejadas para descentralizar o atendimento, aproximando os serviços de saúde das pessoas e desafogando os hospitais (PORTAL BRASIL, 2011). Portanto, há uma distribuição capilarizada das estruturas de vacinação no interior do país.

O Mapa 3 mostra a distribuição das ações de Unidades Móveis Fluviais, que visam vacinar as populações que vivem em lugares de difícil acesso para atender principalmente a população ribeirinha.

O Mapa 4 expõe a distribuição das Unidades Móveis Terrestres, igualmente instituídas pelo SUS para vacinação em lugares onde não há uma infraestrutura fixa para isso ou para dar apoio às existentes. Observa-se, assim, a interiorização dessas unidades.

Para que essas unidades cumpram sua função, a Rede de Frio (que é a logística específica para distribuir vacinas e medicamentos com controle de temperatura) deve ser organizada de modo que os produtos cheguem, dentro de seu prazo de validade, a todos os pontos do território, sejam eles móveis ou fixos. A Rede de Frio serve como apoio às infraestruturas apresentadas nos mapas.

A vacinação de 100 milhões de habitantes num período de aproximadamente cinco meses pode ser verificada por meio do Mapa 5.

 

O mapa 5 mostra a vacinação no período da pandemia de H1N1 em 2010, e verifica-se o maior número de vacinas aplicadas nas regiões mais populosas. Como se vê, o SUS é o grande responsável pela vacinação massiva da população brasileira, isto é, ele que efetiva a saúde como um direito universal no Brasil e organiza todas as bases materiais e técnicas, capilarizadas por todo o território brasileiro, para que as vacinas cheguem a seu destino. Assim, as questões de saúde pública precisam contar com efetivas promoção e regulação a partir do desenvolvimento de infraestruturas públicas para diminuir de fato as desigualdades nas consequências das emergências sanitárias (como epidemias, pandemias e doenças endêmicas), aliadas ao estreitamento das parcerias de cooperação técnica.

E para que as vacinas cheguem a todos, é necessário um esforço articulado entre o governo federal, os governadores e prefeitos, que são a essência do princípio federativo, pois a vacinação é a única maneira de garantir a possibilidade de erradicar as doenças.


Os mapas são derivados da dissertação de mestrado O circuito espacial produtivo da vacina no território brasileiro e a pandemia Influenza A H1N1, defendida pela autora em 2012 na USP. Disponível em https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-10022014-110210/publico/2013_MaitBertollo_VCorr.pdf

Outras Fontes:

BRASIL. Estratégia Nacional de Vacinação Contra o Vírus Influenza Pandêmico (H1N1) 2009. Ministério da Saúde – Secretaria de Vigilância em Saúde Departamento de Vigilância Epidemiológica (PNI), 2010. Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/estrategia_nacional_vacinacao_influenza.pdf Acesso em 28 mar. 2021.

MENDES-CORREA, Maria Cassia et al. Prolonged presence of replication-competent SARS-CoV-2 in mildly symptomatic individuals: A Report of 2 Cases. Med Rxiv 2020.11.18.20232546, 2020. Disponível em https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.11.18.20232546v1.full-text Acesso em 28 mar. 2021.

PORTAL BRASIL. Usuários do SUS serão atendidos em unidades próximas a seus domicílios, 30 set. 2011. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/sobre/saude/atendimento/unidades-basicas-de- saude. Acesso em: 28 mar. 2021.

ROSSETTO, Érika Valeska. Estudo descritivo da pandemia de influenza A (H1N1) pdm09 no Brasil, 2009-2010. São Paulo, 2014. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Medicina Tropical de São Paulo da Universidade de São Paulo. Disponível em https://teses.usp.br/teses/disponiveis/99/99131/tde-27112014-112900/publico/ErikaRossetto.pdf Acesso em 28 mar. 2021.

 

https://outraspalavras.net/crise-brasileira/h1n1-assim-o-brasil-vacinou-80-milhoes-em-3-meses/ 




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